
Dançando com a diferença é um pequeno projecto que nasceu da vontade de poucos, cresceu e pulou o estigma da deficiência. Este grupo de dança inclusiva rasgou consciências, libertou-se dos preconceitos e mostrou que dançar é uma expressão corporal sem limites. Não há fronteiras físicas, ou mentais que não possam ser derrubadas. Peço só que me acompanhe nesta viagem pelo percurso de um dos seus intérpretes, Telmo Ferreira.
Quando era miúdo não sonhava sequer com o que sou hoje. Um bailarino numa companhia de dança inclusiva. No meu mundo não havia espaço para o ser artista, era apenas uma criança que tinha trabalhar de sol a sol para ganhar dinheiro para levar para casa. Estudei numa escola pública em Câmara de Lobos, mas devido as minhas dificuldades de aprendizagem foi transferido para um outro estabelecimento de ensino, a Quinta do Leme. Foi aí que descobri o que era a dança. Aí, tive que combater os meus complexos e as minhas limitações mais profundas. Sentia no olhar dos outros o estigma da deficiência, quando eu sabia no fundo que não o era. Apenas não sabia como expressar-me. Dançar com a diferença ajudou-me nessa transição. De mostrar o que tens dentro de ti. Um lugar onde não há limite. Não há fronteiras. Depende o teu corpo, não mostra a tua escrita, ou a tua leitura, mostra o que sentes, quem és e o que fazes aqui.
Sempre que piso o palco sinto um grande frémito. Todas as fibras do meu ser vibram. É como uma força, são ondas de entusiasmo que te empurram para aquele momento. Dançar para mim é como respirar. É primordial, permite exprimir-me sem palavras. Ter uma maior consciência de cada membro, cada batida do meu coração, cada gesto do meu corpo. É levitar. Sem ter noção de tempo ou do espaço. Fazes o que gostas e isso basta. Só dás conta do final, quando ouves a ovação do público, batem com os pés em sinal de agradecimento. Sentes o amor e o carinho de quem está do outro lado. É como uma energia que flui, que te alimenta.

Nem sempre foi assim. Lembro-me quando era mais pequeno, dançava por dançar. Agora, faço-o por uma inevitabilidade do meu destino. Amadureci. Estudei, tirei um curso de cozinha e desenvolvi mais capacidades. Eu próprio quis crescer e mostrar os outros quem eu era, como ser humano, com cidadão de pleno direito e não apenas aquele que era alvo da chacota e de rejeição. Ao longo destes onze anos noto que cresci na dança. A minha família é a companhia de dançando com a diferença. Sou completamente distinto daquele rapazinho que entrou na Quinta do Leme pela primeira vez. Se não fosse a dança, não sei o que seria hoje. Ao olhar-me ao espelho, vejo-me em outro patamar. Sinto que sou melhor. Olho para o mundo em meu redor de outra forma. Emociono-me com a beleza de um quadro, com uma peça de teatro, ou com uma flor. Tudo ganha um significado mais forte. Vivo as minhas emoções. Sou um homem. Sem medo do mundo, sem receio do futuro. Sei que sou um bailarino e um exemplo para muitas pessoas. Quero dar mais aos outros. Evoluir mais, mais e mais e contribuir através do meu singelo percurso que não há impossíveis. O sonho comanda a vida.