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O álbum de familia

Escrito por 

Acompanhe-me num percurso pelo centenário vinho da Madeira desde a uva até o envelhecimento e engarrafamento deste néctar dos deuses, guiada por um dos enólogos do maior exportador da ilha, Filipe Azevedo e pela equipa técnica.

A nossa jornada começa no alto de uma montanha, a cerca de 800 metros de altitude no Jardim da Serra, no Estreito de Câmara de Lobos. Na memória o intenso cheiro molhado da terra que acorda ao sabor dos ténues raios de sol matutinos. As latadas de vinha que escorrem pela encosta escondem os seus preciosos cachos escuros, que clamam pela vindima que tarda em começar. Ao trabalho, porque a chuva ameaça e há ainda muito por fazer. Todos os anos entre os dias 20 de Agosto até a primeira semana de Outubro são recolhidas cerca de 1,5 milhão de quilos de uvas, espalhadas pelos 600 produtores vinícolas que ajudam a produzir um néctar precioso, o vinho Madeira. Imaginem, o que é recolher uvas dos quatro cantos da ilha, chegando ao ponto haver vinhas tão a pique, que apenas 50 quilos de uva podem demorar uma hora até serem colocados nos camiões que os conduzem até às instalações da Madeira Wine (MW).

 

 

“Antes de todo este trabalho árduo e demoroso são definidas as uvas de qualidade necessárias para as vindimas”, como nos elucida o nosso guia, Filipe Azevedo, enólogo assistente do MW. “Os agentes da Madeira Wine falam com os viticultores e escolhem as uvas, que posteriormente serão recolhidas em caixas próprias e entregues na adega. Na chegada, são pesadas e analisadas á vista desarmada, contudo parte desse trabalho já foi feito pelos agentes. A primeira casta a ser processada é a tinta negra que é recolhida no princípio e final da vindima, porque tem uma abrangência bastante grande em termos de produção. Segue-se o bual e na segunda semana de Setembro é a vez da malvasia. O sercial é a última casta a ser inventariada para o processo de fabrico, porque é cultivada a altitudes elevadas, essencialmente no norte da ilha. A sua maturação é mais longa e por isso só pode ser retirada dos cachos na quarta semana de Setembro até princípios de Outubro. Depois, tomámos a decisão se aceitamos o lote de uvas ou não. As que foram aceites são encaminhadas para a linha de produção que se divide entre brancos e tintos. As uvas são processadas no vagão de produção, onde serão de novo avaliadas visualmente, poderão ainda haver algumas no fundo que não interessam e passámos as que foram aprovadas para as esmagadoras desengonçadoras a 100%, ou seja, é uma máquina que retira as uvas do esqueleto, designado por canganho, posteriormente abrem a película que envolve a uva sem esmagar a grainha, para recolher o sumo. O mosto é então transferido para os tanques de fermentação.

A casta tinta negra é feita com maceração completa, que implica bombear a película, a polpa e o sumo para o tanque onde irá decorrer uma fermentação em contacto com todos estes elementos, no final teremos um vinho muito mais escuro à partida. Para os secos e meio secos, à saída da esmagadora, levando as massas a prensa, iremos extrair o líquido e este será encaminhado para o tanque fresco onde será fermentado, no final teremos um vinho mais claro. Para os brancos que saem das esmagadoras, fazemos um contacto com uma película pré-fermentativa a qual iremos extrair o líquido que será fermentado no tanque fresco. De hora à hora são retiradas amostras de todas as cubas, controlámos a densidade e o baumé ou melhor, a abertura do vinho. Todo o processo de fermentação vária consoante o tipo de casta. O vinho mais doce fica alojado em média dois dias, enquanto o seco pode demorar cerca de oito. O outro parâmetro a ter em conta é a temperatura, nas castas brancas controlámos a fermentação até os 18 graus, para o caso da tinta negra as temperaturas podem ser superiores aos 24 graus.  Findo este processo, enviámos o vinho para o armazém onde será fortificado, a fermentação termina aqui ao adicionarmos álcool vínico a 96%. Nessa altura, o vinho irá ser colocado a 17 graus alcoólicos. Nesta fase, são recolhidas mais amostras para o nosso laboratório, onde é verificada a graduação alcoólica adequada que já referi.

No armazém de vinhos principal, separamos os estilos por tanques. Começámos com as clarificações, é uma etapa que visa separar as matérias sólidas que estão em suspensão no vinho. Depois desta limpeza, passámos os vinhos para a estufagem, para os Madeira de 3 anos, aquecemos os tanques, entre os 45 e 50 graus, durante 3 meses, findo este procedimento, o vinho é deixado arrefecer até a temperatura ambiente e transferidos para as cubas de madeira. O sistema tradicional de envelhecimento consiste em decantar o vinho, que é armazenado em cascos de carvalho, funcionam como um filtro, durante no mínimo cinco anos. Os vinhos de 5, 10 e 15 anos, irão ser utilizados nos colheitas e nas frasqueiras. Os de 3 anos irão sair da fermentação para serem posteriormente comercializados como blend.

O canteiro é a fase seguinte, não é mais do um dos métodos de envelhecimento do vinho Madeira. Todas as castas brancas vão para decantar, ou seja, o sercial, o verdelho, o bual e o malvasia, e uma parte da tinta negra proveniente da vindima. A grosso modo, cerca de 90% da produção vai para a estufa e os restante 10% para canteiro. Poderá variar, não são quantidades fixas. Após a clarificação, os vinhos são colocados nos cascos onde irão envelhecer no mínimo cinco anos. Os mais novos são armazenados nos pisos superiores, em zonas com temperaturas mais elevadas, entre os 25 e 30 graus centígrados e os mais velhos são guardados nas caves mais frescas. Nestes barris, ocorre a fase da concentração. O vinho essencialmente está a evaporar um dos seus grandes componentes que é a água e a concentrar os restantes elementos que conferem o bouquet único do Madeira. É um procedimento gradual, daí as diferentes temperaturas”.

Anualmente são retiradas amostras que são enviadas para o laboratório. Nesta área são avaliados vários parâmetros. “Os testes são realizados sempre aos 20 graus centígrados”, como nos elucida a responsável e analista química, Marisela Pontes, “é uma maneira de não haver uma diferenciação nos resultados. O vinho é exportado para todo o mundo e como tal a temperatura ambiente vai variar, é uma norma internacional que permite eliminar potenciais erros. Um dos parâmetros avaliados, por exemplo, é a massa que permite estipular a densidade do vinho. Os vinhos mais secos têm uma menor densidade e nos mais doces é maior”.

“Em simultâneo são realizadas provas de vinho padronizadas, essenciais para decidir o seu potencial de envelhecimento. Esta etapa é fundamental. O peso da selecção dos lotes, recai sobre o enólogo principal, o Francisco Albuquerque, porque é ele que decide os vinhos seleccionados. Os blend são uma mistura de vários anos de uma só casta, entre os 5, 10 e 15 anos, são vinhos estabilizados em frio que depois de filtrados são comercializados no mercado. Os designados por colheita e frasqueira são muito idênticos. São garrafas de um só ano e uma só casta, as diferenças residem no número de anos de envelhecimento. Os primeiros variam entre os 6 aos 19 anos em casco, é um conceito mais recente, com um grande potencial que permite em curtos espaços de tempo colocar vinhos diferentes no mercado. Os segundos envelhecem mais de 20 anos e tem custos superiores. São néctares em quantidades reduzidas que se destacam pelas suas características únicas. A grande evolução destes vinhos reside nos barris, ao contrário do vintage do vinho do Porto, que é envelhecido durante dois anos em casco e os restantes são na garrafa” concluí o enólogo assistente.

Finalizadas todas estas etapas de produção, o instituto do vinho da madeira é informado sobre a existência de um novo lote. Esta entidade reguladora recolhe amostras que irão analisar e que são levadas até à câmara de provadores onde serão avalizadas. Após a garantia de qualidade, o vinho é engarrafado para o consumidor final. Saúde!

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