
"É um livro para a história" como referiu Miguel Real, durante a apresentação nacional que decorreu no último Festival literário da Madeira de 2014. Aborda os conflitos sociais na altura do PREC e faz uma literatura interpretativa sobre o pós-revolução de Abril.
Defende no seu livro que o Partido Comunista Português (PCP) durante o período revolucionário foi afinal uma força bloqueadora.
Raquel Varela: Aquilo que é determinante no período revolucionário é a participação massiva de pessoas anónimas, que não faziam parte da política, claro que havia os partidos de extrema-esquerda o PCP e o Partido Socialista (PS), o próprio Partido Popular Democrático (PPD) que vão crescer e tentar influenciar. Mas, nós temos qualquer coisa como um terço da população, 3 milhões de pessoas, directamente envolvidas em manifestações, greves e ocupações e portanto é um país profundamente envolvido na democracia crítica, hora-a-hora, dia-a-dia, nas fábricas, nas empresas e nas escolas. É uma revolução tão importante que vai servir de exemplo, ao contrário do caso de Espanha e da Grécia, onde a ditadura franquista e grega ficam assustadíssimas com a revolução portuguesa. Na verdade, estas ditaduras do sul da Europa caem a seguir da revoluçáo de Abril e é um momento determinante para isso, trata-se de uma revolução muito extensa no sentido da participação operária e popula. O PCP actua aqui muito mais como uma força de contenção social e tenta fazer a ligação deste povo ao Estado, do que tentar que esse povo tenha autonomia.
Aborda também no seu livro os comités de trabalhadores, que tinham muita força, tanto quanto ao povo na convocação de greves.
RV: Sem dúvida alguma. Nós tivemos milhares de comissões de trabalhadores, alguns números apontam para 4 mil, mas para além destas, havia várias nas fábricas que não estão oficializadas como comissões de trabalhadores, mas significa que se reúnem democraticamente no local onde trabalham, em cada escola, centro de cultura, teatro, hospital e posto médico e onde decidem como organizar a sua vida. A democracia passa a ser isso, passa a ser o voto de dia-a-dia, de braço no ar, toda a gente vota. Até os dirigentes podem ser revogáveis, ou seja, são mandatados e se não cumprem ordens são destruídos, não é preciso esperar por uma eleição como é o caso dos sindicatos, ou da democracia representativa.
Refere ainda que no entanto todas estas comissões falharam, porque nunca se reuniram todos num único comité central.
RV: Claro, no fim não é um comité central, dígamos é que nunca houve uma coordenação central de todas essas comissões de trabalhadores e moradores. Se tivesse havido teria aumentado a sua capacidade...mas não sei porque é que falhou, é uma pergunta muito importante e a qual não sei responder.
Se tivesse vingado, o que teria acontecido?
RV: Não sei, porque sou historiadora, sei o que não aconteceu, de facto não houve uma resistência coordenada ao golpe de 25 de Novembro. Milhares de pessoas saíram à rua e tentaram resistir, mas não havia nenhum comando central para resistir a esse golpe.
Fala no seu livro de uma terceira hipótese para a queda do marechal Spínola.
RV: Eu creio que o Spínola cai no 28 de Setembro e definitivamente é afastado no 11 de Março justamente por causa da força das greves, a partir de Agosto de 1974, por causa das ocupações e do controle operário, em Fevereiro de 1975. É completamente superficial e mecânico explicar a história por uma luta entre Spínola, Soares, Cunhal e Saraiva de Carvalho. As pessoas respondem a movimentos sociais que se alteram e nos temos de ir à procura na base, saber quais foram e de que forma tem impacto essas forças. A luta política não se resume a uma conversa de gabinetes entre dirigentes políticos, se assim fosse a história seria completamente mecânica.
Outro facto interessante é que se trata de um livro de história interpretativa e que não se limita a ser apenas um compêndio de factos históricos.
RV: Claro, muitas vezes os livros de história são descritivos e não arriscam fazer interpretação histórica, porque é que determinada coisa aconteceu.
Então porquê decidiu faze-lo dessa forma?
RV: Porque nós, os historiadores, temos a obrigação de tentar explicar a realidade. O historiador deve descreve-la com fundamento, com rigor, hora-a-hora, minuto-a-minuto, mas depois temos de avançar uma interpretação histórica, é difícil porque temos de lidar com a teoria, com o mundo das hipóteses, com tentativas de erro, mas devemos faze-lo.
E 40 anos é uma distância suficiente para o fazer?
RV: Sem dúvida alguma. Temos um vastíssimo leque de fontes históricas, é uma revolução tardia. Em 1974 havia uma utilização massiva da propaganda, do papel, da pintura, da arte, das gravações audio e vídeo, temos muitas fontes.
Se não fosse o bloqueio social teríamos entrado numa ditudura comunista?
RV: Eu penso que não, nunca houve uma ameaça de ditadura comunista em Portugal e nem nunca o Partido Comunista quis fazer e provei isso no meu outro livro: " A história do PCP na revolução dos cravos", isso nunca esteve em cima da mesa.