Terra de forte influência mourisca, o Alentejo é o sonho do qual não se quer acordar, isto é, se não fizerem a jornada que decidi encetar.
Lembro-me da primeira vez que visitei o Alentejo. Decidi faze-lo de mochila às costas com mais três amigas, foi uma verdadeira odisseia. Ulisses teria inveja da minha viagem, se a dele foi atribulada, a minha bate aos pontos tudo o que sabem sobre viagens com orçamento apertadíssimo. E quando digo apertado, é quase inexistente. A começar pelo meio de transporte, qual é a forma mais barata de ir até à Costa Alentejana saindo de Lisboa? De autocarro claro, depois de ter atravessado o rio que mais parece o mar no cacilheiro, adivinham qual é?
Chegadas a Setúbal, terra de doces vinhos e marisco maravilhoso que na altura não podia pagar, entrámos no maravilhoso mundo do centro de camionagem bafejadas pelos fumos tóxicos do tubo de escapes e do constante pó negro. Apanhámos o alegado autocarro, era mais um calhambeque a necessitar de reforma imediata, que simplesmente parou em todas as paragens e quando digo todas, é todas a cada cem metros de distância, um pesadelo de para e arranca, ganha impulso e volta a parar que só terminou quando chegamos a Porto Côvo. Chegadas ao paraíso de eleição, o que acontece? A nossa dormida, ou seja, o parque de campismo que ficava no centro, estava lotado. Era bom demais para ser verdade!
Tivemos de andar por um trilho em direcção a um outro parque que nos foi simpaticamente indicado, mas devido às alucinações provocadas pelo sol, (é a única causa plausível que encontrei para semelhante idiotice), uma das minhas amigas decide que devemos cortar caminho pelos aparentemente inofensivos montes Alentejanos. Uma jornada épica que demorou o dobro do tempo e durante o qual fomos “atacadas” pelos cardos secos de forma impiedosa, os jorros de sangue dos filmes de Mel Gibson, não são nada perante as nossas pernas ensanguentadas.
Azar que se preze nunca vem só e nada mais chegámos, cansadas e queimadas pelo sol, ao nosso destino ainda tivemos de aguardar por uma vaga. E neste ponto da estória, tenho que fazer um pequeno parênteses, para nós não havia nada mais importante naquele momento do que uma tenda à sombra e um banho. Nada disso. Agora percebem a alusão a viagem de Ulisses? A tenda foi montada ao sol, porque todas as árvores (e eram poucas), estavam ocupadas e a água para banhos só estava disponível no final da tarde.
Nos trilhos alentejanos
A manha seguinte despertou queimando. Às cinco e meia da manhã sentia-se já um calor abrasador dentro da tenda, uma desculpa perfeita para ir até à praia. Esta, people é a parte boa do relato. A Costa Vicentina é linda. É um areal branco de perder a vista, que surge inesperadamente do ventre das rochas. As casas caiadas de branco salpicam a paisagem e o vento suão dá-nos as boas vindas a um dos lugares mais mágicos de Portugal. A praia Grande é um desses paraísos na terra, só interrompido pelo batuque irritante de uns surfistas que nos acompanhou ao longo da nossa estadia. Estavam à espera da música do Rui Veloso? Pois também eu! Continuando, sendo no passado um dos refúgios preferidos de piratas, foi a lenda de uma moura que encantou os portugueses e que fez desta localidade das mais visitadas do nosso país. A praia da ilha do pessegueiro é difícil de aceder a pé, claro, mas o esforço vale a pena. É um local quase inóspito, deliciosamente selvagem e com um sabor intenso a sal. Nadar nestas águas é um desafio, embora um pouco fria, mesmo em Agosto, é preciso ter cuidado com as ondas. Neptuno não brinca em serviço.
Uma das minhas amigas, a mesma da miragem, decidiu voltar as costas ao mar, coisa que nunca se faz, e foi apanhada por uma onda e… perdeu o fato de banho, num processo que posso descrever com um ciclo de máquina de lavar. E no final saímos limpinhas. Ahhh! Esqueci de referir que a onda que motivou o “desaparecimento” momentâneo da minha colega, provocou-lhe um corte no pé. Daí eu aproveitar para falar dos alentejanos. O curativo teve lugar no único posto que havia em toda a vila, num raio de vários quilómetros e devo dizer que foi outra aventura. O sotaque da senhora enfermeira era tão cerrado que saímos de lá sem perceber nada. Todas abanávamos a cabeça que sim em alegre uníssono perante o seu amável discurso acompanhado de um largo sorriso. Irresistível. Os alentejanos são de uma simpatia genuína, característica que aliás é apanágio dos portugueses de Norte a Sul, oferecem-se para ajudar em qualquer ocasião e bons conhecedores do seu clima estão sempre a oferecer água para evitar as insolações.
Depois desta nova aventura, nada mais reconfortante do que comer uma refeição alentejana. A única de toda a viagem e que soube pela vida no restaurante “o Balneário”, espero que ainda exista. Comemos amêijoas ao pescador, uma maravilha. Os doces são à base de amêndoa e uma tentação constante. Aviso à navegação, o café no final da refeição é algo que desaconselho com alguma veemência, devido ao calcário existente na água, o sabor é intenso e diferente para dizer o mínimo. Não tomei um que fosse desde o primeiro dia. Ninguém tomou. Havia um grande deficit de cafeína na nossa corrente sanguínea que só foi reposto quando chegamos ao nosso ponto de partida, Setúbal. E já agora, a ferida? Não era eu. Foi uma viagem no mínimo atribulada, mas o amor que sinto pelo Alentejo, esse ficou para sempre.