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A inovadora

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Natureza viva espelha a personalidade, os gostos e o carinho que Tânia Nóbrega sente pela sua ilha, pela sua envolvência natural exuberante e pelas suas tradições. É contudo, um conceito de artesanato inovador que reflecte uma visão muito pessoal de um universo regional que expressa na beleza, na alegria, no colorido e na variedade etnográfica da Madeira, através dos seus bonecos, dos colares, das bolsas e das suas flores em filtro.

Quem é a tua cliente?

Tânia Nóbrega: É alguém que como eu gosta muito de cor. Que aprecia a natureza e as formas. Em relação as flores, embora não seja uma cópia fiel à realidade, consegue-se através das tonalidades, da forma e das texturas sentir o que a natureza passou, para que essa pessoa goste de a ter e de a usar. É também uma mulher que aprecia variar, as minhas peças não ficam presas a uma única forma de utilização. Nas malas, as flores não são fixas, podem ser aplicadas novamente, a ideia é que o processo continue. Os colares têm pregadeiras, que saem, podem ser usadas na lapela do casaco. É sobretudo, uma cliente que gosta de mudar, da cor, da natureza e aos elementos ligados aos regionalismos. São pessoas que apreciam o que é madeirense e não tem o preconceito de que só porque tem o padrão regional é para turista.

Tu tens dois tipos colecções, um debruça-se sobre a temática do folclore, outro mostra vários tipos de flores, porquê estes dois motivos e não outros?

TN: Na verdade eu comecei com as flores, foi algo que encetei desde muito cedo. Primeiro, porque eu nasci na Venezuela e sempre vivi num apartamento. Havia a fantasia a partir daquilo que os meus pais contavam sobre a Madeira, sobre a sua casa pequena com o seu quintal, onde havia muitas flores e frutos. Eram tudo coisas que eu não tinha. A minha mãe é uma apaixonada por flores. Os primeiros desenhos que vi, eram sobretudo motivos florais, eram amores-perfeitos e ela sabia fazer flores de papel, porque os fazia para as festas do Caniço. Eu acho que já começou desde aí. Quando vejo uma flor por mais pequena que seja, por mais reles e insignificante, elas merecem ser apreciadas pela sua riqueza de formas e perceber que a natureza é tão perfeita, que às vezes passámos por ela e nem damos conta. Quando comecei a “natureza viva” a minha preocupação era tentar em cada peça passar aquilo de que mais gostava e que me deslumbrava. Mais tarde, a colecção dos bonecos começou com os grupos de folclore. Eu participava em feiras de artesanato e emocionava-me sempre ao vê-los dançar, quer nesta época natalícia, quer no “48 horas de Santana”, onde estão todos os grupos reunidos. Era-me impossível ficar indiferente e como já tinha feito uma reprodução a pedido de um cliente, resolvi experimentar. Daí já nasceu em trabalho que se tem ramificado para outras coisas, porque faço uma pesquisa para cada traje e insiro os bonecos num cenário regional. Tento que tenham pormenores característicos daquele local, o que trazemos daquele sítio, embora não consiga transmitir os cheiros, tento com o pormenor minucioso, com as cores, reavivar as memórias daqueles que conhecem esta realidade e quem não conhece que fique com vontade de faze-lo.

Porquê a escolha do filtro?

TN: Eu escolhi este material porque é muito fácil de trabalhar e tem imensas potencialidades. É um fio que não desfia, é muito fácil de manipular, de coser e de colar. Se bem que cole poucas coisas, gosto mais de coser. O filtro também é belíssimo, porque as cores são planas, elas valem por si só, o resto provém de mim, tenho de fazer o resto. Existe em muitas espessuras e a medida que o vamos descobrindo, começo a descortinar os seus truques e mesmo a mania dos materiais.

Há outros materiais que uses para além do filtro?

TN: Sim, uso sedas, outros tecidos, o pano regional que é difícil de trabalhar porque desfia muito. Permite umas coisas. Tenho uma linha mais vintage que permite fitas, botões e às vezes as clientes trazem consigo o material. Eu tenho uma colecção denominada “perdidos e achados” que consiste em reciclar um objecto, ou uma fita do ramo do casamento, ou um brinco que gostámos muito, criámos uma peça em que esse objecto é o ponto de partida. Pode ser a coisa mais variada.

 

 

És tu que interpretas essa informação?

TN: É um trabalho a dois. A pessoa traz a peça e como já conhece o meu trabalho e se identifica com ele, pede-me para incluir o objecto num cenário que será único e original, porque dificilmente alguém terá um igual. São os trabalhos que mais gosto de fazer, porque são inesperados, que obriga a pensar e como vamos resolver esse trabalho mais específico.

Em média quando realizas estes bonecos regionais, quanto tempo demoras?

TN: Essa é a pergunta mais frequente. Eu vou responder o mesmo, é muito difícil dizer quanto demoro a fazer uma boneca. Porquê? Geralmente, a peça é feita, desde o princípio até o fim do processo, por mim. Demora, porque há vezes em que determinado pormenor não resulta e pode levar muito mais tempo. Depois as outras bonecas que derivam dessa primeira são muito mais rápidas de elaborar, mas é difícil de dizer, porque são todas diferentes, são muitas horas, muitas dores nas costas e nos ombros, mas quando olho para a peça acabada e para a satisfação do cliente, não me interessa mais nada.

Desenhas primeiro?

TN: Algumas sim, para os quadros. A primeira boneca foi desenhada e foi experimentada, agora está tudo tão automatizado que faço os pormenores que quero acrescentar na peça. Quando pretendo criar um quadro, desenho. Se calhar é vicio de formação, porque provenho da área de arquitectura, à semelhança da profissão o desenho pouco tem a ver com o produto final, mas é o principio de um compromisso que se vai alterando até a peça estar acabada, mas ajuda muito pelo menos para organizar as ideias daquilo que pretendo até atingir o objectivo final.

Tens ideia do número de clientes que atendes?

TN: Não.

Sabes que estão a aumentar?

TN: Sim, porque a melhor publicidade é através do passa-palavra e isso tem-me acontecido. Tenho uma cliente que compra para ela, quando as leva para o seu trabalho acaba por oferece-las e as suas amigas vêm até mim. Acaba por ter um efeito multiplicador. Tenho clientes mais fixos, porque gostam de usar com mais frequência os meus acessórios e há aquelas que só as utilizam em momentos especiais e não fazem encomendas com tanta frequência, mas aparecem e sabem que podem contar comigo desde que consiga responder as suas necessidades.

Quantas réplicas fizestes até agora dos trajes tradicionais da Madeira?

TN: Até agora fiz 70, mas não sei quantos são, nem sei sequer, se existe alguma pessoa ligada ao folclore que te pode responder a isso.

Onde vais buscar esse material?

TN: Há pouca informação rigorosa e cientifica sobre o tema. Existem estudos feitos pelos próprios grupos de folclore, por isso falo com eles e pergunto. Os vestidos podem ser de menina solteira, até a casada, depois há os trajes de trabalho. Outra forma de pesquisa vêm através dos postais mais antigos, mas é preciso ter cuidado, porque quem os realizou, também fez uma interpretação desse vestuário e não sabemos até que ponto essa leitura é fiel à realidade. Depois existem alguns livros, sem fotos, que descrevem em pormenor algumas peças. Os clientes também são uma fonte de informação, quando participo em determinados eventos, as pessoas vem ter comigo a pretexto dos bonecos e explicam-me a origem dos trajes. Eles acrescentam mais informação à aquela que disponho. Esse é um dos aspectos que mais gosto do meu trabalho. As pessoas podem pensar que os acessórios são fúteis, mas eu acho que depende da carga emocional que colocámos em cada objecto. Estas peças não sendo de ouro, nem de brilhantes, acabam por ser pequenas jóias pelo carinho que eu deposito ao faze-las, porque mesmo que faça meia dúzia, cada uma delas pode ter um nome próprio, cada uma tem um olhar e um sorriso diferente. Depois, quando a pessoa a compra torna-a especial o que faz com que não seja fútil. Serve para recordar a ilha, para evocar a alegria da Madeira que é feita de gente sorridente e muito colorida. Tenho um casal de ingleses que me contactou e ficaram muitos felizes por rever-me recentemente, porque há dois anos, adquiram uma peça que ofereceram a neta e ela gosta muito desse boneco e isso traz-me uma enorme satisfação. O trabalho não é em vão. A ideia é essa passar conhecimento, alegria e carinho. Não é só a peça, mas tudo o que a envolve.

Pretendes experimentar outras linhas, outras colecções no futuro?

TN: O conceito é a “natureza viva” e dentro dessa visão tenho três linhas, as flores, o folclore e os “perdidos e achados”. Eu pensei em muitas coisas, mas há limitações de tempo e físicas porque é muito difícil arranjar alguém que trabalhe comigo. É um trabalho muito personalizado, existe muito pormenor e algumas são muito minhas que dá-las para outra pessoa as fazer seria muito complicado. As embalagens são feitas fora, mas muito do design gráfico é feito por mim, são áreas que posso explorar. Em termos de artesanato, o trabalho que faço se reflecte só neste tipo de peças. Tenho que amadurecer ainda muitas ideias. Pretendo criar uma página de internet, mas apenas para apresentar os meus trabalhos, não pretendo vende-los online, porque nem toda a gente os procura é para os adquirir, é mais para copiar. Adulteram o conceito, as pessoas sentem-se enganadas, porque não é igual ao original, por isso prefiro um atendimento mais personalizado e não me tenho dado mal.

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