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O intérprete dos aerofones celestiais

Escrito por 

João Vaz é um dos grandes organistas nacionais. A sua paixão pelo órgão que começou desde cedo, quando ouvi tocar este instrumento pela primeira vez numa igreja. É actualmente professor de órgão da Escola Superior de música de Lisboa e consultor permanente para o restauro do conjunto de seis órgãos da Basílica de Mafra. É também organista da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, desde 1986 e foi nomeado, em 1997, titular do órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora.

Como um dos grandes organistas portugueses, nota diferenças entre os diferentes órgãos?
João Vaz: Sim, nunca há dois órgãos iguais, cada um é diferente. Falando no caso específico da Madeira, houve uma visita guiada, no Funchal, onde pude apreciar o órgão do convento de Santa Clara, que é o mais antigo da cidade, é um instrumento do século XVIII e um outro da igreja do Colégio, construído há menos de 10 anos, as diferenças entre eles são abissais e foi possível mostrar isso as pessoas que estavam conosco, se deixarmos esses dois de lado e abordármos o da Sé Catedral do Funchal é ainda outra realidade completamente diferente, o órgão não é um instrumento de monosonoridade, possui uma multitude de instrumentos diversos.

O que é um organista faz quando chega a um local e vai tocar um órgão que não conhece? Quais são os desafios que enfrenta?
JV: Tem que saber, primeiro, como é o órgão, vai receber as informações sobre o instrumento, porque o repertório que se toca num não se pode tocar noutro. verificámos à sua disposição e uma série de especificações técnicas do programa, mas ao abrir o teclado há sempre surpresas, só quando tocámos as teclas descobrimos uma série de coisas novas, inclusivé em termos de som, só com muita prática é que a pessoa tem esta capacidade de se adaptar aos instrumentos, mas as diferenças por vezes são mesmo muito grandes. Mesmo tendo muita informação sobre o instrumento existem inúmeros factores que um músico só se apercebe quando se chega lá ao pé e realmente o toca.

Abordemos os instrumentos da Basílica de Mafra, os seis órgãos, quando teve acesso a esses instrumentos e os tocou por primeira vez teve algumas surpresas?
JV: Surpresas não posso dizer que tive porque conheço a basílica de Mafra há mais de 20 anos, eu acompanhei todo o processo, o histórico de cada um dos órgãos, os dez anos que o restauro durou e foi eu que preparei o concerto inaugural com o grupo coral, surpresa fui quando ouvi os seis a tocar ao mesmo tempo em baixo, foi uma experiência inesquecível. Como estive sempre envolvido em todo o processo estava sempre a tocar, eu e mais cinco músicos, quando os ouvi na plateia aí foi uma surpresa especial, delirei com o som de seis órgãos a tocar ao mesmo tempo, é que Mafra foi um caso único no mundo na sua época, e ainda é, posteriormente não houve mais sítio nenhum onde se construissem seis órgãos para uma mesma igreja. É ainda um caso raro.

No processo de restauro, verificou que o facto de sermos um país pobre de certa forma contribui para “impedir” a renovação dos órgãos mais ao gosto de épocas posteriores.
JV: Não houve época (risos)

Porque não havia dinheiro, não se mexeu nos instrumentos e por isso foi possível recuperá-los quase com todas as suas peças originais.
JV: Exactamente de acordo com a identidade original do instrumento.

Mas, isso só aconteceu com alguns órgãos, neste caso os de Mafra, mas também se pode afirmar em relação a outros instrumentos do genéro ao nível nacional?
JV: A maioria dos órgãos em Portugal não sofreu transformações no século XIX. Na Madeira isso aconteceu, existia música do século XIX, porque havia uma grande influência inglesa, verifica-se que na ilha houve vários templos religiosos que foram dotados de órgãos desse tempo, a igreja de São Martinho, de São Pedro e a Igreja local no Porto da Cruz, são todos instrumentos ingleses do século dezanove e esse passou a ser o ideal de som, por isso, pouco a pouco, os instrumentos mais antigos que ainda sobreviviam foram transformados para se aproximarem a essa sonoridade oitocentista dos órgãos ingleses, foi o caso do órgão de Santa Clara, no Funchal e da Igreja Matriz de Machico e aí sim, no restauro foi necessário retirar os acrescentos, para tentar reverter o instrumento a sua forma original. No caso do continente, o que aconteceu é que a maior parte dos órgãos ficaram mudos, durante um século e meio, e vamos encontrá-los tal e qual como estavam.

Nos Açores aconteceu o mesmo?
JV: É uma situação completamente diferente, os Açores tem uma coisa curiosa, é o único sítio do país onde contínua a haver organeiros depois de 1934. Não sei se as leis do liberalismo chegaram mais devagar, o que eu sei é que continua a haver órgãos construídos neste arquipélago em pleno século XIX, depois de 1850, exactamente como se fazia em Lisboa há cinquenta anos antes. É o único ponto do país onde houve organaria após o liberalismo, como se fosse uma extensão do antigo regime antes dos liberais.

E é uma actividade que se manteve até quando?
JV: Até o início do século XX, mas nestas ilhas os órgãos estão bastante no seu estado original.

E há muitos músicos que escrevem para órgãos em Portugal actualmente?
JV: Não, houve naquela altura, no século XIX, mas actualmente há alguns mas não muitos compositores que escrevam para órgão.

E como esta o ensino da música de órgão no nosso país?
JV: Tem vindo a crescer ao longo destes anos, existe um grande interesse por parte dos jovens em relação ao órgão, temos até alguns organistas de grande qualidade.

Como é que são vistos os compositores portugueses para órgão no estrangeiro?
JV: Eu vou contar-lhe uma coisa, eu tive de estudar música em diversos países, sobretudo Bach, música alemã, francesa e algumas composições portuguesas. Quando comecei há dez anos ou mais a tocar no estrangeiro apercerbi-me que os estrangeiros queriam era ouvir música portuguesa, pouco a pouco introduzi isso no meu repertório e cada vez apresento mais, porque era algo que despertava um interesse enorme do público. Actualmente, tenho feitos programas maioritariamente portugueses, porque realmente em todos os sítios onde toquei a curiosidade é enorme, as pessoas dizem-me que gostam muito e os próprios organistas pedem-me partituras porque querem tocar também, o olhar dos estrangeiros é de grande apreço pela música portuguesa para órgão e os próprios organistas estrangeiros que vêm até Portugal tocar ficam fascinados com o património que possuímos nesta matéria. No caso específico da Madeira, quero demonstrar o meu agrado não só pela qualidade do festival de órgãos, cuja organização devo dizer que é excelente, impecável, rara vezes estive envolvido com um grupo tão eficiente, tudo organizado, o programa impresso sem erros e um cuidado com os instrumentos, como o acesso a órgãos muito antigos e em bom estado e tudo isso desperta também muito interesse por parte dos músicos estrangeiros em vir para Portugal tocar.

1 comentário

  • Ligação de comentário Arielle quarta, 13 janeiro 2016 11:13 postado por Arielle

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