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As 25 fontes

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É mais um trajecto pelas entranhas da floresta laurissilva. Siga-me por este verde deleite.

É um dos percursos mais agradáveis pela floresta laurissilva. No meu barómetro de perigosidade, de zero á dez, oito. Fique! Prometo que não o assusto desta vez. Bem, talvez um pouquinho. Uma das atracções destes trajectos são também os turistas. São uma “fauna” muito engraçada, imprevisível e irresponsáveis, porque nunca ouvem os avisos que lhes são fornecidos gratuitamente quanto aos perigos da montanha. Regra número um, como medida de precaução nunca deve ir sozinho, pode perder-se e ninguém sabe por onde anda, duas pessoas chamam mais à atenção e entreajudam-se. Segundo, a mochila deve ter o essencial, vestuário quente devido a imprevisibilidade meteorológica da ilha, comida, um cantil, uma máquina fotográfica, uma lanterna, um telemóvel, uma espécie de bordão e um mapa. Terceiro, calçado adequado e atento ao que o rodeia. Agora sim esta pronto para mais uma aventura. Contudo, neste passeio tenho que recuar um pouco no tempo. Em tempos fui escuteira e como tal participei em muitos acampamentos e calcorreei muitos caminhos, veredas e levadas. As minhas façanhas pedestres eram sempre encetadas com um grupo fabuloso de amigos, do qual destaco para esta história, um, o Miguel. Em todos os passeios que fizemos, o meu amigo e companheiro de caminhadas acrescia ao peso da sua mochila um kit de primeiros-socorros e cordas, caso houvesse algum infeliz incidente. Bem, como já devem estar fartos de saber, (bem deduzo na minha insana modéstia que leram as minhas restantes crónicas), alguém pode “escorregar” pelas reentrâncias da montanha que nos enfeitiça, distrai e… upps, acontece uma potencial queda mortal.

Posto esta pré-sequela temporal, voltemos ao percurso das 25 fontes que tem início no Rabaçal, na Calheta. É facílimo encontrar o trilho, porque tem mesmo uma placa em madeira assinalando o começo de uma viagem inolvidável. É um caminho de água. Não literalmente, mas no sentido histórico, já que a ilha depende das levadas, há centenas de anos, para a rega das colheitas e para o consumo doméstico. Agora imaginem a força quase sobre-humana de milhares de braços que escavavam com picaretas pendurados por cordas a rocha vulcânica que permitiria canalizar, através de uma enorme rede de aquedutos, esse líquido tão precioso para o ser humano que é a água. Parece irreal, não é? E ainda, dizem que os desportos radicais foram inventados na Nova Zelândia. Bahh! Já me desviei do meu percurso.

O trajecto faz-se em três horas e são quase cinco quilómetros na ida e o mesmo na volta. Como dizia antes de me distrair, o caminho para as 25 fontes mergulha de cabeça na floresta laurissilva e decidimos faze-lo num ímpeto de juventude porque era dos mais acessíveis. O grupo desde sempre gozou do nosso amigo Miguel, por vir carregado com tanto material que considerávamos inútil, já que do nosso ponto de vista muito imaturo éramos autênticos profissionais destes percursos pedestres. Adiante. O caminho é sempre acompanhado por uma levada e basta segui-la até um local chamado risco. O nome deve-se a uma impressionante queda de água que literalmente escava o rochedo coberto de vegetação, parece uma linha torta desenhada verticalmente ao longo do penhasco. Daí até ao nosso objectivo final é um passo. Outra curiosidade deste percurso é a sua fauna, devido ao enorme número de pessoas que a percorrem, os tentilhões habituados à presença humana, deixam-se alimentar com migalhas de pão e bolacha. Não são atrevidos estes pequenos pássaros, terão de os conquistar com calma e uma certa paciência, mas depois de convencidos não se fazem de rogados e comem como uns desalmados. Por esta altura, o sol antevia-se por entre nuvens pesadas que se abriam preguiçosamente no final da manhã, quando de repente no último quilómetro pouco antes da chegada as 25 fontes fomos ultrapassados por um alemão solitário muito apressado. A sua silhueta já tinha desaparecido numa das curvas do nosso caminho enviusado, quando pareceu-nos ouvir ao longe um grito de ajuda. Acorremos e eis o nosso amigo entalado entre a vegetação no fundo de uma ravina motivada por uma falha no acesso de onde escorria água que obviamente não viu tal era a ansiedade em chegar. Acto contínuo, o Miguel deitou-nos um esgar de triunfo, perante o cenário que embora aparatoso não era fatal. Lá tivemos de dar-lhe razão e pedir desculpa pelos comentários mais jocosos do passado e engolir o sapo. Vêm para que precisámos de todo este material? Vamos lá salvar este turista. Num inglês rebuscado, avisei-o aos gritos que a ajuda chegaria sob a forma de corda, e tudo o que teria de fazer era amarra-la a cintura como prontamente e minuciosamente descrevi. Erámos muitos o que ajudou a içar um portento humano de quase 2 metros de altura e vários anos de litros de cervejas e toneladas de salchichas acumuladas sob a forma de gordura, pensava eu, tal foi o esforço quase sobrehumano. Quando a nossa “vítima” finalmente chegou ao topo da ravina, verificámos o estado dos seus membros para garantir que nenhum estava partido, tinha apenas uns arranhões no joelho e mais um vez, o nosso amigo encarou-nos com um sorriso de escárnio, enquanto sacava do kit de primeiros-socorros, que só mereceu da nossa parte uns grunhidos que traduzidos significavam, pronto já chega, és um herói. O turista agradeceu-nos tantas vezes que perdemos a conta e perante uma pequena multidão que se acotovelava num acesso já de si estreito, tivemos de pedir as pessoas que seguissem o seu caminho para podermos ajudar o homem a chegar até as famosas 25 fontes, já que lá existe um muro onde pode descansar e ganhar forças para o trajecto inverso. Mas, perguntarão vocês, o que são as 25 fontes? São 25 linhas de água que caem em catadupa por uma parede de rocha vulcânica. No verão, aviso desde já, o seu número pode diminuir, mas espectáculo é magnificente. Bem, depois de anestesiados com tamanha beleza natural, lá tivemos de voltar para atrás, ajudando o nosso amigo estrangeiro que coxeou até o ponto de partida. Não é delicioso este relato? Eu disse que seria mais fácil que os restantes e já perceberam o porquê dos avisos?

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