Quando começastes a compor o novo mundo?
NGC: Estreie o novo mundo em 2009. Comecei a compor em 2005 em Itália. Não é uma questão de protagonismo. É como eu vejo o mundo. Eu tenho vários trabalhos de composição, passa também por mostra-los e ver o que acontece. O que eu tenho feito esta na gaveta. Escrevi também o Ezequiel. Escrevei-o para o cinema. Ali, tens o que és, como pessoa. A linguagem que usei nesta obra é pesada. É uma personagem que tenta ser fiel a si próprio. Ezequiel é uma história toda. É entrega, é uma espécie de purgatório, onde se mostra um certo ressentimento, uma culpa naquele momento. Mostra que o tempo é elástico.
Voltando um pouco atrás, porque escolhestes o bandolim como instrumento?
NGC: Eu tinha vinte anos e era a minha referência. O meu avô tocava bandolim. Eu sempre o vi a tocar e ele não me queria ensinar, mas viu-me interessado e como era muito cuidadoso com as coisas dele, perguntou-me se queria aprender. Eu aprendi vendo-o a tocar e depois foi fácil, porque logo comecei a andar por mim próprio e criei uma ligação especial com o instrumento. Tinha a perspectiva que era manter-me fiel a minha identidade.
Fostes para Itália, com uma bolsa de estudos?
NGC: Sim, naquela altura foi muito difícil. O bandolim ainda hoje tem esta imagem muito popular. É o mesmo que ter uma bolsa de estudo em gaita-de-foles. É complicado. Os tempos eram outros e tinha que mostrar um trabalho e demonstrar que realmente queria fazer isto, até para facilitar o caminho para outros. Era muito difícil encontrar bolsas, porque não havia a facilidade que temos hoje de encontrar tudo na internet. Eu passei muito tempo a telefonar, a falar com professores para encontrar a escola. Depois colocou-se o segundo problema, como eu vou para lá? Tentava mostrar trabalho e estava envolvido o mais possível para que as pessoas certas vissem que era sério o que pretendia fazer da minha vida. Mesmo em Itália mantive essa postura. Encontrei lá pessoas que seguiam a mesma filosofia que eu.
Em Itália valorizam mais os músicos que cá em Portugal?
NGC: Isso é uma pergunta bastante difícil de responder. O italiano tem um aspecto que gosto muito, são bastante patriotas, valorizam o que seu, tem orgulho do que construíram, até antes mesmo de serem um país Mas, institucionalmente, politicamente, não há apoios nenhuns.
Mas, ganhastes um prémio em Itália, uma medalha de mérito. Eles lá fora valorizaram o teu trabalho, mesmo não sendo italiano.
NGC: Sim é verdade, mas isso acontece porque a Itália apoia os grandes teatros. A grande opera. Eles são muito apegados a tudo o que é música instrumental, todo o resto é autossustentável, quer dizer, os grupos caminham por si próprios, eles apostam na qualidade e depois o governo dá prémios, ou louvores, ou seja, não te apoiam economicamente. Eles dão o mercado de trabalho e o resto depende de ti. Eu acho muito mau, e sei que há pessoas que não vão gostar, a cultura subsidiada é muito má, o nosso trabalho fica limitado à aquele orçamento, a aquele dinheiro e isso impede a criatividade. O nosso problema é que não temos um mercado musical. É tudo grátis e patrocinado pelo governo. O produto final até pode ser bom, mas não é viável, isso reflecte-se em tudo, até nas artes. Tem de ser estimulados para se poder fazer alguma coisa. Trabalha-se só para contentar o tal serviço, ou a tal pessoa que vêm de fora. Isso é mau.
Agora que ensinas a tua arte, como é que a jovens gerações vêm o bandolim, que era associado a uma música mais tradicional. Eles olham o instrumento de outra forma?
NGC: É engraçado, eles olham para o instrumento de uma forma completamente diferente. Eu sou uma pessoa que ensina, mas não sou professor. Eu passo a minha experiência como músico. Os aprendizes com cinco e seis anos de idade, quando eles ouvem Bach, ou Vivaldi, ficam de boca aberta e perguntam o que é isto? Isso é bom. Ao terem outro tipo de experiência musical ao crescerem, aparece o tal sentimento de que isto é aborrecido. Temos que trabalhar as mentalidades, outras formas de ver as coisas, que haja espaço para vários tipos de música, de maneira a olhar a música de forma diferente. Criar uma visão mais aberta. A mentalidade agora é do instrumento, já se proporciona essa ideia de espiritualmente e fisicamente aprende-lo. É algo que tu orientas e eles partem na sua descoberta. Nunca devemos impor. Nem interferir demasiado, evitar dizer vai para aqui e eles perguntam porquê e a resposta é porque tem de ser. Isso cria barreiras que as pessoas não conseguem ultrapassar. É preciso saber explicar. Primeiro, porque culturalmente é nosso. É maravilhoso tocar este instrumento. O outro aspecto importante é que as pessoas necessitam de sentir que fazem parte deste núcleo, deste caminho musical. É um trabalho árduo.
Porquê?
NGC: Há muitos preconceitos em relação ao bandolim, não é voluntário. Na Itália este instrumento perdeu o seu peso histórico, porque o bandolim era um instrumento nobre. Há grandes obras escritas para bandolim, mas chamavam normalmente os violinistas. Quando comecei a trabalhar no teatro “la scala”, as pessoas questionavam-me se sabia ler música. Havia perguntas deste género. Depois passaram a respeitar-me individualmente quando viam o que o instrumento era capaz de fazer. Passei a ser mais um dentro da orquestra. O processo é esse. Mostrar o que sou capaz de fazer com o bandolim, contudo, é lento. Não sou individualista, fico contente que as pessoas venham e gostem.
A quantos anos és músico?
NGC: Para mim músico é uma palavra grande. Faço minhas as palavras de Marcelo Biotti, ele era um grande director de orquestra, professor de Riccardo Muti, outro grande director, e ele disse-lhe: Mutti Agora que estou quase a morrer é que estou a aprender como se dirige uma orquestra. Eu digo-te o mesmo, oxalá que eu seja um músico um dia, porque não basta fazer música, é também preciso saber comunicar com as pessoas, orienta-las e ajuda-las. É para isso que serve a música. Faz-me confusão após um concerto, quando dizem o que acham e acrescentam, mas eu não percebo nada de música. Isso não faz sentido, o trabalho do músico é contar o que é o ser humano e como se pode transmitir amor, ou raiva. As pessoas transmitem no seu trabalho o lado mais verdadeiro, a música é isso também. Não se tem que sentir pequeninas perante uma obra. É um problema da cultura e das artes. A música comercial chega a todas as pessoas, não é? A clássica não, mas devia. Sabias que Vivaldi e outros compositores mostravam as suas obras nas praças em palcos improvisados? A música nasceu assim. Actualmente, certo tipo de música tornou-se elitista e parece que ir a um concerto é como ir a um museu. Trabalhei no teatro “la escala” durante oito anos, e não sabia nada até lá estar. Foi uma aprendizagem. Quando tocávamos a sala vibrava toda com a música, era maravilhoso. Aprendes muito e a união faz a qualidade. O público em geral, quando vê uma energia especial adere. É preciso haver uma troca entre o músico e as pessoas que assistem. Não basta tirar um curso superior de música e tocar. É preciso criar um magnetismo com o público, é preciso saber recriar aquele amor, aquela raiva e eles sentem isso.