
A voz de Pedro Barroso é transversal há várias gerações de portugueses, porque fala de amor, ódio, paixão, dor e revolta. Ele canta tudo o que lhe vai na alma e a sua mensagem é intemporal. A sua música é como um retalho histórico de um povo, o português e todas essas características que o tornam universal.
É um autor e compositor com uma vertente de certa forma revolucionária. Como é que as novas gerações o veem?
Pedro Barroso: Eu sou transversal felizmente. Senão, não enchia as salas e tinha 43 anos de carreira, portanto não era possível ter este tempo de duração digamos assim, se aquilo que estivesse a fazer já não fosse sentido pelas pessoas. Discordo que faça canções revolucionárias, só no sentido em que apelo para uma sociedade com outra ternura, com outros valores, não os que regem, dirigem e mandam na sociedade actual. Mas, isso é existencial, não é só de Portugal, é um problema de valores em escala mundial. Exaltámos tudo o que é medíocre e andámos a esquecer o que é profundamente belo. Aqueles que são competentes e muito bons são negligenciados e prejudicados por aquilo que podemos chamar de “mainstream”, que é no fundo as ondas galopantes de sucessos de “lady gaga” que musicalmente são más, que resultam de uma construção de marketing, não vivem de mais nada do que isso e que raramente correspondem esteticamente, do ponto de vista da linguagem musical e poética qualquer coisa de profundo e meritório. Temos que perceber que se apela a valores da mediocridade que raramente são transformadores da sociedade, no sentido de uma outra atitude, com outra inteligência, mais culta, é nesse sentido eu eventualmente tento intervir, através da chamada música revolucionária. Quando foi preciso estive na primeira linha a fazer canções que desembocaram na revolução de Abril de 1974, tenho orgulho de pertencer a uma geração que teve muita coragem de conquistar a democracia para Portugal. Neste momento considero que as grandes conquistas são as que eu digo que tem uma outra sensibilidade no viver de todos os dias.
Acha que é por esse motivo que se ouve muito pouca música portuguesa nos meios de comunicação social?
PB: É uma constatação. É uma verdade. Realmente a televisão passa séries, passa filmes, mas não tem um único programa sobre música portuguesa feita com músicos a sério e ao vivo. É uma televisão feita de pacotes encomendados, enlatados e raramente convidam artistas portugueses para fazerem uma noite ao vivo de música e com canções. O festival da canção que era uma festa com grandes músicas de grande qualidade no seu devido tempo, neste momento perdeu isso e tem alguns felizes conhecidos que vão fazendo algumas canções das quais as pessoas raramente se revêm e no dia seguinte esquecem, já passaram o tempo dos grandes temas do Ary dos Santos, do Nuno Nazaré Fernandes, do José Niza e do Fernando Tordo, são canções que deixaram uma marca e memória. Havia coisas até inclusivamente da TV globo, há 40 anos, antes do 25 de Abril, em que os artistas passavam e hoje em dia não passam, somos raramente chamados para fazer programas. Em vez disso, fazem os “ídolos” e as “operações triunfos” que enchem as cabeças daqueles jovens com ideias de riquezas, de sucesso e após um ano ninguém sabe onde eles param, portanto são mais umas vítimas deste fogo-fátuo em que tornou a cultura portuguesa. Precisámos de defender os nossos valores. Por isso, não admira que matámos Camões à fome e que o Carlos Paredes, esse génio da guitarra portuguesa, teve de ser arquivista de radiologia do Hospital de São José. É um país que não respeita os grandes valores, no ensino, na ciência e na arte. Esses tiveram que ser afinal escravos e outros foram príncipes sem terem nenhum valor. Os que realmente contam e marcam a cultura portuguesa raramente foram compreendidos e aceites no seu tempo.
Voltando um pouco a sua discografia, canta poetas portugueses e escreve poemas para as suas canções, ainda somos um país de poetas?
PB: Somos seguramente. É uma das coisas que nos sobra, é a capacidade de fazer poesia sobre a nossa própria desgraça. Temos muita sensibilidade, isso é verdade. Temos um país com poetas maravilhosos. Eu não musiquei muitos, muitos poetas, fiz um de Cesário Verde, de Sofia Melo e Breyner e José Saramago quando ainda não se falava dele, erámos amigos e vizinhos e descobri uma obra poética que ainda esta por apreciar, já que se tornou essencialmente escritor noutra semântica, em outra linguagem. Agarrei para este último CD alguns poetas anónimos que ninguém conhecia e peguei nos poemas que foram trabalhos por mim, à minha maneira, em co-autoria. O resto é sempre tudo meu, mas suponho que a minha obra abrange os temas principais, a mulher, a sensualidade, a sensibilidade, o tal ponto da utopia e a história de Portugal.
Gosta de cantar as mulheres.
PB: Sim e tenho tido um feedback muito bom. As mulheres dizem-me que sou um cantor que tenho tido mais sensibilidade para abordar o lado feminino. Vendo-o como elas o sentem, como pensam que normalmente, que não é muito abordado na poesia. Basta ir aos comentários do “youtube” e ver os que lá estão sobre os meus temas, elas agradecem com muita frequência.
O que é raro num cantor.
PB: Eu faço-o com alguma facilidade, é muito fácil abordar a temática amorosa, compreendendo com é difícil ser mulher, algumas perplexidades que são difíceis de explicar, de entender, até algumas reacções que são complicadas de entender e até algumas coisas que os homens não aceitam, mas que tem a sua razão de ser quando nos colocámos por um minuto na pele delas, na sensibilidade do eterno feminino.
Neste ultimo trabalho o que tentou expressar?
PB: Este é o momento de dizermos com alguma serenidade e alguma experiência de vida que, (aqueles que tiveram coragem de conquistar a democracia, estando vivos, embora muitos já partiram dessa geração) estamos atentos à política nacional e não gostámos Portugal esteja a ser comandado pelo exterior e de certa forma tenhamos que obedecer à Alemanha, ou outros países da União Europeia. É uma certa perda de identidade nacional, de capacidade de resposta e respeito pela nossa história quase milenar. E como tal, disponibilizo-me atentamente como figura pública da canção e do pensamento para a revolta e tento convocar as pessoas para uma reflexão, para uma indignação. As “crónicas de paixão e da revolta” é isso. Tem cantos que são da ternura, do apaixonamento, de estar bem com a vida, porque tem um elemento de amor na nossa vida que nos classifica, mas também um elemento permanente de atenção e de revolta, como agora em que as coisas estão a atingir o limite de suportação do povo português.
É um abanar o povo português, que se caracteriza por uma certa apatia, mas que reclama sempre.
PB: Sim, é para abanar um pouco. Quando Manuel Alegre escreveu há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não e fez as trovas ao vento que passa, esse vento passa e por vezes regressa e é preciso voltar a cantar isso.
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