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O cronista do passado

Escrito por 

emilio-miranda

Emílio Miranda é militar de profissão, mas nutre várias paixões que o acompanham ao longo da sua vida, do seu dia-a-dia, uma delas é a escrita, a outra é o romance histórico, que derivou num terceiro perpetuo idílio que é a cultura japonesa. O livro dos mosquetes foi o pretexto apenas para falar com o autor sobre o seu percurso literário e do seu eterno fascínio por outros mundos, outros tempos.

O que o levou a escrever sobre o Japão, mais concretamente uma época especifica da história que foi a chegada dos portugueses ao oriente?

Emílio Miranda: Essa paixão pelo Japão já tem alguns anos, não sei se lembra de uma serie televisiva que era o Shogun, o escritor era o James Clavell, já falecido e na altura estava fascinado por aquele mundo tão diferente e por tudo o que é novo. Depois tive oportunidade de ler e reler livros sobre a cultura japonesa e ficou sempre esse gosto. Foi sempre procurando tudo o que havia sobre o Japão ao longo dos anos, procurei literatura em torno da cultura e alguma poesia também. Em 2000 estava a ler um livro que terminava num posfácio que fazia a referência ao mosquete, uma crónica escrita por um monge budista que relata a chegada dos portugueses ao oriente e houve ali um click e comecei logo a escrever as primeiras frases.

O texto foi fluindo.

EM: Fui evoluindo e não tinha a ambição de ser um texto muito longo. O que é um facto e acontece quando escrevo é que sou dominado pelas palavras e pelas personagens e neste livro foi quase instantâneo e foram elas que determinaram o rumo da história e normalmente a acção decorre de formas inesperadas.

Existe uma dicotomia que estabelece o tom da narrativa, ou seja, o que os portugueses pensam sobre os japoneses e vice-versa, isto surge logo de início?

EM: Não, inicialmente foi escrevendo página após página que foi ganhando uma determinada forma. Eu, normalmente, não faço esquemas, gosto de escrever livremente e ser surpreendido com a escrita, mas de certa forma quis que fosse uma história secular, contada sob a forma de crónica, porque quis recuar no tempo, através dos olhos de João Boavida. Depois mais tarde decidi dar as duas visões, porque por norma, nós sempre analisamos o outro e nunca nos colocámos no lugar deles para analisarmos a nós próprios e foi isso que fiz. Entretanto há uma descoberta que é mútua, quer por parte dos portugueses, quer por parte dos japoneses.

No livro os japoneses descrevem os portugueses como sendo sujos e uns selvagens, fez alguma pesquisa nesse sentido?

EM: Fiz, o mundo ocidental naquela época era muito sujo. Aliás, se recuarmos 50 anos, e eu vivi numa aldeia, essa realidade não estava muito longe da idade média. Há 500 anos havia pouca higiene, nas cidades era preciso ter cuidado porque lançavam-se os dejetos para a rua, as pessoas não tomavam banho por questões de preconceito em relação ao próprio corpo, eram limitadas nesse sentido pela igreja, porque os padres apregoavam a vergonha do corpo, da nudez e os japoneses já nessa mesma altura, cultivavam o oposto. O fascinante era isso.

De facto relata em pormenor o quotidiano da cultura japonesa, a forma como cozinhavam, como faziam a sua higiene, como era feita a disposição da mobília da casa, o que me levou a pensar que também fez uma pesquisa profunda sobre os japoneses.

EM: Sim, de facto, o que constato com o livro dos mosquetes e descubro por causa daquela paixão que tinha pelos japoneses é que já sabia muita coisa quase sem saber, ou seja, havia muitos conhecimentos adquiridos sobre esse outro lado, mas fiz também pesquisa sobre os comportamentos, as expressões culturais e fui confirmar ao mesmo tempo tudo o que já sabia. Os japoneses como eram essencialmente budistas ou xintoístas, para já a carne quase não fazia parte da sua alimentação que era essencialmente de peixe e verduras, tudo era cozinhado de forma simples e eram muito frugais a comer. São um povo que cultivava quase o banho diário, a massagem, eram limpos e perfumados e sabem que aquilo que comemos tem uma relação directa com o nosso odor corporal. Nessa época, os portugueses comiam muitas gorduras e fritos e faziam-no com as mãos que depois não lavavam e secavam na roupa ou nos calções, portanto esse cheiro andava com eles.

Curiosamente também me questionei se alguma vez tinha visitado o Japão?

EM: Não, mas há ali um momento no livro, há uma abordagem, no João Boavida na eventualidade de se acreditar no renascimento, se eu ainda não fui japonês virei a ser. Por vezes, temos tantos laços com certas realidades, isto para quem acreditar, estamos a correr sempre, ou renascemos constantemente. Mas, gostaria de lá ir.


Escreve para além de prosa, contos e poesia, no entanto, referiu que o seu tipo de escrita preferido é o romance histórico, porquê?

EM: Olhando para atrás questionámo-nos sobre certas coisas e eu há uns tempos atrás, quando já escrevia dizia-me a mim mesmo, que gostava de escrever um romance histórico, mas achava que não tinha a capacidade para investigar, sentar e ler muito sobre um determinado assunto, achava que era tão inconstante e tão nervoso que era incapaz de encetar todo esse processo. Curiosamente, essa capacidade foi-se desenvolvendo e revelou-se na "princesa do Corgo", que foi o meu primeiro romance histórico, que escrevi durante vinte e dois anos. Eu talvez tenha encontrado uma forma muito particular de investigar, outros autores antes de escreverem sobre um tema leem muito, eu não, vou investigando à medida que vou escrevendo e só para verificar se o que estou a descrever não é um atentado a história, mas também confesso uma coisa, não tenho a ambição propriamente escrever romances históricos demasiados fiéis a uma época. Tento criar uma aura do maravilhoso em torno de um facto, ou de um momento histórico e isso dá-me uma certa liberdade em termos de escrita. Desde muito novo que tenho um fascínio pela idade média, sempre foi um gosto que se revelou precisamente nessa aldeia, em Lordelo, que tem uma torre medieval perto e lembro-me de ter vistos desfiles medievais na altura e por isso tive sempre um fascínio pelo romance histórico, achando eu que nunca seria um escritor neste género, embora tendo outros trabalhos, sinto um fascínio por este tipo de literatura.

Neste momento esta a preparar um outro livro?

EM: Eu tenho coisas escritas como romance, contos e poesia que dariam para mais do que um livro. Eu vou editando textos que já tinha escrito há algum tempo, tenho um romance histórico mais volumoso que o livro dos mosquetes, mas não tanto como a princesa do Corgo, que se situa pelo ano 1000 d.C. que é precisamente a altura em que se funda o condado Portucalense e depois tem inicio as primeiras cruzadas. A acção decorre num convento imaginário situado entre Chaves e Boticas, há algumas personagens que tem alguma coisa de mágico e de fantástico, porque gosto de trabalhar de essa forma. Tenho estado a desenvolver um conto para uma editora para quem eu já escrevi. Para adultos tenho dois romances históricos, mas também escrevi literatura juvenil. Tenho parado um livro sobre Vila Nova da Barquinha que pretendo reatar agora em Janeiro, é um romance localizado no século XIX, tem a ver com a construção da primeira ponte ferroviária sobre o Tejo e de certa forma o que significou a vinda do comboio para o comércio fluvial. Aliás, esta localidade chama-se Barquinha, porque havia um porto que fazia a ligação entre o interior de Portugal e a cidade de Lisboa.

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