
"Como tu" é uma obra destinada aos mais jovens que conjuga a poesia e a ilustração na abordagem às temáticas da educação sexual, cívica e ambiental, escrita pela poetisa e tradutora, Ana Luísa Amaral. Foi uma conversa sobre livros que derivou para outras leituras.
Recentemente publicou um livro de poemas infanto-juvenil, "como tu", existe alguma diferença em termos de escrita?
Ana Luísa Amaral: Diferença, diferença, eu diria que nenhuma, porque se eu dissesse que escrever para jovens é diferente do que escrever para adultos até parece que se trata de uma coisa quase pornográfica, escrever para adultos, ninguém diz isso. Eu acho que é sempre escrever, a poesia pode ser boa ou má, o que sinto é que o processo de escrita é que é diferente. Não sinto angústia quando escrevo para crianças, mas sim prazer. Ao passo que nos outros livros de poesia, há também o prazer misturado com a dor. Eu não penso se a criança vai ou não perceber aquilo, é como se pusesse na pele de uma criança, então, escrevo.
A ideia para este livro como surgiu?
ALA: Inicialmente este livro surgiu de uma encomenda do teatro do campo alegre para o guião de uma peça, que foi encenada e vai voltar ao palco em breve, chamada "amor aos pedaços". Pediram-me para escrever, eu disse que o fazia em verso e eles disseram logo que sim. Os poemas falam das diferenças, da educação sexual, sobre a vida. Depois pediram-me se poderia colocar este texto em livro e o que fiz foi fazer ligeiras alterações, apenas coloquei títulos ao que já eram diálogos e acrescentei mais dois poemas. Depois tive a sorte de ter o Álvaro Teixeira Lopes, que é um pianista a tocar música do António Pinto Vargas e o Pedro Lamares, a Rute Pimenta a ler e eu também leio um bocadinho. O livro vem um CD.
Este é um país de poetisas? Diz-se que é um país de poetas, mas por norma se esquecem as mulheres.
ALA: É verdade, ainda se esquecem das mulheres. Eu acho que elas continuam a ser subalternizadas, menorizadas em muitas áreas. O país, a Europa, o mundo estão em crise e isto não é novidade nenhuma. Quando há uma crise se não estão asseguradas as igualdades básicas, seja entre os sexos, as classes e as raças, penso eu, os mais desfavorecidos, os mais frágeis, sofrem mais. Quero dizer com isto que a violência doméstica está a aumentar brutalmente, se houver necessidade de dispensar pessoas dispensam uma mulher em vez de um homem. Isto prova como a subalternização das mulheres ainda é uma realidade. A literatura reflecte essa realidade. Quando falo de poesia com os meus alunos pergunto: quantas mulheres conhecem a escrever poesia? Lá vão dizendo uns nomes. Depois digo: há cinquenta anos? Sofia Melo e Breyner. Um pouco antes...Florbela Espanca. E mais ainda? Eles param, não há. Se eu os questionar quanto ao nome de homens que escrevem poesia, a lista é infindável. Portugal é um país de poetas nesse ponto de vista, do poder simbólico. Mas, digo que há muitas mulheres a escreverem poesia, não há muitas poetisas não.
Referiu que há muitas mulheres a escrever poemas, mas existe já uma nova geração de poetisas? Nunca se houve falar delas também.
ALA: Sim, houvesse falar dos jovens poetas justamente. O que eu curioso é que literatura não acho que discrimina, mas a especialização técnica, a ciência, a filosofia, a crítica literária, essas tem discriminado. O que eu queria dizer com isto? Se tiver 10 pessoas a escrever poesia, homens e mulheres, vamos imaginar que cinco são do sexo masculino e as restantes do sexo feminino, fala-se mais dos poetas em detrimento delas. Há uma nova geração de poetisas, a Filipa Leal é um destes casos, não conheço sinceramente, muitas mais. Até porque agora, se publica muito cedo, é uma coisa que não compreendo muito bem é quando um jovem publica um livro de poesia aos 22 anos, ou até menos e já fala da minha obra. Obra é do Herberto Helder. É tudo muito rápido. Eu nesse aspecto acho que o Bauman e a modernidade líquida de que ele fala é verdade. As pessoas estão em constante mutação e faz com que nada estabilize e sedimente. Não esperam pelas coisas.
Viver primeiro para depois poder escrever?
ALA: Eu acho que é necessário ter experiência. Uma pessoa com vinte anos muito dificilmente leu suficiente, porque o escritor é um leitor. Para ter uma voz própria é preciso ler, ler, ler. Se há um conselho que dou aos jovens poetas nos meus cursos de escrita criativa, eu não ensino ninguém a ser poeta, porque acho que isso não se ensina, nasce connosco. Os instrumentos, a autossegurança, a autoestima, isso pode ajudar a sua própria produção, mas digo-lhes sempre leiam, porque ao lermos aqueles que vieram antes de nós é que conseguimos descarta-los, encontrar um lugar, se conseguirmos evidentemente. E muito dificilmente uma pessoa com 18, 19 anos tem voz própria. É preciso esperar. Qual é o problema dessa espera? Mas, não, tudo tem de ser muito rápido. Depois há outra coisa que me faz confusão é a falta de humildade. Na vida e nestas coisas da escrita também, há muita gente vaidosa. Eu diria algo do senso comum, a vida é tão curta, não há razão nenhuma para isso, é uma perda de tempo. A vaidade, alguma inveja, tudo isso é uma perda de tempo, porque demonstra uma incapacidade de ouvir o outro, a outras, os outros, as outras. É preciso também ouvir. Esta pressa que vejo numa geração mais jovem de se afirmar, de falar na obra, ou que já não existe poesia lírica, mas quem diz uma coisa dessas? Onde é que isso esta escrito? Parece que voltámos ao período neoclássico em que havia receitas para escrever, que um poema deveria acabar de determinada forma. Isso é um disparate. Eu falo por mim, eu escrevo porque tenho de escrever. Por acaso publico, mas escrevo porque sinto essa necessidade física. Pronto.
Sente esse apelo quando desde o momento que acorda?
ALA: Não, porque acordo de manhã funciono mal, sou um bocado noctívaga. Não acordo com ideias brilhantes, mas gostava! (risos). Mas, a medida que o dia avança escrevo, tenho uma ideia, mas não é todos os dias. É quase. Tenho caixotes com milhares de poemas que nunca publiquei, porque nem tudo o que fazemos, eu acho, passa pelo nosso próprio crivo.
Disse há pouco que os poetas devem procurar a sua própria voz, qual é a sua?
ALA: Não sei, é a minha. Eu espero ter encontrado um bocadinho de voz. Isso, sinceramente, deve ser um trabalho para quem lê. Eu produzo a voz, eu enuncio, enquanto me deixarem eu vou escrevendo.