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A voz de dois mundos

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Nasceu em Lisboa, mas traz sempre consigo o seu imaginário cabo-verdiano para onde quer que vá. É um outro lado mundo que transporta para a música de uma forma muito peculiar, muito pessoal. Carmem Souza canta as suas memórias com um cheiro a jazz, é reconfortante, tem um odor muito familiar, mas é definitivamente um aroma diferente.

Desde o princípio da tua carreira sempre tiveste a ideia de fundir o jazz e a música de Cabo verde?

Carmem Souza: Sim, nunca um músico, um artista, ou um criador dígamos assim, sabe bem por onde a música o vai levar. Mas, a minha ideia foi sempre fazer uma mistura das minhas raízes africanas, neste caso cabo-verdianas com algo mais contemporâneo que era o jazz. Comecei por misturar ritmos por cima de ritmos e descobri que combinam muito bem e até tem coisas em comum e isso é muito interessante, nunca se pode dizer qual é o produto final. Acabei um álbum novo que sairá em Setembro ou Outubro em que levo o standard jazz para a realidade cabo-verdiana e o contrário, as músicas mais tradicionais de Cabo Verde para o jazz. Está gravado. Ao vivo pode ganhar vida e levar-me para outros caminhos da música.

Sei que estiveste em Cabo Verde. Qual foi a reacção da população a esta nova sonoridade que não é bem tradicional, mas uma fusão?

CS: Foi muito bom, foi reconhecer algo que era cabo-verdiano, porque estavam lá os ritmos. Para uma audiência como esta não é preciso explicar o que é uma morna, uma coladeira, ou um batuque, eles identificam-se, sabem o que é, e daí sabem que é música nacional, mas veem-na como uma evolução e então é interessante.

Os mais puristas não disseram nada?

CS: Não houve nada disso. Fiquei muito contente com isso, acho que é uma questão de comunicação. Desde o início sempre fiz muita questão de passar isso as pessoas, eu não sou purista cabo-verdiana, não nasci em Cabo Verde, nem cresci lá, mas faço parte de uma diáspora que nasceu em outro país, que sempre se sentiu muito próximo das suas raízes, porque os pais sempre as tiveram presente, desde a comida, a música e o crioulo. Sempre vivi muito rodeada de um imaginário que era-me muito familiar e quando estamos em Cabo Verde nada parece é estranho.

Misturastes músicas icónicas de Zeca Afonso e Cesária Évora, só para citar alguns exemplos, sentiste um certo pudor em mexer nessas sonoridades tão pessoais e quase intransmissíveis ou não?

CS: Eu quando pego em músicas como "song of my father", ou músicas como os "os bravos" e "saudade" no fundo tento transforma-las em músicas minhas, ou quero dar-lhes um bocadinho de mim. Há tantas versões destas canções, cada artista deu à sua realidade a cada um desses temas e eu quis transmitir isso. Brad Mehldau é um pianista que transforma temas, pode ser rock, ou pop e dá-lhes uma versão completamente diferente, então foi isso que foi buscar mas mais para o jazz.

O tema saudade tem uma melancolia, uma pujança, uma tristeza patente. Na tua versão eu não noto isso, há uma nostalgia mas é mais leve.

CS: Sabemos que temos umas saudades desse lugar, mas esse sítio está dentro de nós e notámos que não estamos desamparados e que qualquer dia iremos lá voltar. É quase isso.

Fala-me um pouco deste teu novo trabalho discográfico, o que tem de novo?

CS: Traz de novo todo este novo som, muitos originais e as minhas viagens, porque tenho andando pelo mundo inteiro e isso tem-me alimentado. Um músico só é realmente músico quando sai para fora e expõem a sua musicalidade num palco e partilha em tempo real com as pessoas essas sonoridades, é um jogo de dar e receber. Um músico na sua toca, a estudar as notas e nada mais, acaba por estar um laboratório, é muito clinico. Quando saímos fora e vamos para o palco estamos a dar o que é verdadeiro.

As canções surgiram na tournée ou só escreveste quando estás em casa?

CS: Normalmente o processo criativo começa sempre com o Theo Pas'Cal. É a pessoa com quem trabalho há dez anos e é com ele que tenho desenvolvido este som. Foi ele que me trouxe para a música e faz parte de tudo isto e o que fazemos é não compomos, vamos guardando tudo para aquela altura, sentámo-nos e as músicas vão surgindo. Ele por vezes grava uma linha de baixo numa melodia e eu oiço palavras nas notas e escrevo as letras.

Ocorrem-te as letras em crioulo ou em português? Tu és Lisboeta.

CS: Ocorre-me o tema em crioulo e depois é tudo por acréscimo. É uma língua muito musical, posso usar muitos sotaques, o da ilha dos meus pais é mais calmo e melodioso e utilizo isso em muitas partes da canção, ou então se quiser algo mais áspero, mais agressivo, uso o crioulo da praia que é muito interessante. Jogo com sons, as palavras, com dicções e tudo isto traz muita especiaria á música.

Como é que te vês, como é que te descreves no mundo da música?

CS: Vejo-me como músico. A minha maneira de usar a voz também se aproxima do instrumento. É curioso é que ao fim deste tempo todo é que se percebe algumas coisas, a música que o meu pai ouvia sempre em casa era mais a instrumental tradicional, ouvíamos muito Luís Morais, a voz de Cabo Verde e isto ficou-me no ouvido e não é por acaso que quando uso a voz lembro-me da trompete, ou do saxofone e penso em usa-la assim. Depois há as influências de uma Ella Fitzgerald, de uma Bilie Holiday, eu vejo-me como músico até porque toco piano e guitarra e vejo a música de forma diferente.

http://www.carmensouza.com/

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