
A viagem que proponho não é nada boa para cardíacos, pessoas com vertigens e joelhos fracos.
O percurso que engloba a Fajã da Ovelha e até o Paul do Mar é um osso duro de roer e não é para os mais fracos de espírito. É uma caminhada de duas horas, talvez mais, dependendo da sua condição física que percorre a uma parte da costa da zona oeste da ilha da Madeira. É a mãe de todas as dolorosas e falo por experiência própria. Mas, antes de um relato cheio de emoções fortes, um pequeno hiato para explicar a existência destes caminhos. Sendo uma ilha com uma orografia extremamente acidentada, os nossos antepassados, ao arrancarem a pedra da montanha para assentarem os socalcos tiveram de esculpir recorrendo à força braçais os percursos que interligavam as pequenas localidades da Madeira. Esses acessos eram largos o suficiente para caberem as pessoas que transportavam as costas todos os seus bens essenciais. Os animais de carga, caso indaguem, não podiam sequer ser usados, na maioria dos casos, como meio de transporte ao longo destas passagens, muito derivado a falta de largura suficiente para o efeito. É o caso do caminho que pretendo abordar. Trata-se de um percurso que permitia que as populações do topo da montanha, do Paul da Serra, tivessem acesso ao litoral e vice-versa. Agora sim, a caminhada.
Ao princípio tudo é deliciosamente enganador, sarapintado de vários tons verdejantes, delimitados pelo anil do mar, que se avista ao fundo, saímos dos Prazeres em direcção da Fajã da Ovelha. Ao longo da levada avistámos campos cultivados e pessoas que nos saúdam alegremente desde os pátios das suas casas. Chegados ao pico dos bodes, fica-se com a sensação que vamos cair, bafejados pela brisa quente ascendente, ao encarar a falésia e bem lá no fundo, o Paúl do Mar. A roldana e o fio são antigos testemunhos silenciosos da forma como eram engenhosamente transportadas as grandes cargas e encomendas, já no inicio do século vinte.
Seguimos até a escadaria em pedra e eis que começa o verdadeiro desafio, são centenas, senão milhares de escadas que ziguezagueiam o penhasco em direcção ao mar. Ao todo não sei quantas são, o único que posso adiantar é que embora, de inicio haja uma contagem, passado pouco tempo esquecemos facilmente o pormenor, perante o perigo. Temos de descer com a ajuda de um bordão, e ter atenção com as pedras soltas, um passo em falso e terminámos a nossa caminhada mais cedo do que esperávamos. O cenário é avassalador. Seguimos em fila indiana, sempre a descer, é duro, porque exige atenção e destreza muscular, a pressão sobre os joelhos é constante. Descemos e descemos, no que aparentam ser escadas sem fim, mais parece uma descida aos infernos. O contrário seria como uma ascensão ao infinito. Bem, mais fácil diga-se de passagem, disseram-me, embora ainda não o possa confirmar. Tenho uma tendência natural para fazer, sem querer, os percursos mais exigentes possíveis. Continuo a descer, à medida que o sol atinge o seu zénite, a fome já se faz sentir, almoço só mesmo no fim. Descendemos, mais, mais e mais, a um compasso lento e seguro que só por momentos entrecortámos para ganhar mais um pouco de fôlego e encarar a paisagem atlântica. Neste ponto do percurso, as minhas pernas latejam por misericórdia. Ouço ecos de alegria, a jornada aproxima-se do final, o acesso alarga-se e aproveitamos para apoiar-nos uns nos outros. Olho para cima é estarrecedor. Nem acredito que desci toda uma encosta, num caminho que mais parece uma serpente esculpida na montanha. Paúl do mar, terra abençoada e doce engano novamente, era bom demais para ser verdade! Ainda tenho de andar ao longo da promenade até o outro lado da vila. Aí sim, espera-me uma cerveja fresca bem merecida. Até a próxima jornada.