Um novo rumo literário que o escritor angolano Pepetela decidiu enveredar.
Jaime Bunda é o melhor detective de Angola e quiçá um dos melhores do mundo! Esta personagem que surgiu da imaginação fértil do escritor Pepetela, baseou-se apenas fisicamente num rapaz que tinha um rabo proeminente para dizer o mínimo, mas no restante é uma das figuras mais deliciosamente perversas e divertidas que já li. Nutro uma enorme paixão por este policial que é único no seu género. Começo pelo personagem principal. O Jaime não é bonito, nem fisicamente ágil como James Bond e não possui a inteligência superior de Sherlock Holmes, mas é sem sombra de dúvida, o melhor agente secreto dos serviços de investigação geral. Acima da média. Se estão convencidos que as suas aventuras policiais envolvem grandes tiroteios ou perseguições infernais desenganem-se! Jaime Bunda pensa melhor com o estômago bem aconchegado. A escrita de Pepetela remete-nos para uma África cheia de aromas, odores e matizes. O autor descreve Angola com grande eloquência e sentido de humor, através de uma linguagem rica e fluida onde sobressaem as idiossincrasias do povo, retratadas através das peripécias que resultam das investigações do nosso querido e guloso amigo. É uma leitura tão prazerosa que, ficámos no final com água na boca, em alguns dos capítulos que descrevem com grande precisão os manjares com que o nosso querido agente secreto se delicia. Pepetela apenas escreveu duas aventuras para este nosso amigo com grande pena minha e dos fãs deste escritor, mas os dois livros que ficam para a posterioridade são do melhor! Boa leitura!
É uma reedição de uma resenha histórica sobre este território africano descrito por Manuel Rosário Pinto.
Proponho mais um livro de consulta sobre a história de um pequeno país, uma ex-colónia portuguesa, São Tomé e Príncipe. É o relatório anónimo contemporâneo de Manuel Rosário Pinto sobre a revolta de escravos, liderado por Amador ao qual o padre teve acesso e o retrato da estrutura socioeconómica do território. A descrição engloba o período de 1473 até 1734, ano da sua conclusão. O historiador Arlindo Caldeira faz uma reedição deste documento com uma introdução sobre a vida e obra deste eclesiástico e notas explicativas sobre o texto. Um dos capítulos que pretendo focar, é a vida de uma das personalidades mais famosas da ilha, Amador. Ele foi um escravo cativo nascido em São Tomé que liderou a primeira grande revolta de escravos em 1595. Tudo começou a 9 de Julho desse ano com a matança de alguns brancos e terminou vinte dias depois com a rendição dos escravos, após uma batalha desigual em todos os sentidos. Embora, os insurrectos fossem em maior número, fontes históricas citam 5 mil escravos que invadiram a cidade, estavam praticamente desarmados e não tinham qualquer tipo de plano viável o que precipitou a sua derrota. Os líderes dos amotinados, os generais de Amador, foram presos ou enforcados. Quanto ao destino deste herói santomense, segundo o relato de um documento existente no Vaticano, terá sido executado e esquartejado para servir como exemplo. Mas, qual foi a importância desta personalidade na história da ilha? Apesar da revolta ter sido de curta duração, o facto é que nesse espaço de tempo foram destruídos mais de metade dos engenhos de açúcar, que precipitaram o declínio da industria no arquipélago, que nunca mais recuperou após a insurreição. Actualmente, Amador é considerado um herói nacional, mais conhecido por Rei Amador dos Angolares, embora não haja provas históricas que comprovem a veracidade deste título, aliás vários historiadores a refutam, julga-se que a lenda provém de uma tradição oral que remonta do século XVI que se mantém até os dias hoje em de São Tomé. Para quem gosta de história e de obter mais conhecimentos sobre os países que integram a lusofonia e compreender o percurso do padre Manuel Rosário Pinto, este é um livro para ler com atenção. Boa Leitura.
É um livro inspirador e sarcástico sobre os portugueses e as suas idiossincrasias.
Miguel Esteves Cardoso, para além de jornalista, é um autor. Como ele próprio o diz, “um escritor que realmente o seja há-de sempre escrever”. Uma afirmação, que lhe assenta como uma luva. Ele é um observador atento, talvez por inerência profissional, das contradições que se manifestam na cultura portuguesa, através de uma linguagem mordaz, irónica e sem papas na língua. Ele descodifica também, os nossos comportamentos sociais e dá-lhes um nome, ao seu gosto pessoal, o que torna os textos ainda mais cáusticos e divertidos. A sua escrita é deliciosa pelo simples facto de muitas das vezes assinalar o óbvio e isso como povo diverte-nos. Também desmoraliza a classe política e isso agrada mais as hordas de leitores que o seguem. É o meu caso e não falo apenas das caricaturas que faz dos supostos eleitos livremente pelo povo, mas também de nós, os portugueses em geral. O que tem este livro de tão especial? Ao lê-lo, é impossível não termina-lo sem uma valente e sonora gargalha. Bem, talvez no seu caso, seja mais um sorriso rasgado. Estas crónicas foram publicadas no jornal expresso, e segundo as suas próprias palavras: “as melhores são aquelas que apanham o ar dum momento e se expõem a ele. Morrem constipadas no minuto seguinte. As crónicas que vêm menos a propósito são geralmente mais maçadoras e aguentam-se mais tempo. Mas, mesmo estas não podem virar a cara ao vento. Quando viram acabam por indicar, indirectamente de onde sopra. Tenho a impressão que é este género de crónica que prefiro”. Eu também tenho a impressão, ou melhor afirmo, que os textos do MEC (como é carinhosamente apelidado em Portugal) são os meus preferidos neste tipo de género jornalístico. Espero que sejam os vossos também. E como provocação, comecem a ler, depois do prefácio, claro está (e não falo por acaso!) na página 9, a crónica sobre os fidalgos, queques e betinhos. Boa leitura!
Uma das grandes obras-primas da literatura portuguesa. O retrato de um país interior, em pleno Estado Novo.
Quando os lobos uivam é um livro corajoso, tendo em consideração a época que abarca, a altura em que foi editado e o tipo de escrita despudorada do autor. É uma das minhas leituras preferidas, por descrever um país que nunca cheguei a conhecer, nem quero. Para que entendam, tenho que recuar no tempo, ao ano de 1958, em pleno Estado Novo. Esta aventura literária teve um custo muito alto para o escritor, Aquilino Ribeiro. A sua ousadia foi desafiar o regime através da escrita, o que teve como efeito imediato um mandato de captura em seu nome e que todos os livros fossem apreendidos. A censura surgiu de forma contundente e o escritor foi considerado persona non grata por Salazar. O resto do mundo, contudo, amava desmesuradamente o autor. O seu nome foi proposto para o prémio Nobel da literatura, numa candidatura onde constavam mais de uma centena de nomes ligados à cultura e figuras públicas portuguesas. Vamos então, a tal história que tanta celeuma levantou naquela época. Manuel de Louvadeus é um homem que retorna a sua terra natal, passados dez anos que se apagaram num sopro, Arcabuzais, na serra de Milhafres, a sua beira amada. Para atrás tinha deixado uma vida dura e empobrecida, com a promessa de fortuna na Meca brasileira. O homem que vai ao encontro das suas origens, não é o mesmo. Não traz riquezas, regressa mais rico como ser humano, mais culto, com outra visão do mundo que o rodeia. É um homem que se insurge contra as autoridades vigentes, em prol da defesa das populações injustiçadas pela nova lei dos terrenos baldios. Um novo enquadramento jurídico que prevê a expropriação desses terrenos comunitários para plantar pinheiros. Uma decisão que incendeia as populações serranas, que dessas terras dependem para sua sobrevivência quotidiana. A revolta começa. O poder central, embora longe faz sentir a sua mão pesada aos insurrectos. O que é descrito a seguir retrata sem subterfúgios, sem nuances, o funcionamento do sistema político e judicial da época. É o retrato genial de um país analfabeto, empobrecido e censurado. O porquê dos lobos uivarem? Mais, uma vez, prefiro ser desmancha-prazeres! Para descobrirem a razão deste título, sinto muito, vão ter que ler. Boa leitura!
São duas edições em português que reúnem 36 contos infantis japoneses, por Floren Sakade e ilustrados pelo artista Yoshisuke Kurosaki e Yoshio Hayashi.
É uma edição brasileira, que pode ser lida às crianças portuguesas, tendo em conta o novo acordo ortográfico. É única no mundo, porque está em duas línguas, em português e japonês. É uma homenagem dos brasileiros a maior comunidade residente fora do país do sol nascente. Os contos são traduzidos de forma rigorosa para não alterar ou denegrir o seu conteúdo, que prima por explicar de forma simples as tradições e os costumes japoneses. São histórias de encantar que foram transmitidas oralmente ao longo de várias gerações de japoneses. É uma leitura recomendável para os mais pequenos, porque partilham os ensinamentos da cultura nipónica, algumas são lendas antigas, outros são contos moralistas, absurdos, cativantes e com personagens no mínimo estranhas, como é o caso dos tengus, seres sobrenaturais com grandes narizes. São dois volumes, que permitem de forma singela e bela, (as ilustrações estão à cargo de dois artistas consagrados no seu país de origem), aceder a uma cultura que nos é distante e ao mesmo tempo próxima e aprender uma língua ao mesmo tempo. Boa leitura!
É um romance mistério com a cidade de Nova Iorque como pano de fundo.
A escrita de João tordo é clara e acutilante. Prende o leitor pela complexidade dos seus personagens, dos seus medos e meandros mais obscuros que terminam numa espécie de redenção, é o caso de um dos personagens principais, um estudante sem nacionalidade aparente que provoca uma morte sem ter a consciência plena da sua responsabilidade na tragédia, que inconscientemente provoca. A partir desse instante, ele carrega um peso, uma culpa eterna, uma pena invisível pela perda do amor da sua vida. O nosso jovem enceta assim, um caminho de auto-destruição que o levará até o Hotel Memória, no coração da cidade de Nova Iorque. E depois? Leiam. Só posso acrescentar que, este livro recorda-me os filmes de suspense de Alfred Hitchcok, no inicio somos habilmente induzidos para uma história com um final inesperado e de repente, quando tudo parece decidido, a verdadeira aventura começa! Boa leitura.
É uma das maiores obras-primas da literatura portuguesa. Retrata o Portugal dos brandos costumes. As idiossincrasias de uma época. O amor lírico entre Carlos e Eduarda.
Sou suspeita para falar sobre esta obra de Eça de Queiroz. Gosto tanto deste livro que o releio com frequência, nas alturas mais estranhas. Largo tudo e mergulho na história do casarão do Ramalhete. Do solar da amaldiçoada família Maia. É um grande romance. Reflecte a nossa forma de ser como povo um tanto trágico-cómico, um tanto sarcástico, um tanto provincial, um tanto triste e resignado com o seu fado. Vamos às personagens. Pessoalmente, embora, tenha um certo carinho pelo par romântico desta história, na verdade não são os personagens que eu mais aprecio.
O avô, o Afonso, no meu ponto de vista, condensa as melhores características dos portugueses. A sua grande generosidade, um certo orgulho, coragem e teimosia, envoltos numa camada de ternura e de compaixão. Um homem fiel as suas origens. Leal com amigos. No esprecto oposto, temos o pseudo-poeta, o Ega. O mulherengo charmoso. Sempre com os gestos certos e as palavras meladas na ponta da língua. O típico malandro português que, não almeja verdadeiramente trabalhar, mas sim viver à custa dos outros, da fama como galã e quiçá ser escritor nos tempos livres. Amaldiçoado pelos maridos e sempre abençoado pelas mulheres, mesmo por aquelas, que apenas o lêem. Justificámos todas as peripécias em que se envolve. Perdoámos-lhe tudo. Vai-se lá saber porque! A terceira personagem, que de forma alguma podemos contornar, é o Ramalhete, a casa dos Maias. As suas paredes reflectem as várias cadências da tragédia familiar que se avizinha e que culmina com a morte do patriarca. A sua decadência é o sublimar da trama dramática, muito ao gosto do autor, que com uma escrita perversa e ao mesmo esplendorosa, faz sofrer intensamente todos os seus personagens. Diria até que Eça era um tanto masoquista e brilhante ao mesmo tempo. De lírico, pouco ou nada. Boa leitura.
É a confirmação do talento de Gonçalo M. Tavares como um dos maiores escritores da actualidade.
O livro é uma epopeia, não de um povo, mas de um único indivíduo, o Bloom, que decide encetar uma viagem até a Índia à procura da redenção, que não encontra no seu espaço interno. É uma fuga em frente, que acaba por ser exercício literário complexo, já que o autor astutamente, intercala esta jornada mais espiritual que física com poesia, com a ideia subjacente dos lusíadas só que ao contrário. Tudo acontece ao Bloom, num conjunto de 1102 estrofes e dez cantos. Tal qual Camões, Gonçalo M. Tavares, culpa, enxovalha, baralha e glorifica um herói, ou será anti-herói? Como sempre, vou ser mais uma vez uma desmancha-prazeres e deixar o leitor decidir. Não é uma leitura fácil. É inovadora em muitos aspectos, tem uma musicalidade inerente que marca o compasso da acção, como se fosse uma batuta, imprime-lhe drama, o escritor não nos deixa esquecer o motivo que leva a personagem principal a encetar uma viagem, quase anti-natura ou não. Leia e reflicta. Boa leitura!
É uma edição de luxo que permite vislumbrar a produção literária de uma dos maiores poetas do modernismo em Portugal.
Caranguejola
Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Noite sempre p'lo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P'lo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...
Mário de Sá Carneiro foi um dos pais da nova poesia em Portugal. Contemporâneo e amigo pessoal de Fernando Pessoa, ambos em conjunto com Almada Negreiros e outros artistas da época fundaram a famosa e infame para a época revista Orpheu. Este poeta desde sempre foi perseguido pelos sentimentos de inadequação e inutilidade, em grande parte motivada pelo facto de não ter concluído o curso, não ter realmente seguido uma profissão e o insucesso da sua publicação, que não foi muito bem aceite pela sociedade da altura e que são um tema recorrente nos seus poemas. Crê-se que foram esses motivos que o levaram ao suicidio em 1916, já que não há dados concretos que possam confirmar se padecia ou não de uma doença do foro psiquico. A caranguejola é um dos exemplos de uma obra poética, em que o eu poeta briga com as estructuras vigentes do seu tempo e contra sí mesmo. Esta publicação, aborda também a prosa do autor, com particular ênfase para a confissão de Lúcio. É a sua obra-prima. Um mundo que deambula entre a realidade e uma existância ónirica criada por ele, para veicular mais uma vez a sua obsessão pelo suícidio e pela morte. Este livro é interessante na medida em que podemos traçar o perfil enigmático do poeta e escritor e cada um de nós pode estabelecer as elações que entender sobre a sua alma atormentada. Boa leitura.
É a história de duas mulheres no reino da Angola setecentista.
Este é o primeiro romance de Isabel Valadão e uma verdadeira jóia literária. Bem, haja esta nova escritora! Este livro é sobre duas mulheres completamente diferentes, Maria Ortega, uma mulata que tem como destino o exílio nas colónias e Anna de São Miguel, uma fidalga cujo destino inexoravelmente muda de rumo com a morte do seu marido. Aparentemente ambas nada têm em comum. Uma é a senhora e dona e a outra é uma liberta. A cidade de Loanda é o pano de fundo desta nossa história, será o elo unificador destas duas guerreiras, que irão unir forças por um mundo melhor. A batalha começa e elas são as duas protagonistas de um romance histórico repleto de acção, perigos, alegrias e tristezas. Gostei muito como a autora construi estas duas personalidades tão fascinantes. Ambas são ricas e repletas de nuances, em particular Maria de Ortega. Loanda é a terceira personagem deste livro. Assistimos aos primórdios da capital do reino de Angola, o quotidiano de uma das maiores cidades das ex-colónias, o mercado negreiro controlado pelos portugueses e as batalhas pelo território, no decorrer do século XVII. O cenário é descrito com uma linguagem muito vivaz e eloquente, a escrita de Isabel Valadão é de uma grande beleza estética. Lê-se com grande intensidade. Gostei muito e espero que me acompanhem nesta jornada pelo mundo setecentista português. Boa Leitura.
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