Neste novo trabalho é compositora e faz os arranjos de todas as músicas, o que é muito raro, porque acha que isso acontece?
JM: Não é raro no mundo. Os cantores tendem a duvidar das suas capacidades, ainda existe um certo estigma, alguma marginalização em relação aos instrumentistas, são vistos como menos competente pelos músicos. Acho também que uma maioria assídua de cantores não tem uma formação musical profunda que os permitisse chegar à composição e aos arranjos, então tem apostado em parcerias com músicos que façam essa parte. Eu sempre trabalhei dessa forma, sempre tive alguém a tratar da música, desta vez resolvi confiar nas minhas capacidades, decidi arriscar e estou muito satisfeita. Os meus colegas também me dão o seu aval e é muito libertador sermos donos da nossa própria música. Aliás, acho que é uma tendência crescente, há cada vez mais cantores a apostar na sua independência musical, talvez isso não se verifique muito no jazz em Portugal, mas no mundo esta a acontecer.
É um trabalho apenas em inglês ou também canta em português?
JM: Este é em inglês, o meu trabalho anterior foi em português.
Porquê a escolha de inglês?
JM: Sabe que não penso nisso. Sei que há pessoas que criticam os portugueses por cantarem em outras línguas, mas para mim não é uma preocupação. A música é universal, é manifestada de diversas formas e também de forma não-verbal, através da vocalização. Aconteceu que os temas que escolhi para fazer arranjos são em inglês e os originais que escrevi são também nessa mesma língua. Eu posso confessar que nunca estive ligada a tradição da música portuguesa, nem estive próxima do fado, ou da música portuguesa, embora na minha adolescencia tenha cantado em português. Talvez me identique mais com a língua inglesa, porque vivi nos EUA e fez parte da minha formação musical. É na qual eu me expresso bem. Eu admiro a língua portuguesa, simplesmente aconteceu.
Em relação aos originais, o que a inspirou na escrita?
JM: É a minha história de vida, eu acho que aquilo que procuro cada vez mais é uma comunicação honesta e profunda através da música. Sem rotulos, sem descrições, são necessidades. Antes dos textos escrevi a música e aquilo que me inspirou foi sobre uma pesquisa de música universal que fiz confinada ao jazz e à música erudita há já bastante tempo. De repente voltei a ouvir rádio, ouvir discos, informei-me junto das pessoas jovens o que é novidade em termos de música, das bandas que ouvem e acho que a música que ouvi me influenciou. Quanto aos textos escrevo sobre a minha vida. É um pouco auto-biográfico de uma forma subtil, há quem use outras técnicas, que escreva sobre personagens imaginários e inventados. Eu ainda não estou a explorar muito essa vertente no texto, neste momento só consigo falar do que conheço. São as circunstâncias que tenho vivido.
Falou a pouco de um trabalho anterior, “a travessa dos poetas-rosapeixe”, que cantou na integra em português, em que difere esse disco do trabalho actual?
JM: É uma diferença drástica. No trabalho anterior escolhi cantar poemas de poetas portugueses, que adoro, são textos muito complexos, porque metricamente não são regulares. Os textos do Herberto Helder, por exemplo, tem uma linguagem complexa e profunda que são muito dificeis de cantar. A pessoa com quem fiz esse trabalho, o Abé Rábade imprimiu um tom muito erudito de uma forma geral e isso acabou por ser muito exigente para a minha voz, porque requereu uma grande preparação. Estou a cantar sempre muito texto, ao todo são dezasseis peças. Agora, a minha música tem outro tom, não tem a ver com facilidade, é uma diminuição do nível de sofisticação, é uma música mais livre desse rigor, é mais permeável ao improviso, ao inesperado, é um pouco mais actual e diversificada. As diferenças são muitas, o objectivo é levar a minha música as pistas de dança, de ser dançavel e ter fruição e não tanto para um raciocinio ou pensamento profundo. É uma grande viragem de paradigma na minha vida artística que é simplificar a forma como comunico e de facto “a travessa dos poetas-rosapeixe” é um disco denso e tem essa faceta que este novo trabalho não terá.
Qual é o tema, que em suma, define este novo album?
JM: Há uma peça que escrevi, que se intitula: “do you know”, é minimalista tem pouca letra, possui uma parte instrumental muito grande e vive de um mote harmónico que se repete muitas vezes e eu penso que esse é um retrato muito fiel do que será este disco. Tem ritmos da música de rua, uma sonoridade mais groove e isso é representativo do que vai ser este novo trabalho.