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Taizé, uma outra dimensão da vida

Escrito por  Ana Bernardo


Taizé! Basta escrever o nome para ficar emocionada. Nesta aldeia francesa interpreto, pela primeira vez, o sorriso de Deus. Encontro a paz interior. Aprendo a confiar na família humana. Conheço múltiplas culturas. Descubro uma razão de viver. Sou jovem e livre.

- «Oh senhor motorista, qual é a nossa rota»?, pergunta Ana Maria, a minha professora do Instituto Francês.

- «A rota, que rota senhora? Nós vamos por terra», responde com um sorriso. O hálito a vinho tinto chega aos bancos traseiros. As gargalhadas não se fazem esperar. O autocarro parece uma velha lata de sucata. Só faltava mesmo a ausência de profissionalismo do motorista.

- «O destino não é exactamente Braga», salienta um dos meus companheiros de viagem, não sem preocupação. Felizmente, o desassossego inicial é emudecido por acordes de guitarra e vozes felizes. 19 no total. Com os restantes jovens, partilho um sonho: Viajar até Taizé, uma Comunidade situada numa pequena aldeia do sul de França.

Após infindáveis ziguezagues, a velha lata de sucata chega ao seu destino. Taizé perfuma a minha juventude com novos aromas. A música das discotecas é substituída pelo silêncio. A hegemonia portuguesa por uma mistura fantástica de culturas. Os vestuários elegantes pela simplicidade dos «irmãos» religiosos que aqui residem. O conforto do meu quarto pela modéstia das camaratas. A gastronomia requintada pela comida despretensiosa. Um mundo desconhecido que me oferece uma renovada dimensão existencial.

Um novo eu

- «Susana, Susana». A minha voz não passa de um murmúrio. Tento acordar a minha amiga sem perturbar as restantes raparigas que dormem na camarata. São cinco da manhã. O sol ainda não tingiu o céu com os seus raios luminosos. Seduzida pelo cantar dos pássaros, dirijo-me para a igreja ortodoxa, na outra parte do recinto. Quero assistir à cerimónias religiosa das 06:00. Sem demoras, sento-me nos frios bancos de madeira. Somos apenas cinco, cinco «corajosos». O celebrante fala numa língua estranha. Apesar de não entender uma palavra, nunca me esquecerei do seu olhar douto e penetrante. E do sorriso. Sincero e íntegro.

Após esta experiência enriquecedora, caminho em direcção ao lago. A manhã é condimentada com o cheiro doce da primavera. Necessito de meditar. O meu quotidiano nem sempre me satisfaz. Como qualquer outra jovem, pretendo singrar na vida. Tenciono concluir o meu curso universitário. Concretizar-me profissionalmente e a nível pessoal. Desejo encontrar novas amizades. Aprofundar as antigas. Conhecer alguém especial que faça de mim um ser humano melhor. Não quero ficar como algumas pessoas que conheço. Fúteis, frustradas, amargas com a vida. Preciso de descobrir a paz. A coragem. A comunhão. Aqui estou a conseguir. Permanecer em Taizé é compartir a esperança de que um dia seremos suficientemente hábeis para tornar o mundo mais extremoso.

«Est-ce que tu parles français»? Acordo, confusa, do meu turbilhão de pensamentos. O livro francês que tenho no regaço escorrega para o chão. Um rapaz loiro olha-me atentamente. Os seus olhos marinhos revelam brandura e simpatia. Respondo que sim. Com um sorriso cúmplice, seguimos até ao local das refeições. Comer é imperativo.

Um domingo inesquecível

São 09:00. Da minha camarata, escuto os sinos a ressoarem. Tempo para mais uma celebração religiosa. Mas esta é especial. Domingo de Páscoa. Cheia de felicidade, contemplo a imagem magnífica que se obtém do interior do recinto. Milhares de crianças, jovens, adultos, velhos sentam-se no chão. São como que pequenos pontos coloridos no horizonte. Brasileiros, chineses, americanos, franceses, o mundo inteiro está aqui. Emocionados, folheiam as páginas dos guias para cantarem. A uma só voz. Uma vela passa de mão em mão. Eis a luz da fraternidade.

Seguem-se os trabalhos de grupos. Sim, porque as reflexões da palavra são extraordinariamente gratificantes. Há muitos, todavia, que preferem o silêncio. Total e absoluto. Assim vivem há sete, quinze dias; alguns há cerca de um mês. Outra maneira de descobrir a paz interior.

12:00. O almoço é servido com alegria. Em todas as mesas, escutam-se gargalhadas e frases pronunciadas em múltiplas línguas. Apresso-me a terminar a minha refeição. Estou de serviço. Em Taizé todos trabalham. A lavar as casas de banho e as camaratas. A servir comida. Eu e o meu grupo temos de lavar a louça. Não de 100 ou 200 pessoas, mas aproximadamente cinco mil. Ainda bem que encaramos a tarefa com leveza. Enquanto esfrego freneticamente milhares de pratos, copos e talheres, olho em meu redor. Deparo-me com o sorriso terno do polaco Jarec. Da alemã Gretha. Da sueca Inge. Do brasileiro Gilberto. E de tantos outros. A vida em comunhão é indissociável de Taizé.

Faltam apenas algumas horas para regressar a Portugal. Enquanto aprendo a dizer «como estás?» em nove línguas, penso em todos os momentos aqui vividos. Ainda não parti e já tenho saudades. Obrigada, Taizé! Ensinaste-me a atravessar os caminhos do ecumenismo. Mostraste-me a paz. Pintaste a minha juventude de tons fortes e inovadores. Ajudaste-me a descobrir uma razão de viver.


Taizé

Uma breve história

O projecto remonta a 1940.  O fundador  de Taizé – o  irmão Roger – abandona o seu país de origem, a Suiça, passando a viver em França, a terra de sua mãe. Em 1945, juntamente com a irmã Geneviève, acolhe prisioneiros de guerra alemães internados num campo perto de Taizé. Na Páscoa de 1949, sete jovens comprometem-se a viver em celibato e em vida comunitária. Em «Deus só pode amar», o irmão Roger escreve -  «Pouco a pouco crescia em mim a convicção de que era essencial criar uma comunidade de homens decididos a dar toda a sua vida, e que procurassem sempre compreender-se mutuamente e reconciliar-se: uma comunidade onde a bondade do coração e a simplicidade estivessem no centro de tudo».

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