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Pelo meu relógio são horas de conhecer...os mão morta

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Os mão morta quase dispensam apresentações, embora sendo assumidamente alternativos, ao longo dos anos, tem construído uma carreira notável em termos de longevidade e qualidade musical, aos quais acrescentaram um novo trabalho discográfico, "pelo meu relógio são horas de matar".

O novo álbum "pelo meu relógio são horas de matar" tem sido polémico por causa do video de lançamento. Mas, afinal é hora de matar o quê?
Adolfo Luxúria Canibal: Essa pergunta devia ter sido feito antes da polémica. O título do álbum é um verso de um poeta português realista, o António José Forte, que viveu em Lisboa nos 40 e 50, mas é de Santarém. É uma frase fortíssima, que ele emprega por duas vezes, em dois poemas distintos. Na segunda vez que o utiliza é a propósito de poemas de amor e achei por bem utilizá-lo. "No meu relógio são horas de matar" é essa ligação ao António José Forte e vincar que estava a utilizar um frase desviada. Tem tudo a ver com a narrativa, com a história e a ficção que é todo o disco, é um personagem dos tempos modernos, do irrealismo solitário que de repente se dá conta que o seu bem-estar está em causa e repara finalmente que não vive sozinho no mundo e que os outros solitários, os restantes indivíduais, também estão postos em causa. Há uma espécie de solidariedade entre solitários, que tem um crescendo, uma espécie de consciência colectiva, que acaba por ser uma história narrativa e que apresenta soluções mais uma vez individuais. No fundo é a substância, é a personalidade dos personagens em que tentei encontrar culpados para a degradação desse modo de vida e dar-lhes um fim. Este matar é fisíco dígamos, mais uma situação.

Não é também sobre uma sociedade cada vez mais solitária, porque fala dos irmãos solitários?
ALC: Exactamente. É um determinado tipo de fim civilizacional dígamos assim, de um tipo de economia, de relações interpessoais, de um relacionamento mercantilizado e que passa muito pela imagem e não pelo coloquial, passa pela mediatização e não pela relação directa, no fundo é isto que procuro neste personagem. Quero dar um fim, matar este tipo de situação, de vida que possui.

Em 1998, em Charles Mason, também falava "em parar o relógio e vamos para a revolução" e agora em 2014 voltámos ao mesmo tema. Se pegarmos neste fio condutor há uma certa incongruência.
ALC: "O parem o relógio" é uma canção diferente de "o horas de matar", apesar de ambas referirem relógios e o tempo. "O parem o relógio" é uma espécie de fuga ao tempo, que é um tema que esta sempre presente nas canções dos mão morta, nesta angústia do estar sempre a fugir, de não conseguirmos mudar o nosso presente, o nosso quotidiano de forma a termos uma vida mais preenchida, de forma que o tempo está-nos sempre a fugir, a avançar e não conseguimos mudar, então "o parem o relógio" é neste sentido de parem o tempo para mudar as coisas, porque o tempo não nos esta a dar tempo. É um grito de aflição, parem o relógio! Aqui "são horas de matar" tem um sentido diferente, é hora de fazer alguma coisa.

 

 

Este o 13º disco, com um número ligado ao azar foi de propósito ou não? Ou apenas havia material para mais um trabalho trabalho discográfico?
ALC: Nem sabia que era o 13º, nem tenho a certeza, porque temos muitos discos que dependem da forma como os contámos. Se incluirmos os álbuns de estúdio este não é o décimo terceiro, se contarmos os discos com originais também é capaz de não acontecer o mesmo, de maneira isso nem esteve nas nossas contas, nesses recenseamentos feitos pelos meios de comunicação social as coisas variam e é difícil de saber que disco é.

Os "Mutantes S21" foi considerado um dos melhores álbuns feitos em Portugal no período dos anos 90, é esse também o vosso melhor trabalho? O que os define como banda?
ALC: É um dos nossos grandes discos efectivamente, que nos trouxe de um patamar underground e de difícil sobrevivência para um outro, para estar mais à vontade em termos de carreira e do que nos apetecia fazer, sem ter problemas de encontrar eco, ou visibilidade. Portanto, é um álbum importantíssimo para nós, dentro do género rock foi a primeira vez que se fez algo com aquele esplendor e por isso foi considerado o tal disco marcante dos anos 90, mas não acho que seja o nosso melhor trabalho. Posteriormente temos trabalhos discográficos que considero que não sendo melhores, são diferentes e estou a lembrar-me por exemplo, "Há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável", que é um disco fabuloso, é o nosso trabalho mais conceptual e que muita gente considera o nosso melhor álbum. Estou também a recordar-me do "primavera de destroços" que é um disco sem conceito e sem tema, é um trabalho com canções soltas e que funcionou muito bem e que muita gente também considera ser o nosso melhor. No fundo, existem muitos discos bons dos mão morta posteriormente aos "Mutantes S21" e mesmo anteriormente, estou agora a lembrar-me do "corações felpudos" que é muito diferente, muito mais com guitarras. Mas, de facto esse tornou-nos mais conhecidos, por culpa do "Budapeste", o tema extraído desse álbum, mas de longe não foi o disco que se vendeu mais, foi o 27º do top de vendas.

Consideram-se narradores da decadência e este é mais um capítulo?
ALC: Eu acho que é redutor, também narrámos a decadência. Mas, não somos só isso, questionamo-nos a nós próprios e a nossa relação enquanto indivíduos, Adolfo, Miguel, Rafael, seres sociais nesta relação com o mundo em que vivemos. Esse questionar para nós também serve para o outro e é isso que fazemos. Narrámos e colocamo-nos nessa situação,de um mundo decadente, mas que serve sobretudo para perguntar-nos, pensarmos no que queremos que seja uma sociedade melhor, não é decidir se é perfeita ou não, não pretendemos dar respostas, queremos levantar questões e perguntas e assim procurar em cada um nós essas respostas e quando dizemos nós falámos do nosso grupo, mas também as pessoas que ouvem mão morta e gostam da nossa música, para sentirem o que é ser português, ser social num mundo moderno, num universo capitalista.

Nos concertos vemos todo o tipo de pessoas, desde a geração que vós acompanha desde o início até os mais jovens. Essa vossa mensagem é intemporal porque atinge vários patamares de portugueses?
ALC: É uma constante que vemos com bastante agrado e efectivamente nós chegámos a poucas pessoas racionalmente, mas a quem chegámos normalmente ficam connosco, ou seja, não somos um fenómeno de moda, quem nos conheceu nos anos oitenta fica a grosso modo connosco, os que nos conheceram nos anos 90 ficam também e que ainda os que nos ouviram em 2000 também permanecem e assim sucessivamente, até que fomos apanhando várias gerações ao longo dos anos. É uma constante dos concertos, vemos pessoas com a nossa idade dos 50 aos vinte anos de idade, portanto isso acaba por ser transversal. É evidente que são minorias entre gerações que se vão acumulando, é interessante, não é um fenómeno palpável noutras formações de rock ou não.

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