São três livros de banda desenhada sobre episódios diferentes da história da ilha da Madeira. Uma parceria entre a Agência de Promoção da Cultura Atlântica (APCA) e Roberto Macedo Alves, da livraria “7a dimensão”, que esteve encarregue da direcção artística dos vários volumes desta colecção, que visou mostrar também o trabalho de jovens desenhadores portugueses.
Como é que surgiu esta ideia inicial de vários livros de banda desenhada (BD) sobre a história da Madeira?
Roberto Macedo Alves: A ideia inicial surgiu dos parceiros do projecto, foi quase espontâneo. Havia uma série de opiniões enquadradas no “aprende da Madeira” estivemos a falar sobre ilustrações, a ideia foi crescendo, o conceito foi evoluíndo, de um volume para uma colecção e no final passou a ser desenhado por várias pessoas.
Foi um brainstorming?
RMA: Chegámos a falar que conteúdo histórico deveria ser representado e acessível a todos os públicos, porque não há nada desse género, o que é existe é maçudo, há volumes de história de Portugal em BD, mas regra geral os jovens mesmo nesse formato, não gostam, porque acham muito pesado, com ilustrações do século XIX. O propósito era aproveitar as histórias fantásticas que a ilha tem e que pouca gente conhece numa obra que fosse interessante para os leitores mais jovens e ao mesmo tempo, que os adultos também pudessem ler, ser divertido para todos e ainda haver espaço para a aprendizagem. Isto é como as histórias do “Astérix e o Obélix” as crianças lêem de uma forma e os adultos descobrem outros pormenores subtis que tornam estes desenhos interessantes, a partir disso queríamos criar uma obra desde um livro para uma colecção e depois que fossem desenhados por vários jovens madeirenses, que não fosse só eu, o que se pretende é abrir portas para desenhadores com talento e podermos mostrar que temos uma geração preparada e que faz trabalho com qualidade.
Porquê escolheste estas três histórias em particular? A história do vinho Madeira e o ataque de um submarino alemão ao Funchal durante a II Guerra Mundial eu entendo, mas e o Curral das Freiras?
RMA: Toda a gente já ouviu falar do Curral, mas perguntar qual a origem de tal nome pouca gente sabe. Como há várias histórias engraçadas associadas a isso, achámos como tal uma das escolhas evidentes, por causa do conteúdo.
Achei curioso a ligação que fizeste entre as várias histórias do Curral das Freiras, a inquisição católica em Lisboa e o fim do universo como o conhecemos.
RMA: Eu não queria que fosse um livro de histórias maçador. Não podia ser tipo documentário “National Geographic”, porque se ao final das primeiras páginas os leitores sentem que lhe estão a “vender” uma história acabam por não achar divertido e ainda vai a meio. Não há um narrador de princípio ao fim da BD, senão os leitores desligam, nestes livros todos os personagens interagem com a história de uma forma muito discreta e o leitor acaba aprender alguma coisa quase sem dar por isso. É, aliás, um dos objectivos principais em todos os volumes desta colecção, daí que a história do submarino que é a mais dramática da série, tem uma moral da história. A do Curral das Freiras é a mais divertida.
O volume sobre o Curral das Freiras é o que achei mais enigmático em termos de história.
RMA: Este volume segue a estrutura correcta do que eram os tribunais da inquisição, aliás, a figura do Gonçalo Bandarra Enes existe, é conhecido como o profeta português.
No final de cada volume fazes sempre referência aos factos históricos e científicos. A informação não é meramente ficcional.
RMS: Sim, todos os factos históricos foram verificados em mais do que uma fonte. As falas do Gonçalo Bandarra são mesmo trechos textualmente das suas profecias e depois cada um interpreta à sua maneira, mas todos os factos que colocámos estão comprovados em livros, como o “elucidário madeirense”, “as saudades da terra” e temos vários documentos que registaram estas situações e que estão pouco esquecidos ou acessíveis, porque muitos destas publicações são fascinantes, mas quem pega naqueles calhamaços? É uma leitura deliciosa, especialmente “o saudades da terra”, de Gaspar Frutuoso, mas esta em português arcaíco.
Outro facto curioso nestes volumes é que algumas das tiras da BD passam a ser apenas linhas são menos rebuscados, quase esboços, sem detalhes, porquê?
RMA: No caso do volume sobre o Curral o objectivo foi transmitir a mudança de época e foi desenhada por um artista diferente. Quissemos também realçar o papel do Gaspar Caldeira que foi um dos responsável pelo ataque, contudo, não há provas concretas da sua traição, porque os relatos que existem falam apenas do corsário francês que atacou o Funchal, contudo, o “elucidário madeirense” aponta este português como um traidor que morreu em Lisboa onde lhe cortaram as mãos, depois foi sufocado e esquartejado, à partida pressume-se que entre os vários crimes que cometeu, um deles fosse esse de facilitar a entrada dos piratas na cidade. Como é um relato que não esta de todo comprovado, os desenhos foram construídos enquadrados na época, mas como cores mais simples, porque a história é vaga. Depois voltámos a um mundo mais concreto que é muito mais elaborado.
Sabes na história do vinho Madeira o que achei mais giro é que usaste um conceito científico, o efeito borboleta, para explicar porque este néctar foi tão importante para a liberdade americana.
RMA: Era só para não ter de dizer que o vinho foi importado para os EUA. Tentei passar o conceito de que esta tudo relacionado que todos fazemos parte deste processo, com um tom quase filosófico. Para um leitor mais jovem pode ser engraçado, mas para a um adulto quase que fica a pensar que existe uma cadeira de acontecimentos que começam nos deuses gregos e inevitalmente foi o vinho que uniu os americanos e foi graças a ele que surgiu o EUA. Esta ideia tinha mais piada do que contar uma história simples e cronológica sobre a importância da vinho, é como o meu narrador diz, o vinho madeira transmitiu ideias, acendeu revoluções e ergueu nações.
Qual dos teus livros é o teu preferidos ou não tens nenhum?
RMA: É difícil perguntar ao pai, qual dos filhos gosta mais (risos). Todos os livros são diferentes, porque foram desenhados por artistas diferentes, tive que rever muitas vezes alguns deles, como por exemplo, o submarino que tem várias opções narrativas muito específicas, o presente esta a preto e branco, o passado esta a cores, digamos que é ponto de vista do protagonista que é o velhote. A medida que vamos vemos os acontecimentos atingir o seu clímax, quando há o ataque dos alemães, o protagonista perde os familiares, a história vai ficando mais pobre, vai perdendo cores e o seu mundo passa a ser a preto e branco, que representa o drama, a tragédia e o horror. Os factos históricos estão num papel quase amarelado, porque é ponto de vista do capitão do submarino, já que ele deixou um relato, na década de 50, precisamente sobre este ataque. O comandante do submarino foi mesmo um herói na Alemanha, porque salvou uma série de marinheiros que estavam presos num submarino-escola, através do código morse.
Porquê decidiste contar essa parte da história?
RMA: No fundo para mostrar que não é tudo preto e branco. O mundo não é só os bons e os maus e que o homem que bombardeou o Funchal era considerado um herói pelo seu povo, recebeu ordens para atacar navios russos, só que entretanto não os atacou, porque tinha um submarino velho e desactualizado e quando lhe foi atribuído um novo modelo topo de gama recebeu novas ordens para atacar submarinos franceses, como militar teve que obedecer e tudo isso desencadeou o ataque à cidade. Ele até tinha estado na ilha que achava encantadora, mas tinha as suas ordens. No fundo ele é mau da fita, no lado deles é um herói. Ironicamente morre de doenças pulmonares causadas pelos gases tóxicos dos motores dos submarinos. Contudo, no final da história a esperança renasce, mostra-se como o perdão é importante e que não se pode odiar uma raça inteira por aquilo que uma pessoa fez.
Quanto tempo levou todo este projecto até a sua publicação?
RMA: Foram cerca de 9 a 10 meses. Escrevemos primeiro os argumentos, depois contactei os artistas, fiz a direcção artística, corrigi, redesenhei alguma cena para obtermos uma consistência mais dramáticas e depois tinha mais piada algumas sequências terem a câmara à frente ou atrás. Os desenhos foram todos feitos a lápis, depois foram passados a tinta e só depois coloridos. Foi um processo engraçado, porque os originais estão em A3.
Qual tem sido o feedback das pessoas, pois já passou algum tempo?
RMA: As pessoas tem gostado imenso. São leitores que compraram os volumes na feira do livro uma vez e depois voltaram para oferecer a outras pessoas. Tem sido muito positivo, porque nunca imagiram a história da Madeira com esta dimensão.
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