RT: Curiosamente os lisboetas não escreveram muito sobre o terramoto do ponto de vista subjectivo e pessoal. Esse capítulo é precisamente a perspectiva pessoal, o olhar de alguém que é apanhado por uma catástrofe daquelas. Os portugueses não escreveram sobre o terramoto, é notável como na "gazeta de Lisboa" que era o jornal da altura, não havia propriamente jornalismo naquela época, é um pré-jornalismo, não se escreveu nada sobre este cataclismo. Não fez do terramoto notícia, porquê? Porque os lisboetas viveram esse desastre e não precisavam de dar a notícia. Os portugueses que escreveram sobre o terramoto fizeram-no de uma forma quase neutral, muito factual. Ora, estes estrangeiros como precisavam de comunicar com as suas famílias, no caso de Thomas Chase, explicar a sua mãe o que aconteceu. Ele era um jovem de 26 anos e ainda por cima o terramoto acontece no dia do seu aniversário, ele escreve uma carta que tem a frescura desse olhar pessoal, esta a queixar-se das desgraças que lhe aconteceram, isto permite ter um olhar sobre a estranheza do acontecimento, mais a estranheza das comunidades que habitavam à Lisboa mercantil daquela altura. O olhar dos ingleses, alemães, holandeses e é também neste relato que apanhámos algumas referências aos escravos africanos, dos galegos que viviam e trabalhavam na distribuição da água. E nós sabíamos que a cidade estava cheia de brasileiros, que eram muitos, comprados pelo Marquês de Pombal para serem o seu pessoal político, como o seu secretário pessoal, que era também poeta, Basílio José da Câmara, mas havia muitos outros. Como não tinham as suas redes clientelares fixas em Lisboa eram pessoal politico que podiam dar confiança a alguém que os contratava pela primeira vez, porque sabiam que não eram clientes de uma família nobre. Apanhámos também, algumas referências as populações que viviam no outro lado do rio, de onde vem pescadores recolher os sinistrados do terramoto, se não fosse ele não encontraríamos essa toda essa vida.
Mas, se os portugueses pouco propagaram esse acontecimento, como é que chegou a esses relatos?
RT: O terramoto de Lisboa teve uma enorme importância no pensamento mundial do século XVIII. Foi um acontecimento onde houvesse um europeu, ou um ocidental mesmo de outros continentes, foi falado pelos maiores pensadores da época, Rousseau, Voltaire e por alguns que ainda eram jovens como o Kant e Goethe e portanto, permaneceu na memória enquanto mudança das mentalidades durante muito tempo inclusive no século XIX e início do XX. Grande parte dos literatos mundiais leram Kant e Voltaire e quando falámos do terramoto de Lisboa, há referências no Candide e isto é um vestígio de algo que era ainda mais forte nas épocas posteriores a este acontecimento. Periodicamente historiadores, filósofos de outras culturas regressaram ao terramoto. E algures no século XIX um periódico inglês recuperou estas histórias e encontrou a carta de Thomas Chase e o seu túmulo. Esta história aparece por causa de uma edição comemorativa do terramoto, promovida pela Fundação Gulbenkian, que recuperou estas cartas. Provavelmente das mais interessantes é a missiva deste jovem, é tão subjectiva, aquela choraminguice de um jovem inglês que passa o tempo a queixar-se e a falar mal de toda a gente, foi isso, que por outro lado, me encantou, por ela vir carregada da sua verdade, porque isso também é um acontecimento histórico. A história é vista por muitos olhares não só dos pensadores da sua época que a vão usar para fazer grande filosofia, mas também por um tipo como o Thomas Chase que usa esse acontecimento para fazer pequena história, do eu, eu, eu, eu coitadinho.
Disse anteriormente que dos lisboetas não há relatos, será porque encararam o terramoto como um castigo de Deus?
RT: Há alguma coisa, mas o que aconteceu depois, foi devido a acção política do Marquês de Pombal. Era essencial haver uma explicação oficial para o terramoto, que foi de que se tratou um acontecimento que tinha causas naturais, sendo que o regime não sabia quais eram, mas eram certamente naturais. Porque se fossem divinas isso implicaria dizer que os portugueses são maus católicos, que o rei português era mau que tinha maus súbditos e evidentemente o ministro do reino da altura, que ainda não era marquês, Sebastião de Carvalho e Melo não poderia permitir uma coisa dessas. Houve quem o dissesse, em particular, um padre jesuíta italiano, que há muitos anos vivia nos domínios portugueses e tinha regressado à Lisboa. Era muito próximo da corte, da princesa Dona Maria, que seria futura rainha, Dona Maria I, e dizia que os portugueses eram maus católicos, que as jovens lisboetas iam para as missas vestidas para serem vistas pelos moços, mandavam bilhetes durante as missas e por isso Deus tinha decidido castiga-los. Por sua vez, foi o poder politico que o castigou acabando por entrega-lo à inquisição portuguesa que durante 200 anos havia queimado judeus, feiticeiras e hereges e acabou por queimar um padre jesuíta muito devoto, foi a sua ultima vítima.
Diz que a história muda quando tem lugar estes grandes acontecimentos, estes desastres naturais, mas mudou de facto alguma coisa? Estamos preparados para uma tal catástrofe, quer seja Lisboa ou em outra zona do país? Aprendemos alguma coisa?
RT: Mudou muito. Não só para Portugal como para todo o mundo. O terramoto de Lisboa é considerado a primeira catástrofe moderna, precisamente por causa dessa decisão do marquês de Pombal, dessa versão oficial e natural para o sismo. A conclusão a retirar é que vamos fazer melhor, prédios mais baixos, ruas mais largas, vamos fazer uma cidade onde se houver um novo terramoto, seja mais fácil salvar as pessoas, vamos reconstrui-la com regras antissísmicas, que foram as primeiras do mundo e tudo isto é uma grande lição. Uma catástrofe natural não é só uma catástrofe natural, pode ser nas suas causas, mas as suas consequências são no número de vítimas que provoca e acrescenta-se a perfeição ou imperfeição do enquadramento humano, em termos arquitectónicos, de protecção civil etc. É por isso que se tivermos amanhã um sismo da mesma magnitude no Japão, ou no Afeganistão, no primeiro haverá no máximo 50 vítimas e no ultimo país haverá 50 mil mortos. Mas, o facto de termos aprendido dessas lições, que não possamos esquecer, em particular, numa cidade como Lisboa, com um ritmo sísmico muito espaçado, ao contrário dos Açores, e isto acaba por criar nas pessoas e nas entidades públicas um certo relaxamento que não é positivo. E estou convencido que, hoje em dia, o parque habitacional da cidade esta muito preparado para uma catástrofe deste género, mas um governo, uma câmara municipal atentas, deviam fazer uma fiscalização dos edifícios e dar formação aos cidadãos para saber se a casa esta a comprar ou alugar, e até seria algo apropriado para fazer em tempos de crise, porque criaria emprego, se tem resiliência sísmica ou não. Eu não acho que vá a haver um sismo em Lisboa amanhã, ou daqui a um ano com esta magnitude e pode até acontecer daqui a 200 anos, mas se houver com o tipo de construção que temos hoje vamos ver muito mortos e destruição evitáveis. É isso que é trágico.