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O bouquet perfumado

Escrito por 

 

Nicolas de Barry é um dos mais conceituados perfumistas do mundo. Criou uma fragância única baseada na sua percepção da ilha da Madeira. O perfume Isle of Madeira. Embarque neste diário perfumado sobre a pérola do Atlântico.
Criar um perfume é como cozinhar, tem de haver bons ingredientes, depois é preciso mexe-los de uma maneira agradável para poder serem cozinhados. As matérias-primas de um perfume são os óleos essenciais que provêm da natureza, após uma transformação. São flores como o jasmim, a rosa, a tuberosa, depois temos, as ervas aromáticas, como o alecrim, a menta, lavanda e até árvores e folhas. Tudo o que existe na natureza e que tenha cheiro é transformado em óleo essencial, principalmente através da destilação. É como fazer cachaça só que em vez de álcool produz-se óleo essencial com cheiro.


Um perfumista não destila os ingredientes, ele compra os aromas prontos e possui um orgão de perfumista, uma mesa com diversas prateleiras cheias de frascos de óleos essências. O seu trabalho consiste em criar uma composição, chamada de fragrância. O perfume é uma mistura de essências a que chamámos uma nota, é uma referência como numa composição, para que haja acordes e harmonia, como na música.

 

A pirâmide olfativa serve para explicar o processo de criação. Num perfume temos de respeitar três níveis, o fond, a base, são as notas mais fortes que ficam na pele. São as mais profundas. Madeiras, notas de animais que hoje em dia não se usam mais. Para o isle da Madeira usei um ingrediente que contém uma característica histórica, é o âmbar de cachalote. Na ilha já houve caça à baleia, hoje em dia já não se caça mais cachalote, mas um dos ingredientes tradicionais da perfumaria é o âmbar. É produzido pela cria do cachalote, é uma pedra que se desenvolve na barriga do animal e depois é expelida para o mar. A maior bola encontrada na época moderna foi justamente na ilha da Madeira, pesava 400 quilos. É um produto excepcional conhecido há milhares de anos pelos perfumistas.


O primeiro andar, é o coeur, o coração, são as notas mais importantes que vão caracterizar o perfume, se é um aroma floral, por exemplo. Num primeiro exercício, uma das características da ilha, da natureza em geral, são as suas flores, por isso a nota dominante só podia ser floral, então usei várias, rosas e jasmim.


No topo da pirâmide, tête, a cabeça, são as notas mais leves, que conferem a uma fragrância um lado mais fresco e podem ser as mais importantes em termos de marketing, Coloquei a tangerina regional, porque na ilha este fruto é muito gostoso, pequeno e perfumado, podemos encontra-lo em Janeiro nos mercados. Queria colocar um bouquet que não combina muito bem com este fruto, mas era algo simbólico, é um produto que se usa na perfumaria e que deu o nome à capital da ilha, o Funchal, o funcho. Num perfume também há ingredientes que não combinam. Eu volto a comparar este processo com a cozinha, todos os que cozinham sabem que não se deve misturar peixe com carne, ou peixe com ingredientes doces, na perfumaria é o mesmo, temos de valorizar as notas, se vou utilizar funcho num perfume, não vou acrescentar salsa.

 

 

 

Trata-se de um processo muito artesanal. Eu tenho uma ideia para um perfume, tanto posso progredir rapidamente, como às vezes, nunca vou conseguir de obter o que pretendo. Como funciona? Faço a construção da minha pirâmide e depois passo a passo é como uma experiência. Começo pela nota floral, se o balanço não ficar bom, vou abandonar essa mistura e intentar outro caminho. Gota a gota, é assim que o perfume vai progredindo. Até chegar ao ponto de achar que é isso mesmo, ou não chegar a algum lugar e ter de abandonar a ideia. No final escrevo uma fórmula, vai ser o início do processo de fabricação, depois é a mistura das essências com álcool que é deixado para amadurecer.
Se pretendemos uma água-de-colónia, ela vai ter mais álcool, um pouco de água e menos de ingredientes perfumados, tem de ser leve, 5% de matérias cheirosas para 95% de álcool e de água. Se pretendemos uma eau de parfum que vai ser extremamente forte, 15% de concentrado para 85% de álcool. O perfume chamado de extrato é ainda mais forte. Mas, hoje em dia não existe muita clientela para esse tipo de produto. O Chanel 5 pode ser encontrado em extrato, mas é uma excepção, nesse caso, tem 50% de matéria-prima para 50% de álcool.


Para ser um bom profissional da perfumaria é necessário de ter duas características, criatividade e treino. Sou como qualquer artista, actor, ou músico, necessito de possuir um talento olfativo e depois há o trabalho. Funciona da mesma forma que alguém pretende ser pintor, antes tem aprender a pintar. Tem de treinar e descobrir a sua forma de trabalhar. Um perfumista tem de trabalhar muito a memória olfativa, é o mais importante. É um instrumento de comunicação, no seu cérebro, que permite memorizar todo aquela panóplia de odores e cheiros, para depois fazer uma análise e tomar uma decisão. Um profissional como qualquer pessoa, o nariz depois de um certo tempo, a percepção baixa, cansa. Após duas horas sempre paro de trabalhar e descanso o nariz. Saio do atelier e faço outra coisa.


A arte do perfume não é a criatividade absoluta. Ficámos presos as matérias-primas. Vou comparar novamente aos grandes cozinheiros, aos chefes das estrelas Michelin, cada um deles é original, mas afinal, um dos mais famosos é Joël Robuchon, o seu prato mais emblemático é o puré de batata, podemos apostar que é o melhor do mundo, mas não deixa de ser puré de batata. Ele não inventou o tubérculo, trabalha com ele. O mesmo se passa com um perfumista entre nós há sempre especialistas em determinados tipos de perfumes, eu tenho um colega que se dedica mais as fragrâncias masculinas, eu sou mais reconhecido pelos aromas mais sensuais, mais orientais, muito ricos e mais fortes. Não sou muito bom nas fragrâncias mais leves, ou suaves. Não se consegue criar uma fragrância única, é preciso ver que esta é uma história com mais de 3 mil anos, com tradição quer no oriente, quer no ocidente, por isso podemos imaginar que criar algo novo é difícil.

 

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