Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Yvette Vieira

Yvette Vieira

segunda, 31 dezembro 2012 23:05

Conspirar a boa maneira portuguesa

A gud conspiracy é uma jovem marca de design que pretende singrar no mundo do mobiliário, mas não só. O conceito partiu da uma visão conjunta e pessoal de dois amigos, Paulo Neves e Alexandre Kumagai em 2010 e pretende num futuro próximo transformar-se num estúdio global de design, made in Portugal.

Como surge a parceria de gud conspiracy?

Paulo Neves: Eu e o Alexandre já nos conhecíamos. Fomos colegas há algum tempo, fizemos o secundário juntos e tivemos um percurso universitário parecido. Achámos que era altura de reunir as nossas competências e avançar com o projecto.

Contudo, ambos trabalham em empresas diferentes, porque decidiram criar uma marca para o vosso design de mobiliário?

PN: Era um ponto em comum, eu trabalhava numa empresa de design industrial, mas não estava directamente ligado ao mobiliário e ele, por outro lado, trabalhava numa empresa que tinha esse know-how e foi esse interesse que nos levou por esse caminho, embora pareça um projecto de design de mobiliário quer ser mais, no fundo quer ser um estúdio com outro tipo de valências.

Vocês falam de uma dialéctica em termos dos materiais, o mais tradicional versus o mais moderno, o mais leve versus o mais pesado, isso tem a ver com o facto de serem dois designers diferentes, com duas visões diversas em relação as peças?

PN: Procurámos isso. No fundo o que o nosso trabalho transparece é essa visão conjunta de duas pessoas, um se calhar mais virado para a construção, para o desenho técnico e outro mais orientado para o desenho. Daí é que nasce a nossa linguagem.

Em que se inspiram? A doba é inspirada num objecto tradicional, mas existem outras peças mais contemporâneas.

PN: A doba foi inspirada num dobadoura que é um instrumento para enrolar fio. No fundo temos um conceito por detrás do que desenhámos, um mote. Tanto pode ser tradicional, como pode não ser. Há uma ideia geral, um conceito que tentámos desenvolver e que procurámos diversificar, por exemplo, os muselets são inspirados na rolha de uma garrafa de champagne.

segunda, 31 dezembro 2012 23:04

Amadeus

Ivo Reis é um jovem designer que procura através da sua arte inundar o mundo de criaturas bizarras que podem ser suas amigas, ou não, mas que são únicas. As suas ilustrações são uma espécie de cartoons estilizados que quase ganham vida própria.

Porquê Amadeus como pseudónimo? É pela sua irreverência?

Ivo Reis: Não, eu andava a procura de um novo, como o meu segundo nome é Amadeus, achei interessante usa-lo e ficou.

Porque sentiste a necessidade de usar um cognome nos teus trabalhos?

IR: Não sei, para ser diferente do Ivo, surgiu-me naturalmente.

Defines as tuas ilustrações como um mundo de criaturas bizarras, umas mais amistosas, outras não. Procuras o belo no feio?

IR: Basicamente é isso. Gosto muito que as minhas ilustrações sejam detalhadas, “agressivas”, procuro através das cores, nos pastéis, nas tonalidades mais suaves criar essas criaturas mais agressivas, ou pelo contrário, nas coisas mais simples tento dar traços mais agressivos.

Mas, onde te inspiras para criar esse mundo?

IR: Inspiro-me no mundo à minha volta. Muito no meu imaginário, mas não tenho um ponto específico. Vejo o trabalho de outros ilustradores e procuro a inspiração em cada detalhe.

segunda, 31 dezembro 2012 23:02

O novo renascentista

indefinition1 indefinition2

Definir a sua obra artística é como abrir uma caixa, podemos encontrar de tudo, ou quase nada depende apenas da nossa perspectiva pessoal. Manuel Carmo é multifacetado, não conhece fronteiras, nem limitações físicas ou do pensamento. É o autor de um trabalho multidimensional que se repercute nas diversas plataformas que utiliza e que aprofunda através da fundação que tem com o seu nome.

No seu trabalho como artista plástico há um claro apuramento das linhas, esse processo ocorreu naturalmente ou foi alvo de uma reflexão?

Manuel Carmo: Como tudo na vida pensámos que dominámos os processos, mas não. Decorrem naturalmente, temos a ilusão do controlo, mas na realidade o controle é muito pouco, sobretudo no meu ponto de vista artístico, na minha obra plástica houve uma depuração, foi dizendo cada vez mais com menos. Na realidade se me perguntar se eu sou um artista plástico eu dir-lhe-ei que gosto de ser considerado como um autor. Eu lembro-me que aprendi há muitos anos que nós só devemos falar quando temos alguma coisa a dizer. Então, o que é que faço na minha carreira de autor? Se eu tenho alguma coisa para dizer tanto posso dize-lo escrevendo livros, como posso dize-lo fazendo esculturas, fotografias, instalações, vídeo e pintando. À medida que os anos vão passando, a minha experiência vai-se aprimorando e o meu próprio pensamento vai ficando mais claro, ou até porque não mais complexo, ou mais simples dependendo dos assuntos. Eu sinto também que a escrita que o faço dos diferentes materiais também se vai alterando.

A escolha das cores também obedece essa precisão ou não? Também houve uma evolução na paleta que utiliza.

MC: Eu tenho algumas cores preferidas, o preto e o branco pela dicotomia que isso representa e pela simplificação que implica. Não que eu não goste das zonas cinzentas, mas acho que só conseguimos trabalhar bem essas áreas se nos colocarmos no preto e branco. Infelizmente a maior parte das pessoas coloca-se hoje em dia nos cinzentos e isso acaba por ser coisa nenhuma e acabámos por não entender a realidade. Só conseguimos entender essa verdade que é muito mais cinzenta do que preta e branca se não tivermos no cinzento, se estivermos no cinzento é mais difícil, temos de estar fora para a poder entender.

Então considera a sua obra bidimensional?

MC: Não, nada de bidimensionalidades. O ser humano tem uma grande vantagem sobre todos os outros seres, nomeadamente em relação aos animais irracionais que são os que nos estão mais próximos, é que somos mais inteligentes e então dividimos as coisas para as entender. A divisão mais simples é por dois, é o preto e branco. Não conseguimos ver o todo, a totalidade, apenas vemos uma parte e isso faz com que quando me falam de bidimensões eu não sei, prefiro falar de multidimensões, que pode ser apenas uma, não me faz confusão nenhuma, ou seja, são todas aquelas com que as nossas capacidades e com a nossa experiência conseguimos ver e viver com. O meu trabalho é bidimensional? Não, o meu trabalho não tem dimensão, ou então tem a dimensão que na altura achei que devia ter, ou a que as pessoas que observam acham que têm. Não estou muito preocupado em definir tão categoricamente o meu trabalho.

Então considera-se um artista mais impulsivo ou mais cerebral? Parece-me que é mais cerebral.

MC: Sou muito cerebral, mas sou um ser humano muito emocional. É esta confusão do meu pensar muito Cartesiano. É do meu ser muito emocional que nasce a obra.

segunda, 31 dezembro 2012 23:01

Os dois amores

Carla Taveira divide-se entre dois mundo, o direito e as artes e ambas estão intrinsecamente ligadas a sua visão como pintora e como ser humano. Os seus quadros procuram desconstruir a realidade através dos diversos materiais de forma a torna-los únicos.

Desenvolveu paralelamente a área do direito e das artes, como é que tudo isso se processou?

Carla Taveira: Começou como uma brincadeira. Eu sempre gostei de pintura e surgiu a hipótese de ter acesso às tintas, aos pinceis e de começar a pintar, depois foi evoluindo.

Agora dedica-se exclusivamente as artes?

CT: Não, gosto muito do que faço em termos de direito e é uma paixão. As artes são um complemento que se foi tornando importante a partir de determinada altura quando as pessoas passaram a gostar muito dos quadros e por isso tive de começar a trabalhar mais.

Então como se definiria como artista plástica?

CT: É complicado falar em termos de uma definição. Eu tenho alguns temas e normalmente pinto o que eu gosto, por exemplo, livros. Outras temáticas que gosto de abordar são as minhas viagens.

Tipo diários gráficos?

CT: Não. Gosto de desenhar livros e acho que tem a ver com a parte jurídica e como gosto de viajar muitas vezes tiro fotografias de pormenores das fachadas de monumentos, interiores e são esses momentos que reflectem a minha pintura.

Utiliza no seu trabalho várias técnicas tudo isso também é importante?

CT: Sim, porque se as minhas pinturas não tiverem bastante relevo já não gosto de as fazer. Pinto, mas tenho de empregar muitos as mãos, necessito moldar os materiais e uso cartão, madeiras, plásticos, barbadeira tudo o que se possa imaginar. Quando acabo o trabalho está muito direitinho e tenho de o começar a desfazer.

Faz uma desconstrução do seu trabalho é isso?

CT: Exactamente e em quase todos os meus trabalhos há esse aspecto.

Porque não podem ser perfeitos é isso?

CT: Não tem a ver com isso, se as pinturas forem muito direitinhas para isso existe a fotografia, e não é preciso estar a retrata-las. É necessário fazer algo diferente e é essa a ideia.

segunda, 31 dezembro 2012 23:00

O aguarelista

É um artista plástico experimentalista, embora na génese da sua obra esteja a aguarela. Francisco Urbano procura adaptar diferentes materiais as suas pinturas, sendo complementos de uma visão mais ampla do mundo que nos rodeia. Cria atmosferas dinâmicas que transformam as telas em processos tridimensionais.

No seu trabalho há uma certa reciclagem de diferentes materiais. Desde sempre sentiu essa necessidade de misturar conceitos?

Francisco Urbano: Não foi desde sempre. Eu considero-me um aguarelista, porque elas permitem dominar uma certa rebeldia das tintas, dos materiais. Gosto de trabalhar com aguada, com as tintas a escorrerem pelo suporte e tentar domina-las com o papel, eles fundem-se e dão outra coisa que não estávamos à espera. É assim que me identifico na origem. Com o tempo gosto de coisas novas, comecei a usar novos materiais e experimentar. O meu trabalho é muito experimentalista, também há outras pessoas que o fazem. Não sou o único. Gosto de usar diversos materiais, colas, resinas, gesos e madeiras nos meus trabalhos.

Que depois são inseridas em instalações?

FU: Não, eu trabalho por séries. Tenho uma tela intitulada “baby tiger” que pertence a uma série de 30 trabalhos que retratava animais bebés junto das suas progenitoras. A diferença é que os apresento com elementos retirados da natureza. Cascas de pinheiro, resinas em aguarelas com a técnica de desenho.  Actualmente, estou a trabalhar na série cinema, usei os cartazes que servem para promover os filmes, só que a ideia é esta, quando a pelicula estreia são o foco da atenção, depois na rua sofrem o efeito da erosão, os grafitis, levam com sol, chuva e vento e escurecem um pouco. Decidi reaviva-los e traze-los de novo as luzes da ribalta e apresentar alguns filmes que me marcaram como cinéfilo.

O que o inspira no seu trabalho? Nota-se que há uma grande diversidade de temas, as ideias surgem quando andam pela rua?

FU: Às vezes acontece andar pelas ruas e ter ideias para alguns temas que me agradam e tento desenvolve-las nas artes plásticas, com o tal trabalho experimentalista e a reciclagem. Sinto a necessidade de desenvolver os materiais. Os temas são muito variados, gosto de conceitos diferentes. Já trabalhei num âmbito mais erótico, com uns nus, que apelidei de “models”, são retratos de modelos ao longo da história da pintura. Antigamente as modelos posavam durante horas para os mestres, normalmente, isso tudo acabava em grandes romances. As técnicas eram diferentes e eles tinham de estar juntos durantes dias, ou semanas, então decidi apresentar obras dos mestres com a minha técnica, foi uma série que gostei muito de fazer e acho que vou voltar, porque não a completei. É muito interessante trabalhar.

segunda, 31 dezembro 2012 22:59

Uma janela com vista para o mundo

Francisco Urbano é um dos fundadores da “L’agenzia di arte” um grupo de artistas que utilizam a internet como uma frincha para o mundo global. Uma promoção que também se materializa através de exposições realizadas em várias galerias e espaço de renome ao nível nacional e internacional.

Como é que surge a ideia de criar o “L’agenzia di arte”?

Francisco Urbano: É graças a um grupo de artistas italianos que possui uma página denominada “equilíbrio e arte”, que é um site muito abrangente, porque tem artista de todo o mundo. Fui para lá por convite de outros colegas e em 2007 surgiu a ideia de criar uma maior interação com os artistas portugueses  e estrangeiros daí a  “L’agenzia di arte” que rapidamente teve uma adesão fantástica. Temos mais de 600 artistas de todos os continentes, sendo que 80% são estrangeiros, isto permite que possamos trazer para Portugal artistas oriundos de outras partes do globo e nós próprios, os portugueses levámos a nossa arte através do mundo, mostrando-a a povos aos quais quase que seria que impossível chegar. Aproveitámos as sinergias de todos e tudo isto assumiu um caracter muito profissional que exigiu bastante do meu tempo. Neste momento temos uma agenda anual, religiosamente no dia 1 de Setembro é colocado o programa para o ano seguinte e assim, os artistas ficam a saber que os seus trabalhos serão colocados em locais bons, nobres que ajudam em termos de curriculum.

Como é que feita a selecção dos artistas? Há um painel que os escolhe?

FU: Sabe, o grupo foi criado por artistas e é gerido por artistas, não gosto de criticar o trabalho dos outros, a partir do momento que tem uma carreira artística assumida são bem-vindos, gostar ou não de um artista depende do observador. Enquanto artista tenho a minha própria linguagem, outros tem a sua e temos que respeitar o trabalho uns dos outros, sem o olhar crítico entre nós. Não existe uma selecção, desde que tenham uma carreira assinalável podem entrar. Temos uns emergentes, com eles é preciso ter um pouco mais de cuidado, porque é preciso perceber se pretendem seguir esta carreira, ou se é só para vender uma tela ou duas e isso não faz um artista.

Como são programados os locais para as exposições?

FU: Em 2012 começámos por Barcelona, estivemos em Coimbra, actualmente  estamos na Madeira e estaremos presentes no Porto, no dia 13 de Outubro, na Casa Abel Salazar. Todos os anos temos o cuidado de escolher as galerias, ou os espaços que primam pela qualidade, que possam acrescentar algo à carreira dos artistas e não exibimos os nossos trabalhos em locais que não tenham esse perfil.

Quais são as novidades que têm agendadas para o próximo ano?

FU: No próximo ano vamos começar uma exposição na galeira Visionarte em Barcelona e vamos estar presentes, na Fiqueira da Foz,  na 18º mostra internacional de Vendas Novas e na Casa da Cultura de Santa Cruz.

A aposta desde o início foi sempre um site online, porquê?

FU: Porque é uma ferramenta recente, para toda a gente, para a sociedade em geral. Tem sido aproveitada de uma forma positiva quer pelos artistas para divulgarem os seus trabalhos, quer para os colecionadores para os conhecerem. É brutal, fantástica, porque permite-nos uma exposição global e chegámos a todo o mundo

segunda, 31 dezembro 2012 22:57

Os captores de traços

Os urban Sketchers (USK) é um colectivo de pessoas anónimas que se reúne em conjunto para desenhar ao ar livre, num espaço, numa rua ou até em casa. A ideia é passar para o papel tudo o que se observa. É um momento lúdico que pode ser partilhado com amigos ou em família. A ideia é desenhar sem medos nestes eventos, por isso, vale tudo até mesmo a imaginação.

Quem são os urban sketchers (USk)?

Rui Soares: É um movimento que existe ao nível internacional. Foi criado por um espanhol, Gabriel Campanário, em 2007, ele é jornalista e  concebeu esta ideia, porque é também ilustrador, através do programa Flick colocava imagens e sketches online e mais tarde criou um blog para o efeito. Neste momento em quase todos os países há um grupo de USk.

Quando foi criado o grupo da Madeira as pessoas aderiram logo aos encontros?

RS: O primeiro encontro foi a 3 de Abril de 2011, só que, eu já tinha começado este passatempo nos urban sketches de Portugal, que tive conhecimento através da internet. O Mário Linhares e o Eduardo Salavisa são dois dos iniciadores do conceito ao nível nacional e então pensei depois de ter sido aceite, porque não fazer o mesmo aqui na ilha? Sempre gostei de desenhar ao ar livre, desde miúdo que vinha para a rua com um colega fazer estudos e depois foi um hábito que retomei quando era estudante nas belas artes. Os USK concentram-se, por norma, numa rua, ou num espaço para desenhar em conjunto.

Discutem o que desenham?

RS: Aqui não interessa discutir muito arte, o objectivo um desenhar por gosto, não interessa ser artista conceituado, mas apenas partilhar um momento com as pessoas que gostam de desenhar. Não interessa muito o resultado final, porque a ideia é fazer estudos, esboços e participar.

Quantas pessoas participaram no primeiro encontro?

RS: Participaram 17 pessoas, no último participaram 13 porque foi realizado no mês de Agosto, período de férias para muitos. A média de participação anda em torno das 16 pessoas, o que é interessante é que em todos os encontros há sempre novos participantes.

segunda, 31 dezembro 2012 22:56

Memórias de infância

“Auoa handmade” é um conceito de design inovador que recupera alguns do ícones mais tradicionais da ilha da Madeira, transportando-os para os objectos do quotidiano. É resultado de uma parceria entre o designer Nelson Henriques e a artista plástica Luísa Spínola que recupera as memórias de um imaginário que se vai perdendo no tempo, mas que é retomado com muito empenho, amor e dedicação.

A base deste projecto é aplicar um design mais moderno aos ícones da cultura madeirense. Como é que tudo isso começou?

Nelson Henriques: O projecto tem três anos. A ideia é recuperar a nossa tradição de uma forma mais contemporânea. Procurámos apenas o que era nosso, exclusivo da ilha, nomeadamente as bonecas de massa que eram vendidas nos arraiais madeirenses e que caiu em desuso até porque a senhora faleceu a já algum tempo, embora haja algumas iniciativas das casas do povo e juntas de freguesia para manter esta tradição tal e qual. Nós adaptámos esse conceito em outro tipo de materiais para imanes, pregadeiras e chaveiros.

Luísa Spínola: O projecto não engloba apenas o pegar nas ideias que existiam, mas mantivemos as cores, fizemos uma simplificação formal da forma para adequa-la a um público mais actual e que tivesse gosto em usar aquele produto no dia-a-dia, sem deturpar a essência desta tradição.

Mas, criaram outros tipos de bonecas?

LS: A boneca tem uma forma diferente da original. Mantivemos as cores, a linha e o aspecto, mas é um produto mais contemporâneo.

NH: Tivemos de fazer essa simplificação até porque era impossível transpor a versão de massa, que vai ao forno e muda de cor depois do cozer.

Mas, o vosso trabalho aborda outras tradições.

NH: Sim, também criámos outras colecções. Na série dos trajes típicos, temos a Maria do Campo e o Zé Bruzelo, que é também uma simplificação da indumentária tradicional, que vemos nos ranchos folclóricos…

LS: Nas vendedoras de rua e de flores. Pesquisámos o traje típico e a sua origem e depois tentámos a partir daí individualmente traduzir todas essas referências numa linguagem poética, de design.

NH: A colecção de flores endémicas da Madeira é outra das colectâneas que criámos, baseadas nas plantas e na flora da região. Utilizámos também um material diferente e aplicamos essa ideia à uma série de produtos.

LS: Possuímos também uma colecção em homenagem as mulheres. As vendedoras da rua que comercializam os produtos agrícolas na cidade, como por exemplo, a marcela, os espigos, os tabaibos. Identificamos as figuras com nomes que já caíram em desuso, é a Filomena, a Lurdinhas, a Mariazinha e a Bernadete. Elas transportam consigo, essencialmente na cabeça, os frutos da terra. Prestámos uma homenagem a essas mulheres que além de estarem em casa, plantam e colhem ainda vêm vender o resultado desse esforço. É uma mais-valia, essa mulher que se esforça, a colecção intitula-se poio.

Qual das colecções tem maior aceitação junto do público?

NH: As bonecas de massa, porque é um ícone dos madeirenses, não de uma geração mais recente, mas que as conhecem através dos arraiais da Madeira.

LS: Os estrangeiros gostam mais do traje típico. As bonecas de massa é o recuperar de uma memória, para o madeirense faz sentido. Os estrangeiros também gostam delas pelas suas formas e pelas suas cores. Mas, preferem os bonecos com a indumentária tradicional porque é o que associam quando cá chegam. Muitas vezes noto que compram as flores, apesar de ser um conceito mais trabalhoso, mas minucioso, gostam do tema e como são endémicas, eles levam, porque é uma lembrança única dessa passagem pela ilha.

NH: Todas estão identificadas com os nomes científicos. Temos toda essa preocupação. Contactámos um biólogo para as identificar e a partir daí avançámos para a produção. Futuramente pretendemos lançar outras espécies, outras flores. É, contudo, um projecto que ainda está na gaveta.

segunda, 31 dezembro 2012 22:54

Os dualistas

O sagrado e o profano é o elo de ligação entre Daniel Melim e Pedro Kogen, na próxima exposição da Galeria do Prazeres, na Calheta. O que une estes dois artistas? São jovens talentosos, que não receiam experimentar, nem expressar essa pulsão de múltiplas formas. O que os distingue? A forma única como encaram tudo o que os rodeia. Daniel Melim possui uma obra quase naturalista, que aborda a natureza e o ser humano no seu contexto social. É um artista mais carnal, mais físico e que transmite no seu traço as emoções à flor da pele. Pedro Kogen é o reverso da moeda, é um artista movido pela lógica, pela reflexão, que espelha uma obra tridimensional. É menos impulsivo, mais neural, mais intimo e isso nota-se à distância literalmente. Uma dualidade a não perder no próximo dia 5 de Outubro.

Qual é a ideia por detrás desta exposição?

Daniel Melim: É um encontro entre o percurso de ambos. São duas visões distintas. Eu trabalho mais na área das imagens, em termos de pintura e desenho e o Pedro Rodrigues versa mais uma vertente tridimensional, sendo o foco comum, desenhar nos Prazeres. Desenhámos a natureza, assim como as nossas preocupações, o que nos interessa aos dois, essa ideia do sagrado e do profano, de uma forma simples e expandida, não no sentido religioso do termo. Esse será o fio condutor da exposição embora, não tenhamos uma ideia definida à partida, porque viemos cá fazer uma residência artística com um espirito muito aberto e a partir daí víamos o que surgia.

O teu trabalho reflecte a natureza e a sua envolvência, quer na pintura, quer no desenho. É neste ambiente que te sentes mais á vontade?

DM: Eu trabalho a partir de modelos tridimensionais, neste caso a natureza e depois refaço as imagens no atelier, continuo a trabalhá-las depois com a minha imaginação, se quiseres, através das minhas referências pessoais e com muito do universo da banda desenhada. A natureza quer de facto aqui, neste ambiente mais de jardim protegido do exterior, quer nas levadas, quer nas praias não-vigiadas onde estive trabalhar, toca-me, são locais onde sinto directamente essas tais forças naturais a convergirem, a equilibraram-se, a desequilibrarem-se. Sinto a vida a vibrar bastante nesses locais.

O teu universo artístico reflecte um pouco a corrente dos impressionistas. A luz e as sombras são dois aspectos que te preocupam?

DM: Sim, no sentido dessa proximidade ao exterior e do atelier. Não como ser isolado, supostamente genial, criando num cubículo fechado, mas sim, no sentido do naturalismo, depois no impressionismo do século XIX. Trabalhar as impressões do exterior, da tal natureza que não esta protegida, nesse sentido sim. A luz e a sombra, as texturas, a fluidez e a rigidez, depois passa para o trabalho. A minha interpretação tem sempre esses dois níveis, o trabalhar na rua e no interior que é mais sintético, mais apurado em termos de imagem. Até posso desenvolver essa vertente de apuramento da rua, mas há sempre o trabalhar dentro.

As praias não-vigiadas o que te atraiu nesta temática?

DM: Porque, tem essa ligação à natureza menos mediada pelas pessoas, ou seja, não tem ninguém a vigiar, eu sou responsável pelos meus passos, eu gosto dessa ideia. A responsabilidade hoje em dia no contexto madeirense, o não ser vigiado, é algo que me interessa alimentar e experimentar.

Porquê toda esta sequência de desenhos são a preto e branco parece ter sido um trabalho mais aprofundado do que os outros desenhos a cores?

DM: Porque levou mais tempo, são imagens feitas à mão. Reflectem a dimensão do tempo, que nada tem a ver com a inclusão de cor, tem a ver com o tipo de minucia que a pessoa se auto exige, neste caso é meticulosa em relação as texturas. Há uma atenção especial com as rugosidades e na forma como a história desse chuveiro, desse bote e desse rochedo, é contada. É um único elemento preto sobre o branco. Como tenho a intenção de narrar com muito rigor cada rugosidade isso leva a uma espécie de extensão no tempo, porque também o poderia ter feito em quatro pinceladas e escolhi não faze-lo. É monocromático, mas sente-se esse trabalho aprofundado.

O facto de seres ilhéu, de te isolares para desenhar, de seres uma espécie de ilha em ti próprio, tem alguma influência no teu trabalho como artista?

DM: Acho que me levou muito tempo a perceber a influência do facto de ter crescido na Madeira e embora esteja a residir há onze anos em Lisboa, só nos últimos sete anos me apercebi da influência específica de crescer aqui e não em outro sítio. O retorno assume as riquezas da ilha e essa dimensão de que falas, não sei se é do momento, mas é da vontade de sentir com muito rigor a minha presença individual no mundo. Quanto uma pessoa se debruça sobre uma pedra, ou mesmo sobre um só elemento, tem essa dimensão de ilha. Se reparares na minha pintura há sempre um componente isolado, por mais turbulento e dinâmico que seja. Essa é a ideia de ilha, mas sobretudo, a relevância dessa vibração orgânica das rochas, nas escarpas, nas escadas que as pessoas escavam na montanha, nos poios improvisados, nesta primavera quase constante em que tudo se regenera e penso que essa dimensão está presente no meu traço. Por outro lado, eu desenho na rua, ofereço os desenhos a pessoas que estão em recuperação, isto é o resultado de um projecto que tenho com uma amiga psicóloga. Também há o trabalho que fiz na Ribeira Seca, com o Rigo, para uma comunidade que tem uma ideia de liberdade muito diferente. Tem a ver com a falta de sentido comunitário numa vertente mais ampla. A ilha tem esse isolamento excessivo das pessoas e que aí falo também de mim. O meu trabalho também vai nesse sentido de abrir-me para a comunidade, de ser de uma ilha, aqui existe a necessidade de me libertar mais, de interagir com os outros, de alimentar a liberdade e o sentido de partilha democrático.

segunda, 31 dezembro 2012 22:53

Reconexão

É uma reflexão colectiva sobre os efeitos nefastos dos incêndios que assolaram a ilha, sob a forma de exposição, na Travessa João Caetano, nº14, no Funchal. Artistas plásticos, voluntários e membros do grupo “Madeira em transição” criaram, a partir de objectos ardidos, instalações artísticas e pequenos oásis de plantas que visam não só estimular o pensamento crítico, mas reaproximar-nos a um conceito de vida sustentável e da importância do verde, essencial para a nossa existência.

Em que âmbito surge a reconexão?

Maurília Cró: Foi a convergência de vários acontecimentos que a “Madeira em transição” tem vindo a desenvolver. Já tínhamos definido em Julho que, uma das nossas actividades é o ciclo de cinema, iriámos ver “respigador-respigadora”. É um filme que traça a vida das pessoas que vivem do lixo, das sobras nas grandes cidades e no campo e depois tivemos os incêndios que assolaram a ilha. Achámos que devíamos ir até o terreno limpar toda uma zona e havia também uma vontade minha antiga de fazer uma instalação. Tudo se encaixou.

Então como é que tudo se conjugou?

MC: Começámos a fazer a limpeza das casas e dos terrenos, deparámo-nos com os objectos, já tínhamos a projecção do filme marcada para dia 10 de Agosto, começámos então a traze-los para o espaço, convidámos os artistas plásticos, os amigos e estivemos a trabalhar neste projecto há vinte e um dias.

De que forma surgem estas instalações?

MC: A partir dos restos dos materiais das casas dos terrenos afectados pelos incêndios em Santa Cruz. Trabalhámos lado-a-lado com o propósito de encontrar beleza e nobreza nestes objectos ardidos que sobraram após os incêndios, de promover uma ‘reconexão’ com a natureza. O Trinidade Vieira usou cinza para elaborar os desenhos em tecido e a Andreia Nóbrega utilizou este lixo para criar peças. Em simultâneo foi realizado um registo fotográfico de todo esse processo por mim, pelo Paulo Coelho e pelo José Zyberchema.

Não são apenas os objectos que vemos em redor.

MC: Exactamente. Achámos que faria muito sentido trazer um pouco da recuperação que se faz. Reconexão surge da necessidade religar, reaproximar à natureza ao outro. É um processo que culminou com esta exposição que foi muito bom para todos. Tivemos alturas difíceis, porque havia diversas opiniões, era necessário gerir tudo isso, mas acabou por ser muito bom.

FaLang translation system by Faboba

Eventos