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Com o coração nos lábios

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Ver a "Naifa" ao vivo desperta uma série de emoções indescritíveis. É um daqueles concertos memoráveis que nos rementem para um turbilhão de emoções que nos transportam para diversos estados de alma. É uma experiência que nunca mais se esquece não só pela qualidade musical do repertório, como também pela presença em palco da banda. O mesmo se pode dizer da conversa com a Mitó e o Luís Varatojo, onde se falou como não poderia deixar de ser de música e do novo álbum que vai ser lançado no dia 4 de Novembro. Venha descobrir as novidades.

De 2008 até 2012 esperaram algum tempo até lançar "não se deitam comigo casacos obedientes"?
Luís Varatojo: É uma situação que acabou por ter um motivo de peso, faleceu um dos membros da banda, o João Aguardela, depois disso não sabíamos se devíamos continuar com o projecto ou não e tivemos algum tempo a pensar no assunto, parámos mesmo. Entretanto, em 2010 fizemos um livro com fotografias, imagens de concertos ao vivo, foi um DVD, em jeito de balanço daqueles anos e foi aí que decidimos avançar para a construção daquele disco, que saiu em 2012.


Esse último trabalho discográfico foi uma forma de romper com o passado ou não? Já que um dos membros emblemáticos da banda tinha desaparecido.
LV: Não, a ideia foi manter o percurso do grupo, sabendo que o João não estava connosco, mas imaginando que poderia estar. Imaginámos, qual seria um dos caminhos que poderíamos usar? Foi isso que motivou a construção do álbum. Sabendo o que se tinha feito para atrás e dando-lhe um seguimento, tendo consciência que ele não estava, mas pensando, se ele estivesse aqui como contribuiria? E essa foi uma dessas hipóteses. Se calhar haveria outras, mas foi isso que saiu, não houve nenhuma intenção em romper com que estava para atrás, foi algo muito natural.


A "naifa" é muito cuidadosa em termos da escolha das letras das canções. Optam sempre autores, escritores e poetas muito diferentes entre si, em termos de escrita.
Mitó: Sim, são muito diferentes, mas tem algo que os liga que é a contemporaneidade. Estão todos vivos ainda, infelizmente o autor das músicas do terceiro disco não esta, porque era o João Aguardela, que faleceu. Mas, podem ser muito idênticos, são autores que estão a escrever agora enquanto estamos a fazer música. Achámos que era coerente esse casamento entre nós que somos filhos do final do século vinte e princípio do XXI. Ainda temos no nosso imaginário as raízes da cultura portuguesa, mas contaminado no mau sentido com tudo o que veio de fora nesse período, a música anglo-saxónica. Esta é a música que fazemos de raízes portuguesas, portanto, tinha lógica que quem escreve para nós, embora na verdade ninguém escreva vamos é "roubar" os poemas aos livros, também sejam filhos desta geração. Usar poemas, ou usar literatura, para nós é-nos muito natural. Todos gostámos de poesia, eu sou a que canto, por isso, prefiro coisas mais estructuradas e que me deem a oportunidade de fazer uma boa interpretação.


LV: No fundo lemos os poemas e ou nos tocam ou não. Se nos tocam, pode ter uma certa capacidade, uma certa probabilidade de se converterem numa música. Quando vamos escolher os poemas é uma molhada de papéis e mais de metade fica de fora, porque acabámos por não conseguir fazer música com isso. Mas, em primeira instância é toca-nos ou não? É uma linguagem, é um assunto que nos diz muito no nosso dia-a-dia, é algo que nos bate na alma, que faz algum efeito, ou nos apetece dizer e depois escolhemos. A segunda fase é saber se é possível envolve-los com música e isso acontece muitas vezes, ficam aqueles que se consegue musicar. Fundamental é que nos diga algo, uma história, uma acção que conseguimos sentir, é como se fossemos nós a escrever, são as palavras deles na nossa boca.


O que tem as palavras para não serem musicáveis?
LV: São muitos fatores, já fizemos muitas canções com poemas que não rimam. Isso é um handicap para qualquer canção de música popular, normalmente a rimar mais depressa se chega a uma canção, no fado tudo rima sempre. Aqui achámos que era um dos principais desafios, primeiro gostámos, ok, isso é o que interessa, depois vamos ver o que conseguimos fazer. Ao longo dos 3 CD há uma série de canções que não rimam, muitas vezes andámos á procura das melodias para que elas soem bem. Isso é o mais importante, o que o texto diz. Às vezes, mesmo com toda esta experiência musical não conseguimos criar melodias que façam justiça ao poema, ou que de uma forma vão a bom porto. Isso é normal no trabalho de composição, alguns projectos ficarem pelo caminho.

 

Quando apareceram eram considerados uma banda marginal, passados dez anos, a "Naifa" ainda é marginal?
Mitó: Um bocadinho, embora seja por nossa opção. Não vamos a programas de televisão, a maior parte das vezes por escolha nossa, porque uma pessoa quando esta a fazer música, artes plásticas e teatro também se posiciona e nós sabemos o que queremos e o que não queremos. Se formos olhar para a realidade das rádios em Portugal, a ideia que tenho e se calhar é algo muito próprio, vamos passando graças a lei das quotas, um enquadramento legal que até acho ridículo, mas é graças a isso, porque antes nós, a "Naifa", pura e simplesmente não era ouvida. Independentemente do apoio de algumas rádios quando íamos em digressão, mas era serviço público, e algo que era combinado em reuniões, não sei até que ponto havia um interesse genuíno em passar "Naifa". É a minha opinião.

 


LV: Ninguém quer ser marginal a nada. Nós fazemos música e quanto mais gente gostar melhor. Agora, existem coisas que não são compatíveis, quando nos pedem para colocar uma das nossas músicas numa novela, nós que não vemos esse tipo de programas, então não vamos por lá o nosso trabalho, não liga, é uma incoerência. As rádios querem passar, passem o mais possível, a "Naifa" é música popular. Nós gostámos disso. Agora, como disse a Mitó há algumas barreiras, como neste caso, as novelas. Não gostámos, não encaixa com o nosso trabalho, portanto, não passa. Se a telenovela é o mainstream e nós somos os marginais como tu dissestes então não há nada a fazer. Mas, não é vontade nossa, não queremos ficar nem na margem esquerda ou direita.


Mitó: Não nos posicionámos fora, mas como óbvio temos coerência artística e isso é bem claro no trabalho que fazemos. Não somos uma banda do orgulhosamente sós, não gostámos de estar isolados. Gostámos de mostrar a nossa música em todo o país e se ainda não tínhamos vindo à Madeira era com muita pena nossa, quantos mais ouvirem a nossa música melhor, claro.


Porque tiveram de esperar dez anos para tocar na Madeira?
Mitó: É verdade. A culpa não é nossa. Tentámos vir cá inúmeras ocasiões, mas não somos nós que mandámos. Necessitámos que alguém nos contrate e peça para vir, nunca houve esse interesse no arquipélago. E de facto, era a grande espinha atravessada na nossa garganta, porque apesar de especialmente sermos uma banda outsider, porque não passávamos muito nas rádios, sempre fizemos questão de tocar por todo o país, nunca ficámos limitados à Lisboa e ao Porto. Logo em 2005, na primeira tournée, quase ninguém nos conhecia e fomos a todo lado, inclusive aos Açores. Sempre que lançámos um disco fazemos questão de uma digressão nacional. Não sabemos porquê, nunca fomos chamados.


Em 2004 lançaram um álbum que rompia com os cânones da altura, ou seja, misturaram a guitarra portuguesa com o pop rock. Actualmente há uma larga margem de bandas que fazem o mesmo. Consideram-se pioneiros nesse tipo de sonoridades?
LV: Eu acho que realmente em 2004 quando começámos a fazer isto havia um certo preconceito em olhar para "Naifa" como uma sonoridade portuguesa. O som que se fazia em Portugal, quer bandas, ou quem fazia música, alinhava em tendências anglo-saxónicas, quer nas melodias, como nas harmonias, já para não falar que se cantava 90% das vezes em inglês. Se ouvíssemos rádio nesse ano no nosso país passávamos pelos vários postos emissores e era tudo em inglês, mesmo os portugueses. É verdade que agora as coisas são diferentes. Há muito mais gente a fazer música cantada em português, com harmonias e melodias que remetem para a nossa musicalidade e há muita mais músicos a usar a guitarra portuguesa, até no fado se mete bateria, existe um certo à vontade em experimentar certas coisas e isso é muito positivo. Se lembrarmos que na época dos blues, a sua origem remonta as plantações do sul dos EUA, bastava uma guitarra e uma voz, e hoje em dia se olharmos para os blues do Texas, de Chicago, o eléctrico e são centenas de opções, dá para perceber que também o fado, que de raiz também é uma música de três acordes, pode andar e apresentar muitas mais opções. E se calhar neste momento estamos a assistir a isso, há muitas propostas e experimentar é sempre uma boa ideia, sem preconceitos. Em Portugal temos muita sorte, todos tem folclore, mas o fado é específico, se formos à Holanda, ou à Noruega são nações sem uma musicalidade própria que eles não podem exportar, tem música anglo-saxónica. Nós temos isso, e quando vamos apresentar o nosso som pelo mundo consideram a nossa música muito exótica, como nunca ouviram, gostam. Temos este tesouro e por isso é bom que se experimente cada vez e não se apresente só a viola, a guitarra e o vocalista.


Mitó: Eu concordo, mas ainda falta fazer isso no folclore o que estamos a fazer no fado. E não temos só isso, há temas nossos que exploram esse estilo, mas acho que deve ser mais investigado do que é na realidade. Ainda há-de haver qualquer movimento que vai renovar o folclore com certeza.


Há quem diga que a vossa música remete para as bandas sonoras sobre locais, cidades, etc. Qual é o universo que cada um de vocês explora quando toca?
LV: Remeteu-me para a Madeira. (risos) Olhava para atrás via as luzinhas das casas, olhava para frente via as pessoas, os madeirenses. Acho que o remete para a ideia de banda sonora é a forma como se vai cantando e como construímos o instrumental, ou a canção, em volta do que esta escrito. Isso é o principal. Quando pegámos nos poemas tentámos ir atrás do que eles dizem nos textos, o ambiente que impõem e tentámos construir o instrumental em volta, dando força ao poema e isso cria-te uma imagem, parece cinema. O que importa é o que é dito.


Mitó: Eu concordo um bocadinho com o que ele diz. Quando canto estou muito concentrada no que estou a dizer, não o encaro como uma banda sonora, não me remete para sítios. Só se for a "Antena", que fala de uma paisagem, ou "o bairro velho" que me remete para as avenidas de Lisboa. A minha formação é teatro e estou muito concentrada em interpretar o que estou a cantar, portanto, não estou a imaginar sítios a não ser que o poema me leve para esses lugares, de restou estou muito embrenhada no que estou a dizer. Os poemas, embora haja estas excepções que referi, a maior parte não nos leva para sítios, mas para realidades, sentimentos, para estados de alma.


Sei que estão a preparar um novo álbum.
Mitó: Já está preparado, finalmente.


O que traz de novo para este percurso da "Naifa"?
LV: O disco está gravado, vai ser lançado dia 4 de Novembro. É a primeira vez que vamos dizer isto, porque ainda não começámos a fazer promoção.


Mitó: É um exclusivo ainda ninguém sabe o que efectivamente gravámos.
LV: Ao longo dos anos, desde 2004, vamos sempre fazendo arranjos para algumas canções que não são nossas e de que gostámos.


Mitó: Ouviu-se no concerto a "desfolhada" de Simone e "a subida aos céus" dos três tristes tigres.
LV: Em 2005 depois de lançar o primeiro disco, como já o tínhamos e necessitávamos de fazer um concerto com uma hora pelo menos, então decidimos fazer versões de algumas canções de que gostávamos, salvo erro três e depois passou a ser uma regra, era como um brinde ao público em cada espectáculo. E vendo as coisas a esta distância notámos que já temos 9 versões.


Mitó: Até mais.


LV: Sim, temos 10, mas gravámos nove. Achámos que era uma boa altura. Depois as pessoas vinham muitas vezes ter connosco no final dos concertos e falavam das canções que tocávamos e que não estavam gravadas em nenhum disco, até recebíamos emails sobre o assunto. Conclusão, decidimos grava-las todas, as tais, as quais fizemos os arranjos e interpretações e que não estavam registadas, por um lado. Por outro, era bom ter uma experiência diferente do habitual. Por norma, quando gravámos discos de originais usámos o estúdio como um laboratório, vamos construindo as coisas aos poucos, como um leque que montámos, no fim temos um álbum e só depois as canções passam para o palco. Aqui foi o processo inverso, estas versões foram todas tocadas em palco e queríamos experimentar pela primeira vez ir os quatro para o estúdio e gravar todas ao mesmo tempo, o que é diferente nos restantes discos. E tentámos apanhar essa emoção, essa química, que se consegue ao tocar ao vivo estas versões em takes únicos. É uma novidade em relação aos restantes discos da "Naifa" porque é muito mais vivo do que os outros. Foi apanhado aquele momento onde estamos mais sintonizados. É um leque de canções que faz muito sentido pela escolha das letras.


Se houvesse uma palavra ou uma frase para definir este disco qual seria?
Mitó: O título é as "as canções da Naifa" e acho que é essa a frase que o define, são temas que nos acompanharam enquanto artistas, jovens adolescentes e fizemos as nossas versões delas.

 

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