
Gonçalo M. Tavares escreveu sobre um homem modesto que enceta um períplo espiritual até à Índia. Uma epopeia em verso e prosa que nos remete para outra grande obra literária nacional, os Lusíadas.
Como é que surgiu a ideia de escrever um livro como se fosse os "Lusíadas" de Vasco de Camões?
Gonçalo M. Tavares: A ideia era recuperar um género literário que é a epopeia, que se considera que marcou uma época e saber como hoje seria possível tal proeza. De certa maneira era fazer uma espécie de aventura moderna de uma personagem muito modesta, individual, um homem que pretendia ir até à Índia para de certa maneira se salvar espiritualmente. Portanto, todo o percurso da viagem têm a mesma estrutura que os Lusíadas. O mesmo número de cantos e fragmentos segue narrativamente os acontecimentos, mas de uma forma mais modesta. Quando há uma tempestade na epopeia de Camões, há uma tempestade na "viagem à Índia", ou seja, há um paralelismo. O que me interessava muito era criar um outro tipo de texto que andasse entre qualquer coisa que não era poesia, nem era prosa.
Descreve este livro como uma epopeia, mas nos "Lusíadas" são todos descritos como heróis, quase semideuses, mas o Bloom é o antípodas de tudo isso.
GMT: A literatura moderna de certa maneira colocou o anti-herói, o criminoso, o homem inútil, no centro. Nós podemos ter num romance um protagonista que é uma barata, ou qualquer insecto, por exemplo, como alguns textos essenciais da literatura o têm. A questão basicamente aqui é que a literatura e a arte contemporânea não tratam sobre o herói como referência moral, podem fazer isso, mas falam de outras coisas. Eu olho para as personagens criminosas ou não e tento ver qual o ponto de vista a partir do qual podemos ter uma visão diferente dele, a partir da qual ganhámos empatia por essa personagem.
Bloom é um nome estrangeiro que não é português, também foi propositado?
GMT: De certa maneira é uma homenagem a uma personagem do James Joyce e é um nome que me agrada sonoramente, às vezes, as escolhas são só sonoras. Bloom é qualquer coisa que me agrada.
Sim, mas também quer dizer em inglês desabrochar.
GMT: Sim, tem esse sentido também.
Trata-se de uma viagem espiritual, isso também pesou?
GMT: Não, foram as duas escolhas que referi anteriormente. O "Ulisses" e esse vigor sonoro que a palavra tem.
Em termos da escrita, referiu que há uma parte em prosa e outra em poesia, essa forma de escrever o livro surgiu desde o início?
GMT: Em termos de forma tem sempre a mesma, o que eu diria é que é um género no meio. Eu não digo que às vezes há poesia e outras vezes existe prosa. O texto é uma mistura entre estes dois elementos.
Então foi algo propositado?
GMT: Sim.
Deu um nome a esse novo género?
GMT: Não, não. (risos)
Como não o podemos chamar de romance, ou obra poética.
GMT: Epopeia parece-me ser é um bom título.