Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

O outro fernando

Escrito por 

Ao longo de mais de 20 anos de carreira, Doio Kaosos, heterónimo de Fernando Santos, trabalhou com nomes de referência da música portuguesa como a Lena D’Agua, Lara Li, Cândida Branca Flor, Carlos Paião e Raul Indipwo e fez parte das bandas Doyo, Davinci, Zanzibar e ainda da banda alemã Waveband, que considera a sua preferida até ao seu projeto atual, com Claudia Vau. Mas, actualmente conquista milhões de fans no mundo global com a sua música que já atingiu o top da lista da reverbnation.

Porque decidiu seguir a sua carreira musical em Londres, quando em Portugal possui uma carreira cimentada, fez parte de várias bandas nacionais, tinha trabalho como compositor nas áreas de documentários e publicidade?

Fernando Santos: O factor principal para essa mudança foi apaixonar-me por uma pessoa que reside em Londres, a Cláudia Vau. Na altura ainda vivia em Portugal, tinha uma filha pequena não vaticinava ficar longe por muito tempo, porque me era difícil separar dela. A partir do momento em que passado uns anos me encontrei em Londres consegui promover a minha música original, porque em Portugal nunca encontrei resposta para as coisas que faço, aliás, não há sequer resposta, é simplesmente ignorada. A maioria das rádios só passa música dita pimba e nas que obtive algum feedback disseram-me que não a passavam, porque eram tocadas num piano acústico e tinha na altura até um trabalho com bastante sucesso, “Aragón, el Griffin”, portanto são respostas parvas, enquanto as rádios dependerem de listas, assentes nessa identidade, as respostas são esquisitas. É esse meu tipo de percepção.

Mas, em londres o panorama é diferente.

FS: Sim, também na forma como criticam, são mais objectivos, embora não sejam especialistas, notam que há algo ali muito bom, é qualquer coisa. Penso que no geral com o tipo de cultura que temos em Portugal, em termos musicais, é difícil para as pessoas perceberem se a música é ou não original, porque só estamos expostos a um tipo determinado de fontes, no caso de Londres, a exposição é o mundo, porque tem muitas comunidades, muito mais culturas, nas escolas, no seu quotidiano. A comunidade Shik, a paquistanesa, chinesa e de vários outros países que sempre trouxeram consigo a sua cultura e os londrinos vivem envoltos nesses artistas de todos os géneros e essa influência tem peso naquilo que lhes é apresentado, quando ouvem um trabalho diferente, penso que lhes é mais fácil perceber se é ou se é não é uma cópia. Em Portugal o que se assiste é a cópia de géneros musicais originais de outros países. Mesmo na música pop ouvem-se versões, há trabalhos de cantores que estão a ser plagiados e esse espirito analítico para deslindar se é mesmo um original não existe. Eu sempre trabalhei com a minha música, foi em Nova Iorque que primeiro me descobriram e só depois é que chegou a Londres, na altura a tabela americana era a maior agora não, é a “reverbnation”. Tudo esta sempre a variar. A minha música instrumental já esteve em primeiro lugar e agora está em terceiro, na área do clássico, num mundo altamente competitivo, as pessoas que ouvem tem uma grande capacidade de análise. Não serei com certeza o maior pianista do mundo, mas no conjunto deram valor ao que ouviram, ao equilíbrio da técnica. A internet tem um problema que são as cópias é verdade, mas as pessoas percebem quando ouvem um determinado tema que pode não ser do músico do original, pode parecer que a rede é amiga dos piratas, mas não é, embora pareça, é mais amiga dos vampiros.

Denomina a sua música de diferentes, mas parece-me mais de fusão. É importante fazer a desconstrução desses sons diferentes que impregnam a sua música?

FS: É e é muito natural, a parte etnográfica digamos assim, da música do mundo, sempre existiu no meu trabalho. Sempre o carreguei interiormente, quando era miúdo. Comecei a tocar quando tinha oito anos e vivia em frente do casino Figueira da Foz. Na pascoa, no verão, nas festas em geral, havia as comunidades de vários países que vinham passar férias neste local, a música ibérica acontecia nas ruas. As pessoas saiam de casa e ouviam o bater de palmas da comunidade cigana. Por isso, esta minha relação com esses sons, esta minha abertura para outras estéticas culturais sempre foi muito natural. Também, sou de uma geração que nos anos 70 teve muitas influências do orientalismo, tivemos a introdução do budismo na nossa cultura e minha abertura começa com esse sentimento. Eu não pesquiso a música de outros países para a introduzir nas minhas composições, isso eu nunca fiz, pesquisei sim, ideias, sentimentos, sensibilidades e sensações que depois aparecem na minha música, por isso, tem muito de world music universalista.

Já falou um pouco dessas listas musicais globais, mas qual é a importância de uma reverbnation?

FS: É uma lista que nos permite saber directamente quem esta a ouvir, qual o seu interesse e quantas fazem o download. Se por um lado tem um público muito diversificado, também podemos encontrar pessoas ligadas á música, no caso do “reverbnation” é uma comunidade de músicos, o meu trabalho está ser ouvido por meio milhão, de entre os 2 milhões de projectos de todo no mundo, é uma comunidade que esta sempre viva. Em 2006 foi quando me registei, quando descobri este movimento, é um espaço que as pessoas podem consultar e verificar a minha evolução ao longo do tempo. A sua importância ultrapassa a ideia do CD que tenho de enviar para as rádios, gasto dinheiro em contactos e em correio, e na maior das casos como já disse, não me dão sequer uma resposta, ainda se regem pelo antigo sistema de vendas de música em Portugal. A internet, por outro lado, é imediata, permite-me atingir um público mais vasto, global.

 

 

Mas, nota uma repercussão em termos profissionais quando colocas os temas no “reverbnation”?

FS: Noto, a análise do que faço resulta em parte do tipo de feedbak que recebo, já foi contactado por pessoas de todo o mundo e existem também aqueles que estão ligados ao meio musical. Não são resultados em termos de vendas. Sempre sobrevivi do meu trabalho, mas não analiso o meu sucesso pelas vendas. Os últimos trabalhos que fiz não reproduzi para CD, mas em 2004 gravei o “Tuvalu” e dia um amigo meu parou para dizer-me que ouvia sempre a minha música no carro, porque lhe fazia bem. E isso para mim é uma paga muito maior, do que se estivesse a ganhar rios de dinheiro. É muito bom saber que chego as pessoas, que tanto podem estar no Brasil como em qualquer outra parte do mundo. Eu tive sorte porque bati em várias portas, toquei a minha música e eles gostaram, porque em Londres o normal é pagar para tocar e compromete-se a trazer x número de pessoas para os concertos, é muito mais difícil do que em Portugal.

O Fernando Santos tem actualmente um projecto com a Cláudia Vau, em que consiste?

RS: O meu envolvimento resulta de um projecto da Cláudia Vau denominado “Woman World Wide” que envolve mulheres de várias áreas, trata-se de uma apresentação ao vivo que começámos a trabalhar juntos. São temas fraturantes que são lidos e tocados ao mesmo tempo, como por exemplo, o seu estatuto nas diversas culturas, é um projecto muito bonito. A parte da escrita é desenvolvida por ela e em conjunto trabalhámos a parte musical. É algo que estamos a desenvolver, embora com as dificuldades inerentes. Temos agora no projecto, a Nora Byte, uma guitarrista lituana que trabalhou mais no jazz e vamos ter mais alguns convidados.

É uma encenação musical, onde a Cláudia diz os textos e o Fernando acompanha em termos musicais, é isso?

FS: Sim, mas ainda não foi apresentado, esse trabalho há-de surgir, já fizemos uma maquetagem e depois como temos agora uma guitarra não sabemos como irá evoluir. Tem música minha e também da Cláudia.

Recuando mais de vinte anos, quando fazia música para a Lara Li, para o Carlos Paião e outos cantores portugueses notava que havia uma maior qualidade em termos musicais do que actualmente?

FS: Sempre se fez música de qualidade em Portugal, há trabalhos de grande gabarito. A obra de Zeca Afonso, de Fausto, era uma música ligada a uma certa erudição e que conseguiu ser popular, tinha uma raiz intelectual e ao mesmo tempo uma grande capacidade de chegar a diversas pessoas de todos os sítios. O trabalho que desenvolvi com o Carlos Paião, foi a Cinderela e embora a música não seja minha, fiz a produção do tema “vamos lá cambada” cantada pelo Herman José. A Lara Li sempre fez um trabalho de grande qualidade e houve um grupo de pessoas que tiveram sempre um grande sucesso junto do público em Portugal. Hoje a música esta mais exposta, há uma maior influência estrangeira, houve, contudo, algo que evoluiu muito, foi a capacidade de gravação, antes havia dois ou três grandes estúdios que gravavam os trabalhos e com qualidade reduzida, tanto que há trabalhos da Amalia num versão péssima e infelizmente isso não devia ter acontecido assim. Hoje em dia é tudo mais fácil, com o digital, um maior número de pessoas consegue apresentar os seus trabalhos e com qualidade aceitável.

O que falha aqui entre o público e a música portuguesa é que as pessoas já não são sensíveis a vários tipos de sonoridades?

FS: Eu não sei qual é falha, porque senão tentava resolver. Bem, como hei-de dizer isto? Quantas cantoras em Portugal têm o estatuto de uma Adelaide Ferreira? Agora, vou dizer uma coisa que se calhar vai ser muito desagradável para algumas pessoas em Portugal, o melhor é perguntar as pessoas que sempre trabalharam nas editoras, elas é que poderão responder a isso. Eu tive a sorte de ter tido uma pré-primária fabulosa, numa terra pequena, onde os miúdos estavam envolvidos em vários tipos de actividades musicais, havia apresentações, podiam não ser as melhores, mas isso não se nota nestas novas gerações. As pessoas que programam os eventos culturais é que deverão também dizer o que se passa em Portugal. Ao longo de décadas houve sempre muita qualidade musical, mas este problema assola todas as áreas, fazerem-se programas focados para um determinado caminho que depois não tem continuidade, porque no ano seguinte já é tudo diferente e anos seguidos disto rebentou o nosso país. Temos é sorte com algumas pessoas, a Rosa Mota no atletismo, a Maria João Pires que é um génio no piano ao nível global. Temos estas coisas incríveis, mas no geral cultivámos o oposto.

http://www.reverbnation.com/kaosos?add_email=true

http://kaosos.com/

 

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos