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A luminosa

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Mafalda Arnauth comemora 20 anos de carreira com um novo trabalho discográfico intitulado “Mafalda Arnauth e os Atlântida”. Um percurso no fado inspirado na aprendizagem constante e na evolução como artista cheia de luz num universo reflecto de grandes talentos.

O teu último disco foi “terra de luz”, de 2013, que é um trabalho curioso, porque voltas quase as origens do teu primeiro álbum, voltas a escrever as letras e a inspiração que nos remete para a portugalidade?
Mafalda Arnauth: Eu gosto muito do depois, porque muitas vezes as coisas são feitas sem essa intenção clara. Quando vou avaliar tudo construído, tudo bate certo, percebo que é um sétimo disco, parece quase um ciclo de uma experiência de álbums que é o tal partir das origens e regressar lá, porque nesta viagem por vezes é necessário retornar a base, para aquilo que realmente nos inspirava de raíz e que me definia enquanto pessoa e artista. Na verdade por muito que esta viagem tenha sido feita em grande parte no fado, as minhas influências e a visão da minha vida nem sempre se resumiu só a esse som e o ir ao que nos inspira enquanto portugueses, ao espírito lusitano orgulhoso de si e com auto-estima que era o que eu queria trazer para este disco. Daí a luminosidade, a necessidade de luz.

Mesmo nos arranjos fizestes coisas diferentes, porque há uns instrumentos muito invulgares e que normalmente não se associam ao fado.
MA: Os arranjos, o mérito é todo do Tiago Machado, porque a única coisa que lhe pedi foi definir ainda mais o som da Mafalda Arnauth, que não se resume no óbvio do fado e da guitarra portuguesa, da viola e do baixo que são geniais e que me tem acompanhado estes anos todos, mas é como se de vez em quando eu gostasse de acrescentar o acordeão, a percurssão e um trabalho muito rítmico que gosto de sentir. É o tentar definir cada vez mais um som meu, em nome próprio e neste próximo projecto em que vou participar isso é ainda mais claro, essa necessidade.

Quando referes que pretendes definir o teu som também falas da tua voz.
MA: Sim, porque voz tem este lado interessante. Um intérprete exprime-se pelo timbre, pela palavra, pela forma como põe a oração cá fora e definitivamente a voz, a sua parte mais física vai-se transformando ao longo dos anos e se há alturas em que é mais fácil ser fiel ao que a voz esta a ser naquele momento, existem outras em que andas à procura e ainda sofres desse processo de transformação. Este disco foi curiosamente sentido para uma região mais grave, mais intensa, muita gente sempre me disse que gostava do meu médio-grave enquanto voz e o que acho que isso se reproduz em termos de som é algo mais envolvente, se calhar não é tão estridente e tão imediato e possante como certas vozes agudas, mas é um estado de alma.

É esse o teu tom agora?
MA: Curiosamente não, no meu próximo projecto discográfico, mas é um dos tons.

Fala-me um pouco sobre este novo álbum.
MA: Por graça a “terra de luz” é um ciclo que se completa. E este novo disco é um renascer, é uma experiência completamente diferente do que tenho feito, não só de conteúdos, como dos processos. Eu fui totalmente conduzida pela produção do Frederico Pereira, eu tive um passo de confiança quase cega, vamos experimentar assim, vamos limpar isto, isto e isto e a pessoa abandonar-se nesse processo sem ter noção do resultado final é muito interessante. É um trabalho de ceder os limites, do controle.

Da tua voz? Do tipo de música que fazes?
MA: De tudo, porque estes últimos 11 anos vivi-os, enquanto intérprete, criadora e gestora, tinha a empresa de management e parecendo que não todas as decisões passavam por mim, o que a dada altura é uma sobrecarga muito grande. Portanto ser convidada a abdicar disso é super-aliciante, porque vais ser só artista outra vez e a pessoa sente-se super-light, mas no processo chega uma altura em que dizes, mas e agora? Eu não controlo nada, pode haver o perigo de quase uma crise de identidade e só não acontece porque gosto de me dar. O grupo com quem estou a trabalhar, os “Atlântida” são fascinantes e vivem este processo de uma condução exterior pelo produtor de uma forma absolutamente disciplinada e isso tem sido pedagógico para mim. O resultado final é muito bom, é uma outra terra é um som que tem reminiscências do fado, da portugalidade na guitarra braguesa e mesmo na percursão que eu acho que a nossa música tem de raíz de repente abre-se uma janela mais pop e acho que pode ser um projecto de culto, porque tem esse lado mais jovem e fresco, mas com seriedade. Os poemas, não do Pseudónio Cachapa, que é outra novidade e surpreendente, ele só tem sido editado em livro, pedi-lhe para experimentar escrever para cantar e o facto de não ter esse hábito tornou os poemas muito genuínos, tem palavras que raramente seriam cantadas e de repente são transportadas para este universo.

Acho curioso que desde 2013 te estejas a distanciar deste teu universo confortável que é o fado.
MA: Acho que a palavra é confortável, porque na verdade o fado não é de todo um universo confortável, penso que nos questiona muito, a mim tem-me questionado muito ao longo dos anos, é muito desinstalador, ainda que seja muito a nossa tradição. O fado sempre me fez pensar muito, mas afasto-me dessa ideia de conforto, de acomodação, porque se não o fizer como artista vou-me esgotar e há uma altura em que me dou a perguntar, o que tenho para dar as pessoas se não arriscar, se não experimentar? Este ano faço vinte anos de carreira e parecendo que não é importante haver esse compromisso.

Então, olhando para estes vintes anos chegaste a conclusão que este é o próximo passo na tua carreira como cantora?
MA: Sim e o mais interessante é que como os tempos correm cada vez mais rápido, eu assisti nestes dois anos três artistas extraordinários celebrarem 50 anos de carreira, o Carlos do Carmo, a Maria Bethania, o Manuel Serrat e de repente pensámos, será que estas novas gerações vão celebrar isso daqui a 30 anos? O que verificámos é as pessoas a antecipar as celebrações, os 15 anos de carreira, que era o que pensava no início, mas meu manager, o Helder Moutinho perguntou-me, porquê não celebras os vinte cinco e nestes 20 fazes uma coisa completamente diferente? E achei isso interessante. É realmente sair dos formatos, da caixa, da ideia adquirida de que isto resulta, que nos corre bem, então vamos fazê-lo até a exaustão, até estar completamente esvazíado. A minha ideia como fadista é o chegar as pessoas e no fundo as novas gerações, se não houver revolução, este movimento dentro de mim, há um momento em que me sinto uma fraude e que não tenho mais nada a fazer aqui. Acho que não é uma fuga, não é o sair e muito menos desonrar estes 20 anos de um universo tão especial, é sim continuar num processo de coerência e honestidade, o que é que eu tenho de interesse para dar?

E como é que o público olha para ti, tendo em conta que são mais conservadores no que concerne ao fado e aos fadistas?
MA: Há alguns que olham com esse espírito pioneiro e naturalmente isso tem tido consequências. Eu tenho um público muito fiel e que se revê neste processo e tenho pessoas que me dizem que tem muita pena que não continue a cantar os fados tradicionais, consigo é um respeito generalizado, não se revêm, mas admiram o meu trabalho e a pessoa, isso é muito importante. Depois temos é não subverter as coisas, se continuarmos a fazer música por reflexo do que o público pretende fica tudo contaminado, o processo criativo deixa de ser fluído e a vida deixa de ser natural. Eu percebo que haja esse medo de deitar no fundo tudo ao alto, mas é algo que me entusiasma e que não tenho medo de viver sinceramente. Se o público ditar o meu processo criativo, não vou ser eu, vou ser um instrumento. Não lhes vou acrescentar nada. Algo que me deixa contente é o surgimento no fado de talentos, que é algo que sou uma fã imensa e que genuinamente conseguem manter esse espírito da tradição e de ir inovando com muita propriedade. Não sinto a necessidade do que posso ainda procurar fazer nesta área, não, acho que a música portuguesa deve passar por defender personalidades na música, mais do que os estilos. Tivemos a geração do Rui Veloso, do Jorge Palma, de grupos como os GNR, que tinham uma identidade muito própria, influências do rock, do pop, mas no fundo conhecemos aquelas pessoas e não o estilo. Neste momento o fado é um estilo que quase se sobrepõe as figuras, primeiro vem o fado e depois as pessoas. Eu insisto que para a nossa riqueza cultural temos de criar artistas carismáticos por si só, pela sua expressão, influências, tudo.

http://www.mafaldaarnauth.com/index.php?lang=pt

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