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As escritoras com olhos de aventura

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A maioria das pessoas não sabe contar uma história, mas não é o caso de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães que escrevem livros de aventura desde 1982. A saga que já vai no 58 volume deslocou até à ilha da Madeira para mais uma aventura, que foi apresentada na cidade Funchal, perante um público mais jovem e outro mais adulto que teve oportunidade de colocar questões as escritoras que reproduzo, para além das minhas perguntas.

Como é que tudo começou para esta nova aventura?
Isabel Alçada: Nós planeámos “uma aventura na Madeira” que começa no Funchal e que acaba na capital da ilha. Os personagens centrais são as duas gémeas, a Teresa e a Luísa que tem um caniche chamado Caracol, um rapaz que se chama Pedro que é muito bom aluno, sabe tudo, é atento, o Chico que é desportista e que tem uma característica de que gostámos muito, nunca bate nos mais novos, nem nos mais fracos, muito pelo contrário, ele protege-os e o mais novo que é o João que tem um cão chamado Faial, um pastor alemão, que nos achámos que era muito bom para entrar na história. Em “uma aventura na Madeira” entram as personagens humanas, mas os animais não, porque era muito complicado deslocá-los até o Funchal e resolvemos fazer uma visita com olhos de aventura, ou seja, ser capazes de imaginar, ter um filtro para descobrir recantos misteriosos e entrar em sítios especiais para despois escrever. Fizemos uma visita à ilha, estivemos cá vários dias, ambas já viemos em outras ocasiões para passear como turistas, mas não tínhamos vindo como escritoras.

Ana Maria Magalhães: Enquanto a fonte não secar vamos continuar. Eu vou explicar como é olhar uma terra com olhos de aventura, quando escrevemos um dos volumes de uma aventura não só queremos fazer brilhar as terras onde se passa história, como tem de ter uma narrativa que se encaixe bem. Aí fomos nós para a floresta laurissilva e tivemos sorte, porque quando lá chegámos começou a cair o nevoeiro, isso deu logo um aspecto misterioso, só faltava aparecer uma bruxa, ou um gnomo, ou uma fada e ficou logo decidido que entrava na história. Imaginem lá o que me começou a piscar o olho, quando estive no Funchal, porque queria entrar na aventura? Foram as ilhas desertas. Eu dizia a Isabel que tinham de entrar na história e ela dizia que não podia ser, porque não fomos lá, mas eu insistia que tinha de ser, porque cada vez que olho para o mar, as Desertas falam comigo e como vão verificar elas entram na aventura. Depois fomos as grutas de São Vicente e quando entrámos naquela estrutura de madeira parecia que íamos penetrar no centro da terra, era o sítio ideal para acontecer algo de extraordinário, porque tinha os lagos subterrâneos, que estão iluminados com uma luz dourada e formos tirando notas e fotografias. Chegou-me aos ouvidos que as crianças de Machico reclamaram que a sua cidade não entrou, mas é que toda a ilha não cabe e é sempre uma dor de alma deixar seja o que for de fora. Depois falta outra coisa, todos os livros de uma forma mais clara, ou mais obscura tem sempre uma novidade, nesta aventura há uma personagem que tem um feitio insuportável, ao que parece, realmente pode ser apenas que cresceu assim, mas também vale a pena verificar se a pessoa não teve problemas, por exemplo, se não lhe faltou carinho quando era pequeno e por isso é que não se dá com ninguém, por vezes vemos crianças que se isolam, porque será? Porque tem direito de estar sozinha? Ou teve algum problema? Ou não tem irmãos? Portanto, sensibilizámos de uma forma original, inesperada até para nós, através de uma personagem que entra na aventura. Em “ uma aventura na Madeira” o personagem esta apaixonado por uma rapariga e não sabe se os seus sentimentos são recíprocos, não sabe se ela sorri-lhe com um ar caridoso, por ser amiga, ou porque sorri para toda a gente, tem problemas em decifrar o que os outros pensam e sentem e vão conhece-lo neste livro. Há outro sítio que ficou reservado para a aventura que é a casa abrigo que existe na montanha, é pequenina e tem a porta aberta, possui uma lareira com troncos de lenha para poder fazer uma fogueira para aquecer-se e abrigar-se da chuva, não há nada para roubar, nem para comer, mas se levarem uma mochila com víveres pode ser usada e os personagens principais acabam por faze-lo. Neste livro tem uma outra personagem, João Gonçlaves Zarco, vou dizer porquê, eu adorava ter vindo com ele na viagem de descoberta da Madeira. Nem imagino o que terá sido ver esta ilha pela primeira vez, se haveria ou não animais selvagens, ou povos guerreiros que o queriam matar, penetrar no território sem saber o que estava cá dentro.

O que foi mais dificil em termos de escrita nos livros da aventura?
IA: O mais difícil foi deixar alguns dos locais, recantos de parte , porque a ilha é muito inspiradora. Quando aterrámos concordámos que a Madeira é maravilhosa e tem um toque de magia para escrever histórias para os mais novos. Deixamó-nos inspirar e estivemos em locais que não podiam deixar de entrar, como a Casa das Mudas que tem toda aquela atmosfera rodeada de falésias. Noutras histórias, como somos duas, que no nosso caso se entendem bem, gostámos de nos inspirar nos locais, falámos com as pessoas e depois a ideia de uma inspira a outra e escrevemos o livro.

AMM: Em “ uma aventura alarmante” tivemos um assunto que não dominavámos, que foram os micróbios, portanto tivemos de pedir ajuda a um médico e quando tinhámos uma dúvida telefonavámos, mas o que acontecia com frequência era que ou já tinha saído, ou estava em consulta e chegámos a conclusão que envolver uma pessoa de fora complicou muito o nosso trabalho. Por isso, combinámos que aventuras sobre ciências terminaram, porque esse foi o livro mais complicado.

Qual é o vosso livro preferido?
IA: Quando temos filhos gostámos de todos, quando temos netos gostámos de todos, este livro é como se fosse um neto era o mais novo e é o nosso bebé. Alguns livros gostámos mais porque estão ligados as coisas da nossa vida, “uma aventura no bosque”,que se passa em Sintra esta ligada à minha infância e onde costumo passar férias, essa história tem um significado especial para mim.

AMM: Eu tenho dois preferidos, “uma aventura nas férias de natal” passasse na quinta dos meus avôs, todos os locais e todas as pessoas que entram na história existem ou existiram. Aquelas peripécias foram as que eu vivi quando era criança, por isso, esta no meu coração e tenho um carinho muito especial por essa história.

IA:Quando se caminha pelas levadas é uma maravilha, mas também sabemos que as plantas são especiais e fazem parte de um conjunto que é património da humanidade e queríamos falar disso, com o cuidado de não dizer algo errado, então, telefonámos muitas vezes para à Aida Pompo Correia, que estuda especialmente esta floresta. Embora seja uma história de aventura, o que esta lá escrito tem de estar correcto para que os leitores tenham confiança em relação à nossa escrita e vão verificar que as plantas da Laurissilva tem um papel muito importante nesta história.

Como é que essa magia se mantém há mais de duas décadas?
AMM: Por acaso eu e a Isabel viemos de grandes famílias, onde as crianças foram bem tratadas, estimuladas, acarinhadas e quando por acaso fomos para a mesma escola em 1976 descobrimos rapidamente que nos davámos bem, preparámos aulas e testes jutnas, habituamo-nos até a elaborar em conjunto as actas das reuniões de professores, não sabíamos, mas estavámos já a treinar para escrever em parceria. Começámos a escrever pequenas histórias para os nossos alunos, que embora as apreciassem, eram usadas mais pelos nossos colegas que as pediam para as suas aulas. Até que um dia, estavámos em casa, em Janeiro, não sei em que dia e a Isabel desafiou-me e se nos sentassemos e começassemos a escrever livros para publicar? O que achas? E rapidamente descobrimos que era fácil fazer histórias longas, porquê? Isto foi importante, descobrimos que temos o ritmo super acelerado, há muita gente que não aguenta, temos ideias semelhantes, talvez tenhámos a mesma forma de encarar a vida e estámos habituadas a evitar conflitos, porque na qualidade de irmãs mais velhas ajudávamos a resolver conflitos, nunca perdemos tempo a discutir, quando temos um problema parámos e vamos arejar.

Sabem qual é a diferença entre as gémeas?
AMM: Sabemos, mas elas pediram-nos que nunca revelassemos o seu segredo, prometemos que nunca contavámos, porque palavra de professor nunca volta atrás.

Quando focaram o trabalho que desenvolvem em conjunto para os livros, uma das questões que salientaram foi o facto de introduzirem sempre uma novidade nas aventuras para serem todos diferentes. Como é que escolhem essas novidades? Desde biologia, personagens, etc.

IA: Nós escolhemos sempre algo que valha a pena transmitir aos leitores, algo positivo, que seja inspirador para eles, que queiram saber mais. No caso da Madeira falámos da flora, achámos que a floresta da Laurissilva é um lugar misterioso e encantador e depois decidimos ir um bocadinho mais longe revelando as plantas, depende muito das circunstâncias e do lugar onde a história se passa. Por exemplo, tem de haver sempre peripécias com opositores, personagens que ajudem a criar problemas, no caso da Madeira tivemos de encontrar bandidos originais, porque a ilha é um lugar aprazível, simpático e não nos ocorria o tipo de malfeitores.

Em relação aos bandidos anteriormente à Ana Maria Magalhães focou o facto dos leitores adultos terem pedido que os livros da aventura não tivessem bandidos e quando isso sucedeu choveram reclamações.
ANM: O que os leitores pretendiam é que os bandidos não fossem tão maus, que não houvesse violência nenhuma, mas na saga da aventura que é um livro de acção tem de haver sempre um momento de perigo, fizemos uma tentativa “uma aventura da terra e no mar” e o público reagiu mal, portanto, tivemos de criar bandidos mais adequados a história, por exemplo, em “ uma aventura em Espanha” naquele país matam-se touros, comem e deitam-se tarde, é tudo excessivo, arranjámos uma quadrilha que rouba jóias, disposta a tudo. Aqui na Madeira tínhamos um problema, trata-se de uma terra suave, convida a relaxar, como vamos por pessoas a fazer o mal? Demos volta à cabeça, mas não vou dizer como encontrámos uma solução que nunca teriámos utilizado antes.

Quando pensam nos bandidos tem em mente a frase sobre Portugal ser um país de brandos costumes, é isso?
IA: Não, nós tentámos que as nossas histórias sejam positivas e os bandidos entram só para criar perípecias, suspense, mas gostámos que seja muito nitída a diferença entre aquilo que esta certo e errado de fazer, por isso, os nossos bandidos não estão no meio termo, não são simpáticos, são malfeitores que fazem coisas erradas e que os nossos leitores de imediato reconheçam como condenáveis e não lhes apeteça mesmo nada identificarem-se com aquelas personagens. Nós temos como principal objectivo ao escrever as nossas histórias é criar gosto pela leitura, aos leitores que tem estas idades que a quem nos dirigimos, que comecem a ler um livro até o fim e que sintam prazer em fazê-lo, a nossa missão principal é criar leitores. Mas, depois sendo professoras é quase inevitável que haja, se quiser, uma atitude pedagógica, os livros tem uma componente educativa e nesse aspecto gostámos de veícular valores. A equipa de personagens centrais tem uma amizade forte, são diferentes uns dos outros, ajudam-se, são capazes de conjugar esforços, são solidários, não mentem, portanto, há uma série de características daqueles personagens em contraste com aqueles contra os quais eles lutam e que não vivem, não partilham aquela forma de estar no mundo de achar que vale a pena ajudar e não prejudicar os outros.

Já são escritoras há decádas, existem diferenças entre esses primeiros leitores e as novas gerações?
AMM: O que se nota no essencial é que entraram as novas tecnologias, desde os telemóveis e a internet, tudo isso deve fazer parte as histórias. porque faz parte do dia-a-dia. O ritmo da vida acelerou muito e as aventuras também tem de acelerar para que a acção aconteça mais depressa, mas no essencial as pessoas não mudaram, mudou a forma de viver.

Também focaram a vossa relação quase simbiótica, dão-se muito bem, não discutem, mas por vezes em certos capitulos do livro não há uma espécie de branca em que sabem que a narrativa tem de dar um salto e não sabem muito bem como, o que fazem nesses momentos?
AMM: Para já é pouco provável as duas termos uma branca ao mesmo tempo, mas já aconteceu.

IA: Nesses dias parámos, vamos tomar café, mas nunca deixámos de conversar, somos muito comunicativas, falámos até sentir que chegámos a uma altura em encontrámos uma coisa que nos interessa e que achámos que valha a pena escrever nesse dia, quando achámos que não vale, não insisitimos.

AMM: O importante é que estámos ambas a olhar para o obra e não estámos isoladas, ou em competição, isso não existe, o que importa é escrever o livro. Eu posso ter uma ideia, mas se ela tiver uma melhor fico contente, ainda bem, isso tem a ver com a nossa forma de ser e da educação que recebemos.

Quantas horas por dia trabalham juntas para terem a estrutura de uma aventura?
IA: Muitas horas por dia, por exemplo, antes de termos um plano que sintámos que esta certo, vamos visitar os locais, conversámos imenso, tomámos notas, muitas vezes fazemos fotografias dos lugares, é um tipo pesquisa/reportagem para depois escrever os livros e os personagens. Nós também muitas vezes descrevemos muitos aspectos das personagens que não vão vigorar, mas não interessa, já construímos personagens com familiares e que não entraram na história, estão ali para fazer um conjunto. No início, claro que demoravámos muito mais tempo, agora menos, mas a história como “uma aventura na Madeira” em que queríamos necessariamente que entrassem mais locais dá-nos mais trabalho do que uma aventura onde há mais unidade no lugar. Aqui nos quissemos inserir os locais numa construção lógica e numa estrutura narrativa que tenha algum sentido, que o leitor pense que é inevitável, os personagens não vão para as levadas passear é a própria aventura que os leva até lá.

Já chegaram ao ponto em que os miúdos vão crescer?
AMM: Não, não vão. Só cresceram um ano, em “uma aventura na escola” e depois pararam, porque senão 50 livros depois eram adultos, tinham filhos e andavam à procura de emprego (risos). Cada livro vale por si, por exemplo, “uma aventura na Madeira” poderá ser o primeiro que lêem.

Então qualquer leitor pode começar a ler a aventura sem ser logo pelo primeiro?
IA: Sim, todos os livros tem uma unidade, podem conhecer os personagens e compreender a história com o volume 58.

Isso aplica-se a todos os livros da saga?
IA: A todos os livros, não há uma continuação de um para outro da narrativa, as personagens mantém-se para uma colecção desta natureza, mas cada livro é uma unidade.

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