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Uma mente brilhante por detrás do palco

Escrito por  yvette vieira fts luis belo, rodrigo de sousa, filipe ferreira e bruno simão

 

José António Tenente é um dos nomes incontornáveis da moda made in Portugal, as suas colecções eram sempre aguardadas com grande expectactiva na Moda Lisboa, até que houve um momento em que gradualmente trocou os holofotes das passarelas pelas luzes dos palcos e nunca mais parou.

Porquê deixou as colecções de moda para dedicar-se aos figurinos?
José António Tenente: Esta mudança foi um processo gradual, e parece maior porque tem que ver com o facto de ter deixado de produzir, apresentar e comercializar colecções. No entanto, a criação de figurinos sempre me interessou, e comecei a experimentá-la em 1990 com o “Rei Lear de Shakespeare para o Teatro Experimental de Cascais (TEC). A partir daí fui trabalhando pontualmente nessa área, mas em paralelo com a minha actividade de designer de moda. Neste momento não me revejo no ritmo desenfreado do mercado e nas ‘regras’ que se impuseram na moda, em especial nos últimos anos. Criativamente deixou de fazer grande sentido para mim. A moda tem regras muito definidas e se não são cumpridas, mais vale ir fazer outra coisa. Possivelmente os meus gostos levaram-me a ver nesta outra área de criação uma excelente alternativa. As artes de palco, teatro, ópera, música sempre fizeram parte das minhas referências, muitas das minhas colecções foram por elas inspiradas, e agora são elas próprias a fonte e objecto do meu trabalho.

Há uma mudança em termos de paradigma da marca JAT? Já que só existe uma colecção eyewear, escrita e perfumes?
JAT: A minha actividade na área da moda mantém-se nessas linhas que referiu, também em projectos pontuais e no atendimento personalizado no atelier para clientes que nos procuram para ocasiões especiais, como de resto já acontecia.

Recentemente teve um a retrospectiva do trabalho que desenvolveu como designer de moda, onde apresentou algumas das peças mais marcantes das suas coleções, no Mude, que reflexão fez desse percurso com mais de 20 anos?
JAT: O tempo voa. Agora a responder à sua questão, dei conta que já passaram quase sete anos sobre essa exposição. Na verdade, o projecto partiu da colecção de Moda do Mude, da minha leitura sobre a mesma e das ligações que estabeleci com o meu trabalho. Tinha um caracter mais retrospectivo porque de facto a selecção que fiz das peças José António Tenente atravessava uma grande parte do meu percurso. O contexto da moda em Portugal quando comecei não tinha nada que ver com a realidade actual e, portanto, dei passos que possivelmente hoje nem me atreveria (risos). Havia, de facto, lugar para algum grau de amadorismo e inconsciência, que cabiam num cenário em que tudo estava a começar e que hoje não, dada a enorme mudança do mercado. Como calcula ao longo de todos estes anos existiram bons e menos bons momentos, mas todos eles foram importantes para a experiência e amadurecimento profissionais e também pessoais. Agora, com esta distância, tenho a noção que construí, embora nem sempre conscientemente, um percurso marcado por uma perspectiva muito pessoal e com uma proposta particular no panorama da moda nacional.

As colecções de moda e o retorno à Moda Lisboa estão fora do horizonte?
JAT: Não se pode dizer nunca, mas, para já, não consigo vislumbrar essa possibilidade no horizonte.

Quais são as diferenças entre criar uma colecção de moda e figurinos? Quais os aspectos a ter em conta quando desenha peças de vestuário para um espectáculo, ou peça de teatro?

JAT: Na essência, estas duas vertentes até têm muito em comum. O processo de criação pode ser idêntico desde a inspiração à execução, passando pela pesquisa, a selecção dos materiais, o desenvolvimento das propostas. Tanto num caso como noutro, as ideias podem surgir inspiradas por várias fontes possíveis, sendo que na criação de figurinos, nomeadamente, em teatro, para mim o texto é quase sempre a primeira referência. No entanto, temos que ter em conta que estamos a ser dirigidos por um, ou mais criadores, encenadores no caso do teatro, ou coreógrafos na dança, e serão eles que irão dizer o que pretendem para o espectáculo, as suas perspectivas, os seus olhares, o que quererão dizer com esse trabalho, e isso é o que irá orientar toda a equipa. No caso da dança o processo pode ser muito idêntico, mesmo não havendo sempre um texto ou uma narrativa concreta. Há casos em que os encenadores, ou coreógrafos, estão muito abertos às propostas dos vários elementos da equipa, outros em que podem fornecer logo de início várias referências, imagens, e directivas para os desenvolvimentos nas respectivas áreas que compõem o espectáculo.

Quando cria peças para um bailado que aspectos relacionados com o corpo tem de ter em atenção? E os tecidos também tem importância neste contexto?
JAT: A dança é por excelência a arte do corpo em movimento, apesar de todas as abordagens e diferentes conceitos segundo os respectivos autores. Por essa razão é o próprio movimento que irá ditar as “regras do jogo”. Pode até haver casos em que a ideia seja mesmo dificultar o movimento, mas é sempre a partir dele que tudo começa. Assisto aos ensaios, tento acompanhar os processos de criação das obras, quando são novas peças, e a partir daí vou percebendo o que se está a fazer e começo a imaginar quais as melhores formas, os materiais mais adequados. Tendencialmente materiais mais leves, confortáveis e que permitam uma maior flexibilidade do corpo, serão os mais indicados, mas pode haver excepções, dependendo do que se pretende para a imagem.

 

Para os figurinos de uma peça de teatro histórica como “Ricardo III” há um levantamento que deve ser feito anteriormente em termos de tecidos ou mesmo tipo de vestuário?
JAT: Na verdade, o que determina muito o trabalho é o resultado pretendido pelo encenador para o todo do espectáculo. No caso concreto do “Ricardo III”, posso ter feito uma pesquisa que abrangeu referências históricas, outras produções da peça, mas sobretudo imagens que tivessem que ver com o imaginário que toda a equipa decidiu trabalhar. Naquele caso a reconstituição de época estava fora de questão, e todo o trabalho foi orientado numa estética algo punk rock, com referências muito contemporâneas, misturadas com outras mais teatrais, com toques historicistas, mas sem a preocupação do rigor histórico. Tínhamos na composição dos figurinos t-shirts e outras peças do vestuário casual urbano, mas também capas e vestidos compridos em brocados, veludos de seda ou cetins bordados.

Quando desenvolve um projecto de grande envergadura como é que se gere a concepção de um figurino para um grande elenco?
JAT: Podem acontecer várias situações que terão que ver sobretudo com o número de personagens. Por exemplo, na última grande produção para a qual trabalhei, “La Bayadère”, no final do ano passado com a Companhia Nacional de Bailado, o elenco era muito numeroso, e com vários personagens. No entanto, havia também muitos grupos que tinham um figurino comum ou ligeiras variações do mesmo. O mais difícil é conseguir definir tudo à partida, seleccionar os materiais e as respectivas variações e depois a adaptação aos vários corpos e movimento, claro. E, infelizmente, os timings são muitas vezes curtos para tanto trabalho.

Em peças de teatro mais contemporâneas como “Encontrar o sol” e “A noite de dona Luciana” há mais espaço para imaginação e a criatividade?
JAT: Nem sempre essa relação é muito directa. Tal como referi anteriormente, o que define o grau de liberdade é sempre a ideia ou leitura que o encenador, ou coreógrafo no caso da dança, fazem do espectáculo. A liberdade criativa, em todos os casos, tem sempre condicionantes, quer pelas opções estéticas que se elegem, quer pela fisicalidade do movimento, ou até especificidades dos corpos em questão. Algumas dessas condicionantes podem constituir um desafio adicional e dar origem a soluções mais criativas.

Em termos de rumo para a marca JAT, o que pretende continuar a fazer num curto-espaço de tempo?
JAT: Para já e no curto prazo o meu objectivo é desenvolver cada vez mais esta vertente da criação de figurinos, poder trabalhar com vários encenadores, coreógrafos, directores artísticos, cujos trabalhos admiro, ou que representem grandes desafios e ir mantendo o trabalho de atendimento personalizado no atelier em paralelo.

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