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O experimentalista

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Janita Salomé é músico, compositor, cantor e grande divulgador da música alentejana. Com uma carreira com mais de 30 anos, João Eduardo Vieira tornou-se um dos símbolos de uma musicalidade sempre em evolução e em constante mutação. Prova disso é o seu último álbum em parceria com o irmão, outro grande nome da música portuguesa, Vitorino, intitulado de Moda Impura.

Os portugueses ainda gostam de música?

Janita Salomé: Os portugueses gostavam ainda mais de música portuguesa se lha dessem a conhecer. Hoje em dia verifica-se naqueles programas de talentos que os candidatos cantam sempre em inglês e raramente o fazem em português e quando o fazem escolhem sempre o pop/rock que é o estilo musical mais divulgado. Por outro lado, noto uma grande receptividade pela minha música e não só, uma outra música portuguesa, que tem ouvintes numa faixa etária muito jovem e curiosa, com formação musical, que quer conhecer outras sonoridades e é algo que se sente.

O seu irmão, o Vitorino, defende que não se passa o suficiente música portuguesa nas rádios.

JS: De facto é verdade, passa-se uma certa música portuguesa nas rádios. O nosso legado musical é extremamente rico e diversificado e de facto não é divulgado em toda a sua magnitude e é isso que ele quer dizer. Há cantores e criadores como ele, como eu e outros nomes que não vale a pena citar que não se ouvem na rádio e é pena, porque muitas vezes nos concertos uns vão porque já conhecem, outros vão por curiosidade e depois ficam surpreendidos, como se não soubessem que havia este tipo de música em Portugal. Os universos acabam por ficar circunscritos, ou circunscrevem-nos naquilo que fica no ouvido e só quem é mais curioso, que tem uma determinada formação e que domina os meios de comunicação como a internet é que vai à procura de outros géneros, de outras linguagens musicais. Mas, tudo isso fica muito dependente do indivíduo e não dos estímulos que a rádio e a televisão podiam criar, que tinham essa obrigação e que não a cumprem.

Tem na calha algum novo trabalho?

JS: Sim, dentro de pouco vai sair um novo trabalho que gravei com o meu irmão Vitorino sobre o canto alentejano e vai ter uma cobertura mediática como não tivemos nos outros anos, dá-me ideia de algo de novo que esta para acontecer. Nós temos essa esperança, aí de nós se não a tivermos! Estaremos no coliseu de Lisboa no dia 6 de Outubro.

Este novo trabalho é uma recolha de música alentejana?

JS: Não é bem recolha, porque são modas alentejanas que cantámos desde miúdos e outras que compusemos sobre textos do António Lobo Antunes, que tem uma forte ligação com o Alentejo. O projecto chama-se moda impura, dígamos que os puristas do canto alentejano não vão gostar muito, já estamos a prevê-lo. Daí o título.

Porquê? Vai haver uma certa fusão?

JS: Exactamente, porque já há muitos anos, nos anos 40 e 50 um padre natural da Amareleja estudou o canto alentejano e dizia que precisava de renovar-se, de abrir a outros universos. Como também sublinhava o Miguel Torga, o local universal é um local sem paredes. Era necessário deixar-se tocar por outras experiências instrumentais e outras formas de cantar sem perder de vista as suas origens. Fizemos modas novas, mais exigentes do ponto de vista interpretativo e melódico, porque hoje em dia, o alentejano tem outro tacto e outro tipo de conhecimentos que lhes permite ser mais exigentes. É preciso que se dê um impulso ao canto alentejano e que se saia daquele “torpor” do primitivo. É importante mistura-lo com outros cantos e enriquece-lo, dar-lhe outras formas, sempre tendo como ponto de partida as origens sem as perder de vista. Tudo isso é possível, com todos os riscos que comporta, nós sabemos que sim, é por tentativas que lá vamos, esta é mais uma.

Mas, acha que os alentejanos não vão aderir a este novo disco?

JS: Muitos aderem e já tive essa experiencia em 2000, fiz um trabalho sobre modas alentejanas com diversos grupos que se chamava “vozes do sul” . Ganhei inclusive prémios com esse trabalho para qual convidei o meu irmão, o grupo coral de casa do povo de Serpa e o grupo coral etnográfico de camponesas de Castro Verde. Esse trabalho revelou o canto alentejano feminino, porque a seguir do 25 de Abril de 1974 surgiram grupos só de mulheres, elas também conhecem as modas já que há uma grande tradição oral e é sobretudo música de trabalho, dos camponeses. No passado, o homem da vila, inclusivamente os intelectuais interessaram-se em promover o canto alentejano, posso dar o exemplo, de uma revista publicada no século XIX , que se chamava “tradição”, com gente ligada á cultura que se deixou seduzir por esta vertente musical e há modas antigas que tem poemas, é demasiado elaborado para ser criação oral. Actualmente temos o caso do António Lobo Antunes fascinado pelo canto alentejano, que escreveu as letras especificamente para nós musicarmos e adaptou a sua linguagem ao estilo do Alentejo.

Quantos temas deste autor constam deste trabalho discográfico?

JS: São quatro, dois musicados por cada um de nós. O álbum tem mais oito temas e uma novidade, que foi para mim uma grande surpresa. Em Ponte Sor, no Alto Alentejo descobri uma orquestra de harmónicas. Os portugueses, por norma, são exímios executantes nos concursos internacionais de acordeão e de harmónica e concorrem com os grandes mestres da europa central. Este grupo tem mais de 20 músicos e foi uma surpresa muito agradável. Eles tocam música clássica e tem notação muito peculiar para a harmónica, a escrita musical para este instrumento é uma obra de arte, é impressionantes e isso também é revelado neste trabalho. Há uma das modas que por sinal canto a solo acompanhado por essa orquestra, é um canto de lavoura. Tudo isto é tratado com pinças, porque o canto alentejano é algo muito delicado e a nossa dedicação é muito grande, por isso tivemos todo o cuidado e instrumentalmente não é adulterado de modo nenhum.

Com uma carreira recheada de êxitos em termos de música alentejana sentiu algum receio em criar modas e cantares diferentes, quando ainda subsiste uma grande resistência por parte dos puristas na transfusão de outras influências musicais?

JS: Os puristas serão sempre puristas. Mas, tive uma experiencia agradável de uma moda que foi acompanha ao piano. Primeiro gravámos o coral em estúdio e depois com um pianista alemão, fascinado com a música alentejana, que idealizou todo o acompanhamento instrumental e quando ouvi tudo já misturado fiquei pregado na cadeira sem saber o que pensar. Mas, era brilhante, é de um álbum que gravei há doze anos, entretanto na altura, levei a gravação para Serpa e dei-lhes a ouvir, mais de 50% das pessoas gostaram e isso já me deixou satisfeito, outros ficaram encostados à parede com o mesmo ar com que fiquei quando o ouvi pela primeira vez. Não podemos pensar nos puristas, eles acabam também por ceder, de qualquer forma não deixa de ser uma tentativa de sensibiliza-los.

http://janitasalome.blogspot.pt/

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