
Alexandra Prieto é uma artista plástica e designer que se define como uma esponja. Suga tendências, cores, padrões e emoções que transporta para a tela e curiosamente para os seus sapatos. Sim, leu bem. A “art on shoes” surgiu por uma brincadeira, mas pronto se tornou numa marca que tem vindo a implementar o binómio da arte, através da ilustração, com a moda, na forma de calçado.
Gosta muito de sapatos, por isso aplicou arte no calçado?
Alexandra Prieto: Os sapatos é uma paixão que alimento desde pequenina. Sempre gostei de usar os da minha mãe e brincava até com eles. Durante estes anos todos pouca roupa comprava e mas todos os meses tinha de adquirir um par de sapatos novos. Foi algo que naturalmente me atraiu e até por brincadeira definia as pessoas pelo calçado. Entretanto, a pintura esteve sempre presente na minha vida, acabei por seguir arte, licenciei-me em pintura e escultura em belas artes e a “art on shoes” nasceu de um evento. Em Dezembro de 2010 estava a preparar uma exposição e lembrei-me de ir calçada com um par de sapatos com o tema da exposição, que esteva impresso no convite e no cartaz. Tentei fazer uns protótipos para ver como era possível por a ideia em prática e quando os sapatos vieram foi uma loucura e vi que era algo que poderia explorar mais a sério. Antes desse evento, registei a marca, fiz o logotipo e lancei-a nessa mostra com “art on shoes”. Até foi uma surpresa para as pessoas que pensaram que iam apenas ver uma exposição e acabaram por ver calçado exposto numa outra sala, quase como quadros. Cada coleção associada a uma ilustração.
E vendeu todas as coleções nessa altura?
AP: Exatamente. Para essa exposição tinha mandado fazer alguns contando com as vendas e foi a primeira vez que percebi que poderia haver um mercado e que era engraçado. Na altura, tive bastantes encomendas e a “art on shoes” tem vindo a crescer como uma marca mais coesa.
Como decorre o processo criativo que permite criar as ilustrações para as coleções do “art on shoes”? Reparei que gosta de abordar a temática da cidade de Lisboa.
AP: As primeiras impressões surgiram dessa exposição que referi há pouco, na sequência de um pedido de um escritor Napoleão Mira que me pediu para fazer umas ilustrações para o seu livro, ele pegou nessas pinturas para poder divulgar o seu trabalho em vários pontos de venda. Eu nasci em Lisboa, moro nesta cidade e das poucas vezes saio, que viajo, acabo voltando e apaixonando-me cada vez por ela. Quando regresso fico fascinada com essa luz extraordinário e isso acaba por refletir-se no meu trabalho, no entanto gosto muito do Alentejo que também aparece em algumas das ilustrações. O conceito de “art on shoes” propriamente dito é diferente. A empresa só tem dois anos e ainda só fizemos três coleções. O que se passa com a minha ideia é que funciona ao contrário da moda, onde se apresentam as coleções de verão e inverno. Nos temos as ilustrações, num total de 17, em que vamos alterando os modelos conforme a estação. Imagine, o peep toe, que é um sapato aberto à frente que se usa seja inverno, seja verão. Com meias ou sem elas, acaba por ser um modelo aberto que é vendido todo o ano. As sandálias surgiram porque foi convidada para uma exposição e fiz uma ilustração mais veranil, chamada verão Cascais, onde me inspirei nos jardins, não explorei a parte praia, mas sim o conceito mais floral daquela zona. Então emerge essa coleção muito mais leve, claramente citadina a pensar nas mulheres desta cidade. Surge tudo naturalmente. Neste momento estou a analisar as tendências para lançar neste verão cores mais arrojadas. Também pensei na moda Lisboa e a inspiração acaba por vir de todo o lado. E depois depende das cores, se estamos no inverno as cores são mais escuras.
Quem é a mulher da “art on shoes”? A quem se dirige?
AP: As clientes, inicialmente do “art on shoes”, imaginei que fossem mulheres da minha idade, eu tenho 34 anos. Elas seriam um espelho daquilo que gosto. Inevitavelmente, isso acaba por estar muito presente. Hoje em dia, surpreendentemente o nosso leque de clientes é muito mais abrangente, tenho raparigas com 18 anos a comprarem os meus sapatos. Pedem aos pais um calçado diferente para irem até os bailes de finalistas. Até senhoras com 65 anos de idade, temos para elas um modelo confortável, com mais castanhos e que se pode usar com uma roupa clássica. Portanto, acabámos por atingir um target muito vasto. As mulheres que nos procuram e estão fidelizadas à marca, é aquela mulher empresária, que tem sucesso profissional, esta de bem com a vida e gosta de ser arrojada, gosta de moda e quer um pormenor diferente. Nós podemos estar vestidas da mesma maneira, com o mesmo vestido, calçámos um sapatos rasos e temos uma postura a andar e com a mesma roupa e uns saltos altos tornámo-nos mais imponentes. Mais autoritárias no bom sentido. Acaba por ser uma mulher classe média alta.
Reparei que as coleções para além dos sapatos englobam, lenços e clutches, mas já pensou em acrescentar mais acessórios ao “art on shoes”?
AP: No Natal experimentámos fazer os clutches, porque havia clientes que usavam-nas em cerimónias e queriam combinar os acessórios, e isso resultou muito bem. Inicialmente fiz malas maiores e até estamos a estudar novos modelos misturando mais pele com tecidos. Fizemos pulseiras, mas o que estou a explorar são coleções para homem. Penso que é um desafio e estou entusiasmada. Estamos estudar isso e para além disso, não queria dispersar muito. Embora roupa possa ser também estudada, podia funcionar muito bem um vestido com as ilustrações, mas ao nível do posicionamento da marca, deve funcionar como “art on shoes”. Por curiosidade fiz por brincadeira gravatas e até houve pessoas que as solicitaram, pensei nelas para os galeristas tendo a exposição como pano de fundo, e mais uma vez por acidente como no “art on shoes”, as pessoas voltaram a perguntar onde podiam comprar esse acessório masculino. Não sei se em breve surgirão as gravatas, mas mais depressa virá uma coleção só para homem do que muitos outros acessórios de marroquinaria.
Em relação a sua próxima exposição cujo tema é “it’s all about love”, que podemos esperar?
AP: Surgiu de um convite que a galeria Mac me fez para realizar uma exposição. É um tema que surge a partir das várias entrevistas que me foram feitas pelos seus colegas jornalistas que acham o meu trabalho muito emocional e o certo é que inconsciente só pinto quando estou bem-disposta. Ao nível da pintura existe um estigma que se atribui aos pintores de terem um espirito mais triste e muito deprimidos. Desde o tempo de faculdade, esse ambiente estava de facto presente, eu era ao contrário, quando estou triste e deprimida quero ficar no sofá a fazer zapping e não consigo criar nada. Só vou para o atelier trabalhar quando estou bem-disposta. Isso acaba por se refletir no meu trabalho. “It’s all about love” particularmente está em todo o lado, seja através da religião com o amor por um deus, ou por uma pessoa. É algo que nos move. Acordámos de manhã e é o amor que nos faz levantar e lutar pela vida. É tudo num sentido muito lato. Acabei por explorar um princípio, porque à medida que preparava esta exposição mais ideias vinham e mais coisas que queria explorar e não dava para tudo. O que aconteceu é que consegui adquirir algumas cartas de amor antigas de 1920/40/50, algumas até nem era de amor, eram dos sobrinhos a pedir dinheiro aos padrinhos, algo muito tradicional na nossa sociedade do tio que ajudava financeiramente, missivas entre amigos de guerra também, mas a maior parte eram de pessoas que se tinham casado e alguns tinham ido para a tropa.
A Alexandra faz colecionismo é isso?
AP: Não, não. É uma história engraçada, há colecionadores de envelopes e de selos, de coisas antigas e eles não gostam das cartas, não as guardam. Eu até tive a sorte de ficar com alguns envelopes, porque antigamente o seu interior era muito bonito, com flores e padrões. Eu consegui falar com um colecionador e surgiu naturalmente na conversa. Fiquei com alguns exemplares, depois falei com mais duas ou três pessoas, outros colecionadores cederam-me essas cartas. Depois foi o extrapolar e começar a ler algumas e até um amigo meu me dizia que parecia um pouco voyeurismo da minha parte, mas não deixa de ser curioso que algumas delas tem mais de cinquenta anos e a história que descrevem podia ter sido ontem, de uma amiga, de uma mãe, de uma tia. Explorei na pintura esse tema, a palavra amor, tenho até um trabalho com o título amor cão, tenho outras pinturas mais poéticas, há esculturas e existe uma parte muito engraçada, que as pessoas estão a gostar bastante, mais conceptual, por exemplo, tenho uma tosta comestível que em vez de fiambre, pôs as cartas lá dentro.
Fez instalações com as cartas para além dos quadros?
AP: Sim, exatamente. Coloquei uma lingerie com uma carta, cortei uma missiva ao meio com um fecho éclair a unir, é uma interpretação mais conceptual de um casal que se quer juntar, mas está longe.
Nesta exposição, não explorou os sapatos?
AP: Não, porque se trata de um trabalho que desenvolvo como artista plástica. A “art on shoes” é uma marca que incremento em paralelo, no entanto, como mentora do projeto é algo que está sempre presente, tanto que lancei uma nova coleção “it’s all about love”, inevitavelmente fui calçada com esse novo modelo, assim como a filha e as pessoas que iam a exposição e não conheciam a “art on shoes” viam lá esse meu lado. Enquanto todas as outras coleções são ilustrações que ficam espelhadas no tecido que vai ser posto nos sapatos esta é composta por várias pinturas e as cartas, é uma união, uma composição por assim dizer.
http://www.alexandraprietocollection.com/