Porque não havia dinheiro, não se mexeu nos instrumentos e por isso foi possível recuperá-los quase com todas as suas peças originais.
JV: Exactamente de acordo com a identidade original do instrumento.
Mas, isso só aconteceu com alguns órgãos, neste caso os de Mafra, mas também se pode afirmar em relação a outros instrumentos do genéro ao nível nacional?
JV: A maioria dos órgãos em Portugal não sofreu transformações no século XIX. Na Madeira isso aconteceu, existia música do século XIX, porque havia uma grande influência inglesa, verifica-se que na ilha houve vários templos religiosos que foram dotados de órgãos desse tempo, a igreja de São Martinho, de São Pedro e a Igreja local no Porto da Cruz, são todos instrumentos ingleses do século dezanove e esse passou a ser o ideal de som, por isso, pouco a pouco, os instrumentos mais antigos que ainda sobreviviam foram transformados para se aproximarem a essa sonoridade oitocentista dos órgãos ingleses, foi o caso do órgão de Santa Clara, no Funchal e da Igreja Matriz de Machico e aí sim, no restauro foi necessário retirar os acrescentos, para tentar reverter o instrumento a sua forma original. No caso do continente, o que aconteceu é que a maior parte dos órgãos ficaram mudos, durante um século e meio, e vamos encontrá-los tal e qual como estavam.
Nos Açores aconteceu o mesmo?
JV: É uma situação completamente diferente, os Açores tem uma coisa curiosa, é o único sítio do país onde contínua a haver organeiros depois de 1934. Não sei se as leis do liberalismo chegaram mais devagar, o que eu sei é que continua a haver órgãos construídos neste arquipélago em pleno século XIX, depois de 1850, exactamente como se fazia em Lisboa há cinquenta anos antes. É o único ponto do país onde houve organaria após o liberalismo, como se fosse uma extensão do antigo regime antes dos liberais.
E é uma actividade que se manteve até quando?
JV: Até o início do século XX, mas nestas ilhas os órgãos estão bastante no seu estado original.
E há muitos músicos que escrevem para órgãos em Portugal actualmente?
JV: Não, houve naquela altura, no século XIX, mas actualmente há alguns mas não muitos compositores que escrevam para órgão.
E como esta o ensino da música de órgão no nosso país?
JV: Tem vindo a crescer ao longo destes anos, existe um grande interesse por parte dos jovens em relação ao órgão, temos até alguns organistas de grande qualidade.
Como é que são vistos os compositores portugueses para órgão no estrangeiro?
JV: Eu vou contar-lhe uma coisa, eu tive de estudar música em diversos países, sobretudo Bach, música alemã, francesa e algumas composições portuguesas. Quando comecei há dez anos ou mais a tocar no estrangeiro apercerbi-me que os estrangeiros queriam era ouvir música portuguesa, pouco a pouco introduzi isso no meu repertório e cada vez apresento mais, porque era algo que despertava um interesse enorme do público. Actualmente, tenho feitos programas maioritariamente portugueses, porque realmente em todos os sítios onde toquei a curiosidade é enorme, as pessoas dizem-me que gostam muito e os próprios organistas pedem-me partituras porque querem tocar também, o olhar dos estrangeiros é de grande apreço pela música portuguesa para órgão e os próprios organistas estrangeiros que vêm até Portugal tocar ficam fascinados com o património que possuímos nesta matéria. No caso específico da Madeira, quero demonstrar o meu agrado não só pela qualidade do festival de órgãos, cuja organização devo dizer que é excelente, impecável, rara vezes estive envolvido com um grupo tão eficiente, tudo organizado, o programa impresso sem erros e um cuidado com os instrumentos, como o acesso a órgãos muito antigos e em bom estado e tudo isso desperta também muito interesse por parte dos músicos estrangeiros em vir para Portugal tocar.