Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Desafinado

Escrito por 

É mais uma página no já imenso currículo de dançando com a diferença, com a coreografia de Paulo Ribeiro em co-criação com Leonor Keil e os Drumming GP de Miquel Bernat e António Sérginho.

A sala é invadida aos poucos por um som rítmico de corpos ebúrneos cujas garras metálicas marcam um compasso contante e sincopado. Até que a repulsa quebra essa ordem, esse modelo hirto que deixava pouco espaço para a liberdade, para a imaginação. É uma nova pauta musical que desabrocha perante o nosso olhar e de repente uma dissonância toma conta das suas vidas, são os desafinados, que preenchem o palco com as suas incoerências, as suas diferenças e desigualdades. Desejam fazer-se ouvir através de gestos mais abruptos que entram em confrontos desiguais. Dos mais fortes com os mais fracos. Dos maiores com os mais pequenos. Dos machos com as fêmeas. E no meio desse caos organizado que surge uma voz feminina, suave e envolvente que clama: Se você disser que eu desafino amor/Saiba que isto em mim provoca imensa dor/Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu/Eu possuo apenas o que Deus me deu. Os versos calam fundo nas almas alvas que percorrem o espaço e um novo ritmo instala-se, revelando aos poucos os gestos de um passado de correntes e escravidão exorcisado pelos corpos através do candomblé.

É o novo mundo que se avizinha. Uma nova ordem que não se impõem pela força, mas sim pelo coração. O batuque improvisado, ajuda a incorporar o sentimento de pertença. A dissonância dos corpos, embora pareça acidental é natural. As diferenças esbatem-se com o tempo, ao principio um solo marco o compasso, os restantes vão ao encontro dessa harmonia muito própria que os faz ganhar sentido, ser apenas um só entre muitos. Os braços extendêm-se delicadamente em busca do amor. As vozes ganham cor. Os sorrisos de cumplicidade invadem os rostos e as almas fundem-se em duetos improváveis que obliteram as limitações físicas. As fronteiras esbatem-se sem darmos conta, as gargalhadas são o cartão de visita desse reencontro, das novas cumplicidades. Os corpos agora dançam em harmonia, sintonizados, sem a sombra do passado, sem a mágoa do que não viveram, do que não viram e do que não aprenderam. O final avizinha-se. Em apoteose, os desafinados convidam-nos para a festa, para este universo musical onde também bate um coração do tamanho do mundo.

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos