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O coração da Guiné-Bissau

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Kimi Djabaté era já um prodígio musical aos três anos de idade. Os seus pais sabiam que tinha nascido para a música e toda a aldeia de Tabato reconhecia-lhe o talento inato. A música corre-lhe nas veias, um traço genético que atribui as suas origens giots, uma etnia de músicos africanos cuja herança ancestral transmite através do som do seu balafón e dos restantes instrumentos tradicionais de repercussão que transforma numa sonoridade única e pessoal com sabor africano.

Disseste em tempos que o teu primeiro disco, o Tereké, não ficou como desejavas, porque era muito comercial.

Kimi Djabaté: Eu não diria que ficou comercial, acho que foi uma experiência, saiu bem, na altura achei que era o que devia gravar naquele disco, não me arrependi, apesar de não ter tido uma grande projecção internacional eu fiz o disco com amor e carinho

No segundo álbum Karam houve uma evolução?

KD: Sim, neste segundo pus o que queria e o mesmo aconteceu com o meu primeiro trabalho. Fiquei muito feliz de gerir duas coisas complemente diferentes.

Ambos os trabalhos são de música africana, da Guiné Bissau, mas em que se distinguem?

KD: Eu acho que houve uma evolução, porque me tornei mais maduro, de facto a pessoa vai ganhando experiência como músico. Eu gravei o primeiro disco e passados quatro anos pensei muito bem, tive tempo para idealizar o segundo. Acho que a diferença é essa, embora, o Karam fale muito de África e tem muito sentimento sofrido, portanto acho que nesse contexto são diferentes. Este último CD mostra a dificuldade que passa o meu país, não estou bem, porque vejo que não se lida com a situação política, vejo-o como um emigrante.

No Karam introduz novos instrumentos musicais isso também aconteceu no primeiro trabalho?

KD: Em Karam toquei mais instrumentos africanos que no Tereké.

É essencial para si criar novas sonoridades? Sente que precisa de construir novos instrumentos, porque os que existem não produzem o som que pretende?

KD: Não, faço isso porque sou griot, venho de uma família que desde o século XIII fazem música. Os griots são pessoas que fazem música para o resto de África. Eles criaram os seus próprios instrumentos e então eu tenho essas raízes. Desde pequeno que toco o balafón, o kora, o Gumbé, o Guimbé, são instrumentos que desde sempre toquei.

Então qual a diferença entre música tradicional griot e a mandinga?

KD: É a mesma coisa. Eu sou griot e sou músico de mandingos. Em África naquela altura, quando nascias numa família de sapateiros, toda a tua família era sapateiros, não havia misturas. Os griots são como uma equipa, somos mandinga mori uma etnia pequena, somos os que fazem música para mandigos e para outras etnias como os fulá, ou os balanta.

Então em termos de sonoridade não há diferenças?

KD: Há uma diferença, porque este som que transmito é natural. É uma sonoridade que vem da madeira, é muito difícil de fazer. Leva um ano para construir um balafón, é uma coisa que leva o seu tempo, depois a sua afinação é para sempre, para vinte anos ou mais. O meu balafón foi eu que o construi.

Li na tua biografia que tocas desde os três anos de idade de forma natural. Sei também que houve um período da tua vida em que não quiseste ser músico, se tivesses de optar o que serias em vez de músico?

KD: Ai, boa pergunta. Eu não sei se não fosse músico o que queria ficar. Eu vivo para a música, eu me alimento dela, meu corpo precisa de música. Eu sempre lidei com a música desde pequenino. Tu não imaginas, mas as vezes não tinha dinheiro para comer, para comprar pão, ou para pilhas. Ia aos casamentos só para juntar dinheiro para comprar pilhas para ouvir música, a minha mãe se chateava comigo. Eu se não ouvia música não era nada. Meus pais aproveitaram-se de mim de uma forma muito boa, porque cedo descobriram que essa criança queria música, mas não me deram tempo também. A minha aldeia quase toda me levava, me convidava para os casamentos, baptizados e festas. Eu não parava. Eu não tinha infância, era quase como uma pessoa de 40 anos, com responsabilidades para tocar e acompanhar as pessoas. Eu aos 15 anos ensinei um canadiano que veio aprender comigo, e ele estranhou e perguntou porquê aprender balafón com esta criança e não uma pessoa mais velha? As pessoas diziam-lhe que eu era bom, reconheciam o meu talento, na altura.

Estas a pensar em compor para um novo trabalho? Trazer outro tipo de músicos?

KD: Estou a pensar em muita coisa. Tenho grandes pensamentos e fico sem tempo para mim. É um momento de stress, entrar num estúdio não é um trabalho fácil, mas vai ser uma coisa muita boa.

Vai ter outros sons africanos, ou vais ter também fusão com músicos de outros países?

KD: Vai ter muitas influências, porque o meu sonho foi sempre isso, juntar-me com outros tipos de músicos. Gosto muito de ouvir música e se conseguir encontrar músicos portugueses e fazer esse trabalho conjunto seria muito bom.

Gostas de viver em Lisboa? A cidade grande assusta alguém que vem de uma aldeia?

KD: Eu gosto. Ainda faz confusão, mas a minha vida é nas cidades grandes como músico que sou não posso estar isolado, preciso de contactos, de conhecer gente e editoras. Precisas de criar também um público que conheça o teu trabalho. Nunca foi o meu sonho viver em cidades muito grandes, até já pensei em ter casa na costa da Caparica, perto do mar e penso um dia fazer isso. Eu cresci numa aldeia, onde toda gente é família e vens para cidades com carros, eléctricos, comboios e muita gente e no início senti-me confuso. Um músico precisa de um espaço onde possa respirar, sem grande barulho, por isso dou voltas muitos grandes nessa zona para aproveitar o mar, o mato e assim não vejo ninguém, nem casas. Faz-me falta.

http://www.myspace.com/kimidjabate

http://www.cumbancha.com/kimi-djabate-biography-eng/

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