
Aline Frazão nasceu em Angola, mas desde o lançamento de” Clave Bantu”, o seu primeiro álbum, até ao mais recente “Movimento”, ela tem levado as suas palavras e a sua voz doce e serena a vários palcos do mundo.
Vamos falar do movimento em que se distancia do álbum anterior?
Aline Frazão: Em primeiro lugar o “clave bantu” foi feito com muitos pouco meios, não foi uma grande produção, a formação foi mais reduzida, foi uma primeira experiência em estúdio e “movimento” é um disco com outras condições que me permitiu de certa forma ganhar uma pesquisa de linguagens musicais, uma mistura de sonoridades, que corresponde aquilo que sou.
É um disco mais urbano ou não?
AF: É um pouco menos selvagem, “clave bantu” é um disco mais visceral. É um trabalho que conforme os anos vão passando eu tenho cada vez mais carinho porque é um álbum muito gritado e autêntico. Não há um limite e os sentimentos em estado bruto e o “movimento” é um disco mais trabalhado e melancólico, tem mais nevoeiro. Costumo dizer que Luanda que é a minha cidade, que esta presente em muitas das minhas músicas é um personagem invisível, não é a cidade da euforia e do crescimento económico, é uma Luanda de solidão, de cima do terraço de um prédio, de um observador, de um sujeito que observa o que se esta a passar e esse olhar pode envolve sentimentos positivos ou não e muitas vezes é o contrário que acontece. É um disco mais cinzento, pouco colorido ainda que tenha muito movimento sonoro e tem cor pelo ritmo africano, por mais que estejas a contar uma história trágica sempre tens vontade de dançar. Mas, é um disco mais coerente, foram canções escritas num espaço de tempo mais curto, fiz uma compilação de 4 anos a escrever músicas, havia muitas oscilações, as primeiras eram mais simples e as últimas eram muito complexas, como o “caminho do sul” com um compasso estranho e meio apocalíptico, é como o primeiro livro de um escritor que tem muitas coisas para dizer em cada frase em que colocas tudo com uma grande avidez.
É curioso que digas isso, embora o teu primeiro disco fosse feito com poucos meios, tiveste muita gente conceituada a escrever para ti, escritores. Dás muita importância à palavra? Porque isso também se nota no segundo álbum, “movimento”.
AF: Eu dou toda a importância a palavra. Não concebo o meu trabalho, nos discos que fiz até agora sem o peso das palavras. Cada vez mais me vejo como uma cantautora, por causa dessa ligação que tenho com a escrita, com a literatura desde pequena. Eu vejo a música independente da palavra, por isso é que uma das riquezas da linguagem musical é que é universal, a pessoa ao ouvir um Vivaldi não necessita de poesia para o sentir, mas no meu caso, eu vejo a música como uma forma de comunicação e sou uma pessoa de essa área, gosto de comunicar ideias concretas.
É assim que começas pela escrita das letras e só depois crias as melodias?
AF: Sim, 90% das vezes começo com a palavra. Ela cria um ambiente, um ritmo que vou explorando na minha guitarra. Não sou uma guitarrista muito virtuosa e então os caminhos musicais passam pela exploração de muitas coisas, às vezes, sigo a minha intuição. A palavra é a coluna vertebral de tudo o que faço.
Existem alguns temas destes dois álbuns que te definem como cantautora?
AF: Sim, o “tanto”, é uma canção muito geométrica, é muito repetitiva. Eu gosto disso, um pouco à Chico Buarque, a repetição dos versos, ou da estrutura, há uma simetria nesta canção, uma ironia, uma mensagem de crítica social de contraste que define bastante o meu conceito de justiça enquanto houver essa desigualdade, há uma injustiça, são ideia-chaves do que penso, então resulta muito bem. É um tema que tem um compasso estranho que não é fácil de entender a primeira e acho que é um das músicas que define o meu trabalho.
És uma cantora cerebral?
AF: Não, sou uma compositora cerebral, como cantora não.
És mais emocional em palco?
AF: Sim, em palco não sou nada cerebral, senão seria terrível de ver, não tenho técnica nenhuma e não sei nada de harmonia é pura intuição e corpo. Na verdade tenho como objectivo criar um melhor equilíbrio, em palco, pretendo montar um espectáculo de forma narrativa, com pés e cabeça e fazer composições mais espontâneas, como em” clave bantu”, que teve canções muito frescas.
Qual é o teu próximo passo? Um novo trabalho? Visto que estas em tournée com o “movimento”.
AF: Posso dizer que sim, já estou a compor para um novo disco.
Será inspirado novamente nas tuas viagens?
AF: Isso não sei, será diferente este novo trabalho, é natural que assim seja. O meu objectivo é explorar territórios mais íntimos, musicalmente mais fiéis à minha composição. E libertar-me um pouco, se vires o meus vídeos, eu sinto-me um pouco refém da guitarra, estou muito preocupada com o olhar, os meus acordes e as músicas são acompanhadas pela guitarra, ainda que não seja uma guitarrista muito virtuosa, toda a banda se apoia no meu instrumento de eleição, estou sempre um pouco dividida em palco. Então no meu próximo trabalho vou emancipar-me como cantora e poder ser um kit de mãos livres, poder mexer os braço, dançar e que a voz ocupe todo o meu corpo. Eu quero escrever canções assim, pela primeira vez quero também cantar canções de outras pessoas, não tenho tanta necessidade de um cunho autoral, com canções onde possa ter mais protagonismo e carregar toda a carga emocional das canções.
Vai haver menos guitarra?
AF: Não, guitarra vai haver sempre, não sei é se serei eu a tocá-la. Eu continuo a ver a minha música associada as cordas e a repercussão. Esta colado a minha forma de compor, a guitarra esta sempre lá e só depois vem o ritmo e ultimamente já penso na repercussão, porque tem essa ligação à terra e o resto dos arranjos vem depois. Também produzi “movimento”, por isso, tento equilibrar o diagrama de graves e agudos. A repercussão , a guitarra e a voz são os três elementos…
Que fazem parte do teu DNA como cantautora?
AF: Eu acho que sim, nunca me tinham dito assim essa frase, mas esta bem.
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