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O citröen que escrevia novelas mexicanas

Escrito por 

 

Joel Neto é açoriano e isso nota-se na sua escrita. Ele carrega a ilha consigo e verte-o nas páginas dos seus livros. É o caso desta compilação de contos, que escreveu aos 25 anos, e que reflectem também a oposição entre o campo e a cidade que esta muito presente na sua obra literária.

Há muito de ilha neste livro. Tens várias crónicas que falam dos Açores, um ilhéu carrega sempre a ilha consigo?

Joel Neto: Sim, claramente. Eu estava a pensar é se toda a gente trazia. Mas, acho que sim que toda a gente o traz de diferentes maneiras. Para algumas pessoas isso é mais evidente, outras menos e para outras ainda é uma obsessão como o é no meu caso.

O mar também?

JN: Sim, se bem que para nós açorianos e para outros povos ilhéus, não necessariamente para todos os povos das ilhas, o mar é ao mesmo tempo o que une e o que separa. Nos Açores em particular foi durante muitos séculos um inimigo e acho que hoje, e estou a pensar nisto por alto, uma das coisas que se calhar que eu tentei fazer, ou verti mesmo deliberadamente sem estar conscientemente a faze-lo foi absolver o mar por via de inimizade histórica. O oceano é o que dava sustento, mas ao mesmo tempo era o assassino de açorianos.

Pela dificuldade que sentiam em sair?

JN: Sim, mas também porque matava os pescadores.

Tu numa das tuas crónicas matas mesmo um personagem.

JN: Sim, costumo matar muitos (risos). Isso aconteceu mais tarde em Itália e esse é capaz de ser um dos melhores contos do Citroen. Este livro foi escrito na pós-adolescência, foi um livro ingénuo que não me envergonho e é até um dos que gosto muito.

Falando do título, tu tivestes um Citroen?

JN: Sim, também era o soundbyte do título que tinha alguma graça. Eu acho que me interessa encontrar literatura oculta nas coisas comezinhas do dia-a-dia. Eu acho que não há nada mais comezinho e literário do um automóvel.

Sim, mas eu até achei que o número de textos dedicados a ilha quase davam por si só um outro livro.

JN: Na altura estes foram uma série de contos que foram publicados numa série de espaços diferentes, jornais, sites, etc. E a certa altura eu decidi copila-los, mas eu encontrei neles uma certa unidade.

Qual era a unidade?

JN: Se me perguntas dez anos depois, provavelmente foram os Açores, foi eu, foi o processo de crescimento e o confronto entre o campo e a cidade. Parece-me que este tema vai estar presente em tudo o que eu escrever. E volta estar neste livro que saiu agora. É o grande protagonista.

Preferes escrever contos?

JN: Não. O problema é que tenho uma vida profissional extremamente tensa e espartilhada e não é fácil ter uma unidade criativa ao longo do ano, estando a escrever sobre tantas coisas, desde gastronomia, a televisão, literatura, golf. Escrevo para vários espaços e faço muita televisão sobre estas matérias e não é fácil, por isso, ter uma unidade criativa. Agora acho que a encontrei. A maturidade ajuda. Aos vinte e cinco anos é mais difícil, esse livro foi escrito nessa altura.

E agora aos quase 40 anos, o que mudarias nesse livro?

JN: Aos 38 anos (risos). Mudaria tudo, ou talvez não mudasse nada. O livro é o que é. O reflexo de um tempo, de uma época. O que a idade me trouxe foi paciência. Há uma altura em que descobrimos que não já vamos morrer jovens e isso tem uma força tremenda.

É libertadora?

JN: É profundamente libertadora. Dá-te espaço para fazer as coisas que tens a fazer. Quando és jovens pensas que vais morrer e queres acabar as coisas no mesmo dia e fazer mais um risquinho na tua pistola de matador. Isso deixa de acontecer quando cresces e faz parte desse processo.

Vais publicar o teu romance.

JN: Saiu agora, em Abril, chama-se “os sítios sem resposta”. Fiquei dez anos sem publicar ficção.

Por opção própria?

JN: Por várias razões, uma delas tem a ver com a actividade profissional a qual eu me tinha que dedicar, também é uma questão de maturação, a certa altura não gostava nada do que estava a fazer. Digamos como que como criativos e como leitores evoluímos em ambos os campos. Por vezes, há um desacerto dos ritmos, eu se calhar era um bocadinho melhor leitor do que criador.

Achas que é preciso viver a vida para depois escrever sobre ela?

JN: Vive-se sob tantas formas. Rimbaud viveu tão pouco tempo e deixou a obra que deixou. Viver é preciso, isso não significa que precisemos de tempo, mas sobretudo para os génios não é importante, mas não é o meu caso (risos).

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