Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Carolina, a feminista

Escrito por 

Faço uma viagem ficcionada pela vida de uma das sufragistas mais importantes da história da república portuguesa

Nasci no dia 18 de Abril de 1878, na Guarda, a minha mãe disse-me mais tarde que mal saí das suas entranhas parei de respirar por duas vezes e à terceira abri muito os olhos, parecia que queria engolir já o mundo e isso dizia, era um mau presságio para uma mulher. Ela pensou, esta vai ser o cabo dos trabalhos. Desde que me conheço como gente, sempre me agarrei a vida com unhas e dentes, nunca me contentei com o destino reservado a mulher que devem apenas obediência ao marido e que servem só para cuidar da casa e dos filhos. Almejei mais. Encontrei o meu destino nos livros. Entrei na escola médico-cirúrgico de Lisboa com apenas 18 anos e terminei os meus estudos no ano de 1902 para grande orgulho de meu pai e uma certa consternação da minha mãe que achava que isso de ser médica, não era nada honroso para uma menina de bem. Para acalmar os seus piores receios, casei com o meu primo e companheiro de muitas brincadeiras, Januário Barreto, nesse mesmo ano, como havia prometido. O meu esposo ao contrário dos restantes, nunca me impediu de ser quem era, muito pelo contrário conhecia-me melhor do que ninguém, éramos companheiros de vida e de profissão. Ele era um republicano de quatro costados e a paixão e a intensidade como defendia a causa, passou para mim naturalmente. Aderi sem hesitação.

Foi a primeira mulher médica a dar consultas e operar no Hospital de São José e devo honestamente acrescentar que não foi fácil ser aceite. Os meus doentes nos primeiros dias recusavam-se ser atendidos por mim, homens em especial, era o que faltava tirar a roupa em frente de uma senhora, gritavam pelos corredores. As mulheres, depois da surpresa inicial, agradeciam a Deus por estarem com alguém que as compreendia e sabia como era difícil a vida, sentiam-se mais á vontade. Foi esse carinho e compreensão das minhas doentes que me levou a escolher a especialidade de ginecologia. No ano seguinte, nasce a minha filha Maria e apesar da minha grande alegria inicial, Januário adoece, vítima de tuberculose, passei semanas junto da sua cabeceira, velando por ele, procurando na literatura novos tratamentos que pudessem salvar o grande amor da minha vida e o pai da minha filha, em vão. No dia 25 de Maio de 1910 exalou seu último suspiro. Eu pensei que enlouquecia. Que seria de mim, viúva com uma filha nos braços? A Adelaide veio em meu socorro, sempre sensata e prática, disse-me que não valia pena desperdiçar mais lágrimas, teria de arregaçar as mangas e lutar por um mundo melhor para mim, para ela, para a minha filha e para as pobres mulheres que atendíamos no hospital diariamente, também o faria em memória do grande homem que tinha sido o meu esposo. Assim, ajudei a fundar a liga republicana das mulheres portuguesas, da qual foi vice-presidente e foi ainda activista na associação feminista portuguesa, da qual também me orgulho ter participado. Disponibilizei o meu tempo, em retraimento da minha família e da minha saúde para defender aquilo em que acreditava, houve momentos de desalento, mas jamais vacilei perante o confronto de ideias e dos preconceitos que grassavam pela sociedade em geral. No dia 28 Maio de 1911, recenseada com o nº 2513, após anos de luta em que requeri o direito ao voto, que inicialmente me foi vetado e devido a um vazio legal aproveitado pelo juiz e pai da Ana Castro, Baptista Castro, fui a primeira mulher a votar em Portugal e na Europa. Isto só poderia ter acontecido no nosso país. Foi uma excepção. A lei foi de seguida alterada para evitar o voto das mulheres. Canalhas! O primeiro passo foi dado. Isso ninguém me tira! A primeira batalha está ganha, falta ganhar a guerra, se não nos abrem a porta pelo menos não nos põe na rua. Infelizmente, tanto esforço da minha parte teve consequências, em Julho desse ano confessava a uma amiga que tenho trabalhado muito, dias inteiros a discutir, a pensar, de maneira que tenho o cérebro em ebulição constante a que depois se seguem períodos de cansaço e fadiga como nunca tive. Se assim continuar só me restará a consolação de ter vivido muito em pouco tempo. E assim foi. Não podemos escapar ao tempo. A minha hora aproximava-se e quando menos esperava o meu coração traiu-me. Parou. No dia 3 de Outubro de 1911.  Não faz mal outras mais virão para prosseguir à luta, depois de mim. Só tenho pena de não ser viva para ver esse dia.

http://www.fcsh.unl.pt/facesdeeva/eva_arquivo/revista_11/eva_arquivo_numero11_j.html

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos