Este disco tem mais de Cabo Verde ou não?
DE: Este tem. O “cafuca” é uma lamparina que as pessoas fazem, são os pontinhos luz dos pescadores que estão no mar. O cafuca é isso, nós somos pontinhos de luz e é o partilhar esse ponto que é meu, é teu e é de todos. Também foi um trabalho de pesquisa, da palavra cantada, de tradição oral, tive que falar com as pessoas mais velhas, perguntar como se dizia uma palavra correctamente e a sua ligação. Cabo Verde precisa disso, é um país relativamente jovem desde a sua independência e eu acho que é preciso buscar o antigo e transforma-lo para o novo, porque são os novos crioulos que trazem esta nova abertura, para poderes falar, improvisar e comunicar.
Referistes numa entrevista que os músicos cabo-verdianos improvisavam pouco, qual foi o porquê dessa afirmação?
DE: Eu procurei o individual de cada músico, independentemente se um era do Brasil, ou se estava cá, eu fui cutucar o individual de cada um. Trazer o macro para o micro e vice-versa. Mais que improvisar foi brincar e isso não acontece só com a música, na vida em geral é assim. As pessoas vão crescendo e esquecem-se de brincar, mas em velhotes voltámos a esses tempos. Isso é giro. Foi sempre uma coisa de que gostei desde criança, foi muito regila, parti a cabeça, feri os joelhos, mas havia sempre algo que me prendia, uma boa história e o tom de voz que a contava.
Por esse motivo contas muitas histórias nas tuas canções?
DE: Sim, são muitas histórias. Algumas são vividas, outras são sentidas, outras ainda são vistas de perto, como a de Ângela de Alfama. Nunca falei com ela, mas via-se-lhe na cara, por isso a canção fala de uma caricia de cicatriz, ela tem uma história de vida que se vê, que tem algo de sombrio, de pesado. Se só tens escuro na tua existência, não vês a luz e vice-versa.
Quando tocas música cabo-verdiana em Cuba eles identificam a mesma raíz africana ou não?
DE: A música cubana tem muitos ritmos africanos, usa o congo, por exemplo. O meu ritmo é mais ligado ao Cabo Verde, que por sua vez também tem muita mistura. O que é bom é as pessoas identificarem-se por dentro. Podes pensar que não tens nada de música portuguesa, mas a forma como tocámos a guitarra, nós partilhámos isso. Em Cuba, não fiz um concerto oficial, só tenho tocado para a família e para os amigos, mas é por isso que falo que a música é uma língua franca nesse sentido, as pessoas fecham os olhos, fazem a sua viagem e transportam-se. Não é minha, é de todos. É diferente porque não é palpável, tu sentes com vários sentidos e isso é diferente.
Estas a preparar um novo álbum?
DE: Sim, já estou a trabalhar nisso. Estou a convidar amigos, músicos, mas a ideia é trabalhar em duetos.
Achas que é mais intimista?
DE: É mais intimista, mas ao mesmo tempo é aberto. Quando tens uma grande banda, há uma hierarquia nos músicos, tens que ter uma direcção e até chegar a uma improvisação leva o seu tempo. É um trabalho mais matemático e num dueto é mais dinâmico. És tu, outra pessoa e o público. É outra energia. Já comecei a contactar os músicos, alguns são da Finlândia, Cuba e outros de Portugal. Somos amigos. Vamos partilhar. Esse é o ponto de partida.