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Os íntimos

Escrito por 

 

É um retrato cru dos homens, da sua intimidade e do que eles pensam sobre o sexo feminino. É um livro escrito por uma mulher, Inês Pedrosa, que pretende mostrar o machismo e uma certa misoginia ainda muito patente na sociedade portuguesa.

Li numa citação que os escritores descrevem grandes personagens femininos e o mesmo se pode se pode dizer das escritoras femininas que criam excelentes personagens masculinos.

Inês Pedrosa: Eu não sei se disse exactamente isso, lembro-me ter dito, quando me perguntavam muito se não é difícil para uma mulher falar de homens, eu lembro-me de dizer que a Ana karenina de Tolstoi que é uma personagem inesquecível da literatura e que ninguém dúvida que é uma mulher de carne e osso, ou mesmo a madame Bovary, nunca se coloca esse questão aos homens.

Então é apologista dessa ideia?

IP: Eu penso que um escritor tem de saber pegar tanto no feminino, como no masculino, porque até para mim será mais difícil, num livro anterior chamado nas “tuas mãos”, escrever sobre uma protagonista com oitenta anos. É mais difícil pôr-me na cabeça de uma mulher com experiências que não tive e que tem uma idade que não tenho do que homens da minha geração ou pouco mais, como é o caso neste livro. É a mesma coisa que dizer, o que é uma mulher ou um homem em abstrato. Numa mulher de Trás-os-Montes que nunca foi à cidade, nem nunca viu o mar, com certeza que tenho menos conhecimento do que lhe passa na cabeça do que um homem urbano que tem uma experiência parecida comigo. Sobretudo, porque ao longo do século XX os dois géneros foram fazendo uma aproximação. Não total. Neste livro, o que achei graça e estamos num período de transição acelerado nos capítulos e nas relações entre os homens e as mulheres há certos rituais da masculinidade e feminilidade que se prolongam como uma tentativa de ficar em casa, no conhecido, ao mesmo tempo que o mundo novo já existe. Uma dessas situações são os jantares de amigos em torno dos jogos de futebol e até é um dos comportamentos mais característicos do sul da Europa pelo menos. Tenho grande amigo no Brasil, no Rio de Janeiro e um amigo dele disse-me que me tinha inspirado nos encontros do Paulo daí que também tem esse hábito dos amigos de liceu que já não tem nada a ver com os seus percursos profissionais. Não é um encontro entre o pessoal do emprego, é de rapazes que passaram por uma adolescência juntos, uma juventude e que tem profissões muito diferentes, experiências de vida diversas, até nem tem nada a ver uns com os outros no dia-a-dia, mas mantém aquela comunhão como uma família. E achei piada, porque afinal é mais vasto do que eu pensava, eu não sabia que esse meu amigo, que tem muitas amigas mulheres, que é do mundo editorial tinha esse ritual do jantar de dois em dois meses. O que quis tratar neste livro? Essa intimidade, essa amizade que tem ainda culturalmente características diferentes da feminina à partida uma maior permanência.

É mais verdadeira?

IP: Não, eu julgo como é mais superficial é mais permanente. As mulheres vivem a dar-nos e as amigas são um esteio muito mais violento, porque uma amizade entre mulheres quando se “rasga” é uma dor drástica, as vezes pior que uma ruptura amorosa, que uma separação e os homens como nesse caso aí, vivem de pequenas traições, compromissos e arranjinhos que é o mundo da política e dos negócios, esperam menos uns dos outros e não se esteiam nos amigos. É mais uma companhia física e aquela solidariedade quase animal.

 

 

Não há um personagem misógino? O Pedro embora fale de mulheres critica-as constantemente e no fundo não gosta delas.

IP: Ele tem medo delas, claro que isso dá origem ao racismo e as misoginias, mas também ele tem circunstâncias de vida que o levam a isso. Aquela mãe opressiva. Naquele personagem eu quis “pintar”, em particular, essas figuras da cultura patriarcais, que também são matriarcais que é o poder terrível das mães que não tem mais nada, fazem dos filhos uns objectos de tal forma que eles não têm desenvolvimento autónomo. Eu acho que, ele nem tem consciência que é misógino. Ele adora a mãe.

Ele ressente-a no fundo, porque ele não gosta que ela mexa nas suas coisas, interfira na sua intimidade.

IP: Ele mitifica a diferença, o outro e aquilo que não compreende. Claro que é misógino, mas acho até que está mais expandido, o egoísmo masculino é uma forma de misoginia.

Pois, há um personagem que é casado, mas tem uma serie de casos. Parece também que não as respeita, porque tem umas quantas regras muito definidas…

IP: É o Guilherme e acaba por ser talvez o mais misógino de todos, porque faz tudo isso, mas conta com que a mulher esteja em casa ao serviço dele. Talvez seja o caso mais grave, porque o outro isola-se delas, mas este usa-as e deita-as fora, o que é muito comum. Nos também pactuámos com isso dizendo, bom somos todos livres e todos iguais, mas uma mulher que seja uma casanova, uma sedutora não é bem vista pela sociedade, nem é tratada da mesma maneira. Se esse homem que faz isso a mulher se soubesse que a esposa tem um amante, e conhecemos imensos casos, afirmam que sabem que é injusto, mas é diferente. É diferente porquê? Então são essas perguntas, não há razão para ser diferente. Nem legalmente.

Este livro chega a magoar – nos profundamente porque desmitifica o conceito quase romântico que temos dos homens, alguma mulher alguma vez a abordou nesse sentido?

IP: Tem graça, mas não. O que me aconteceu foi algum dos homens reagirem bastante mal.

A sério? O que eles disseram?

IP: Eu gosto de pensar que nós não somos isso. Eu sublinhei que para já não podia dizer nós, porque se tratava de um grupo específico, mas sentiu-se logo atingido pessoalmente, reagiu tanto que achei graça. Disse-me: nós não somos tão cínicos e egoístas como aí está. Vê-se que é escrito por uma mulher, que é uma visão feminina. Mas, porquê? O que não esta aí? Ninguém sabe explicar. A consciência que tenho, embora os romances de ficção não sejam documentos científicos, mas eu documentei-me bastante, andei anos a ouvir e tomar notas, é de que escolhem uma mulher como se fosse um automóvel, o que esta chapado no personagem do homem mais velho. Tomei notas das conversas dos meus amigos, de conhecidos, perguntei e fiz uma espécie de trabalho sociológico que aponta tiques de linguagem, modos de falar.

Disse a pouco que tomava notas, começou a faze-lo quando terminava o livro anterior?

IP: Não, estou sempre a tirar notas. Mas, desde que “nas tuas mãos” pensei que queria fazer um contraponto masculino, porque era um livro só de mulheres, que é um pouco o século vinte no feminino, como mudou a situação das portuguesas e pensei em: como estão os homens? Porque apesar de tudo, está mais definido o que é a emancipação feminina do que do homem e o seu machismo. Por outro lado, vejo que estão um pouco perdidos porque não sabem que modelo seguir, as vezes digo na brincadeira, as mulheres querem homens sensíveis, mas querem na mesma o protector e que trate dos assuntos práticos. Todos nós mantemos certos estereótipos, o azul para rapaz e o rosa para rapariga. Se chegar ao supermercado há uma secção para meninos e outro para meninas, eu acho que isso até nem devia ser legal, porque os brinquedos para elas são só cozinhas e bebés e tudo o que é jogos está na ala dos rapazes. Isso marca. Eu queria escrever um livro sobre a intimidade, que no fundo é um tema que dá para trabalhar em diversas vertentes, que é os íntimos, eles entre si e eles com as mulheres, porque as relações mudaram muito a partir do momento em que houve o divórcio, que é recente. No passado, os homens tinham o direito de abrir a correspondência das suas esposas, o adultério só era criminalizado se fosse por elas. Esta igualdade veio alterar as relações a muito pouco tempo.

Eles não se victimizam em demasia? Quando alegam o trauma que uma mulher lhes causou e que os tornou assim.

IP: As vezes até nem justificam. Há muitos que dizem, eu sei que fiz mal, mas sou assim. Eu tenho ouvido ao longo dos anos: eu sou assim e eu digo não sejas. É como se fosse uma cobra que tem de atacar, porque tem o veneno. É mais forte do que eu, não pode ser porque a uma mulher não se admite este tipo de discursos.

Eles não são também resultado de umas certas mães que os desculparam sempre pelo facto de serem do sexo masculino.

IP: Sim exactamente nos verificámos isso ainda hoje, eu e mulheres da minha geração. Tive muitas vezes que sublinhar que elas esperam de mim, coisas que não espera do meu irmãos. Como por exemplo, já fostes ver a tia-avó que esta doente? Já perguntastes isso ao meu irmão? Ah, sabes que o homem não tem a mesma atenção. Mas, devem ter, eu tenho uma vida de trabalho como ele. Desde criança eu tenho mais deveres sociais do que ele e até tenho uma mãe que se considera feminista e emancipada em relação à geração dela. No tempo do 25 de Abril havia movimentos para abolir os concursos de misses e ela apoiava essa ideia. A minha mãe que cresceu nos direitos iguais esperava coisas de mim que não exigia dos jovens que me acompanharam ao longo da vida. A minha avó dizia que um homem na cozinha é um enxovalho, se ele está lá é porque a mulher não cumpre o seu papel. Nos jantares de natal em casa dos meus avós, primeiro eram servidos os homens da casa e só depois as mulheres, porque elas valem menos. Se ler o “até amanhã camaradas” do Álvaro Cunhal, que é um romance neo-realista de luta e resistência contra a ditadura, os camaradas que andavam a distribuir a imprensa clandestina tinham as mulheres, e elas comiam só no fim e se sobrasse algo, porque os camaradas precisavam de alimentar-se para terem mais resistência física. O Karl Max na sua casa era o único que comia carne, porque como era o pensador precisava disso, a mulher e os filhos comiam as batatas.

Recordo também Einstein que também sendo um intelectual, um pensador de outra área, também se preocupava imenso com a humanidade, mas o seu comportamento em relação à família era atroz, a esposa não existia se não para servi-lo.

IP: Num debate em 1996 na SIC, com o António Barreto e Pacheco Pereira e eu e a Ana Vicente sobre feminismo, eu ouvi o primeiro dizer: Bom, eu acho bem os direitos das mulheres, mas não sou feminista. Eu interrompi-o e disse: então não é anti-racista, porque não é preto. E ele retorquiu: nunca pensei nas coisas por essa perspectiva. Os direitos das mulheres são menos visíveis. Numa sociedade democrática ocidental ninguém se atreve a discriminar uma pessoa pela cor, pela raça ou até pela origem social, ainda se nota isso em relação as mulheres, daí as altas taxas de violência domestica no nosso país. Acho preocupante um estudo que foi feito nas universidades em que uma expressiva quantidade de jovens aceita a violência no namoro como prova de amor. Isto significa que estes valores demoram a mudar e que a auto-estima das mulheres está muito baixa.

Mas, a minha geração e tenho 40 anos, não aceitava tão tacitamente estes comportamentos violentos e faz-me confusão que sejam estas jovens mais evoluídas a perpetua-los, com tanta informação e meios que tem a sua disposição.

IP: Porque os valores não tiveram uma mudança efectiva, foi aparente. Foi muito rápida, agora somos todos iguais. Mas, o que está isolado é o machismo e como não tem a memória da luta contra isso, e como também quando há uma crise financeira vêm o discurso social em todas as camadas sociais a falar da importância da maternidade e da amamentação. Todo esse discurso tem como pano fundo, afastar as mulheres do local de trabalho e dizer que é mais essencial a criança à mãe e até as feministas caíram um pouco nesse engodo, mas o facto é que o pai é tão essencial como a mãe eles também tem licença de paternidade. Enquanto não houver paridade na vida e como vivemos numa sociedade dominada pela beleza e pela aparência física, as mulheres temem que se não aceitarem a regra que é masculina, ficarem preteridas e ainda se vive nesta ilusão que um homem tem sucesso se tiver uma carreira e o seu bem-estar, para uma mulher é encontrar um homem, porque quem não encontra um par é porque não teve o valor suficiente.

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