Porquê? Vai haver uma certa fusão?
JS: Exactamente, porque já há muitos anos, nos anos 40 e 50 um padre natural da Amareleja estudou o canto alentejano e dizia que precisava de renovar-se, de abrir a outros universos. Como também sublinhava o Miguel Torga, o local universal é um local sem paredes. Era necessário deixar-se tocar por outras experiências instrumentais e outras formas de cantar sem perder de vista as suas origens. Fizemos modas novas, mais exigentes do ponto de vista interpretativo e melódico, porque hoje em dia, o alentejano tem outro tacto e outro tipo de conhecimentos que lhes permite ser mais exigentes. É preciso que se dê um impulso ao canto alentejano e que se saia daquele “torpor” do primitivo. É importante mistura-lo com outros cantos e enriquece-lo, dar-lhe outras formas, sempre tendo como ponto de partida as origens sem as perder de vista. Tudo isso é possível, com todos os riscos que comporta, nós sabemos que sim, é por tentativas que lá vamos, esta é mais uma.
Mas, acha que os alentejanos não vão aderir a este novo disco?
JS: Muitos aderem e já tive essa experiencia em 2000, fiz um trabalho sobre modas alentejanas com diversos grupos que se chamava “vozes do sul” . Ganhei inclusive prémios com esse trabalho para qual convidei o meu irmão, o grupo coral de casa do povo de Serpa e o grupo coral etnográfico de camponesas de Castro Verde. Esse trabalho revelou o canto alentejano feminino, porque a seguir do 25 de Abril de 1974 surgiram grupos só de mulheres, elas também conhecem as modas já que há uma grande tradição oral e é sobretudo música de trabalho, dos camponeses. No passado, o homem da vila, inclusivamente os intelectuais interessaram-se em promover o canto alentejano, posso dar o exemplo, de uma revista publicada no século XIX , que se chamava “tradição”, com gente ligada á cultura que se deixou seduzir por esta vertente musical e há modas antigas que tem poemas, é demasiado elaborado para ser criação oral. Actualmente temos o caso do António Lobo Antunes fascinado pelo canto alentejano, que escreveu as letras especificamente para nós musicarmos e adaptou a sua linguagem ao estilo do Alentejo.
Quantos temas deste autor constam deste trabalho discográfico?
JS: São quatro, dois musicados por cada um de nós. O álbum tem mais oito temas e uma novidade, que foi para mim uma grande surpresa. Em Ponte Sor, no Alto Alentejo descobri uma orquestra de harmónicas. Os portugueses, por norma, são exímios executantes nos concursos internacionais de acordeão e de harmónica e concorrem com os grandes mestres da europa central. Este grupo tem mais de 20 músicos e foi uma surpresa muito agradável. Eles tocam música clássica e tem notação muito peculiar para a harmónica, a escrita musical para este instrumento é uma obra de arte, é impressionantes e isso também é revelado neste trabalho. Há uma das modas que por sinal canto a solo acompanhado por essa orquestra, é um canto de lavoura. Tudo isto é tratado com pinças, porque o canto alentejano é algo muito delicado e a nossa dedicação é muito grande, por isso tivemos todo o cuidado e instrumentalmente não é adulterado de modo nenhum.
Com uma carreira recheada de êxitos em termos de música alentejana sentiu algum receio em criar modas e cantares diferentes, quando ainda subsiste uma grande resistência por parte dos puristas na transfusão de outras influências musicais?
JS: Os puristas serão sempre puristas. Mas, tive uma experiencia agradável de uma moda que foi acompanha ao piano. Primeiro gravámos o coral em estúdio e depois com um pianista alemão, fascinado com a música alentejana, que idealizou todo o acompanhamento instrumental e quando ouvi tudo já misturado fiquei pregado na cadeira sem saber o que pensar. Mas, era brilhante, é de um álbum que gravei há doze anos, entretanto na altura, levei a gravação para Serpa e dei-lhes a ouvir, mais de 50% das pessoas gostaram e isso já me deixou satisfeito, outros ficaram encostados à parede com o mesmo ar com que fiquei quando o ouvi pela primeira vez. Não podemos pensar nos puristas, eles acabam também por ceder, de qualquer forma não deixa de ser uma tentativa de sensibiliza-los.