Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Yvette Vieira

Yvette Vieira

terça, 08 março 2016 17:46

As escritoras com olhos de aventura

A maioria das pessoas não sabe contar uma história, mas não é o caso de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães que escrevem livros de aventura desde 1982. A saga que já vai no 58 volume deslocou até à ilha da Madeira para mais uma aventura, que foi apresentada na cidade Funchal, perante um público mais jovem e outro mais adulto que teve oportunidade de colocar questões as escritoras que reproduzo, para além das minhas perguntas.

Como é que tudo começou para esta nova aventura?
Isabel Alçada: Nós planeámos “uma aventura na Madeira” que começa no Funchal e que acaba na capital da ilha. Os personagens centrais são as duas gémeas, a Teresa e a Luísa que tem um caniche chamado Caracol, um rapaz que se chama Pedro que é muito bom aluno, sabe tudo, é atento, o Chico que é desportista e que tem uma característica de que gostámos muito, nunca bate nos mais novos, nem nos mais fracos, muito pelo contrário, ele protege-os e o mais novo que é o João que tem um cão chamado Faial, um pastor alemão, que nos achámos que era muito bom para entrar na história. Em “uma aventura na Madeira” entram as personagens humanas, mas os animais não, porque era muito complicado deslocá-los até o Funchal e resolvemos fazer uma visita com olhos de aventura, ou seja, ser capazes de imaginar, ter um filtro para descobrir recantos misteriosos e entrar em sítios especiais para despois escrever. Fizemos uma visita à ilha, estivemos cá vários dias, ambas já viemos em outras ocasiões para passear como turistas, mas não tínhamos vindo como escritoras.

Ana Maria Magalhães: Enquanto a fonte não secar vamos continuar. Eu vou explicar como é olhar uma terra com olhos de aventura, quando escrevemos um dos volumes de uma aventura não só queremos fazer brilhar as terras onde se passa história, como tem de ter uma narrativa que se encaixe bem. Aí fomos nós para a floresta laurissilva e tivemos sorte, porque quando lá chegámos começou a cair o nevoeiro, isso deu logo um aspecto misterioso, só faltava aparecer uma bruxa, ou um gnomo, ou uma fada e ficou logo decidido que entrava na história. Imaginem lá o que me começou a piscar o olho, quando estive no Funchal, porque queria entrar na aventura? Foram as ilhas desertas. Eu dizia a Isabel que tinham de entrar na história e ela dizia que não podia ser, porque não fomos lá, mas eu insistia que tinha de ser, porque cada vez que olho para o mar, as Desertas falam comigo e como vão verificar elas entram na aventura. Depois fomos as grutas de São Vicente e quando entrámos naquela estrutura de madeira parecia que íamos penetrar no centro da terra, era o sítio ideal para acontecer algo de extraordinário, porque tinha os lagos subterrâneos, que estão iluminados com uma luz dourada e formos tirando notas e fotografias. Chegou-me aos ouvidos que as crianças de Machico reclamaram que a sua cidade não entrou, mas é que toda a ilha não cabe e é sempre uma dor de alma deixar seja o que for de fora. Depois falta outra coisa, todos os livros de uma forma mais clara, ou mais obscura tem sempre uma novidade, nesta aventura há uma personagem que tem um feitio insuportável, ao que parece, realmente pode ser apenas que cresceu assim, mas também vale a pena verificar se a pessoa não teve problemas, por exemplo, se não lhe faltou carinho quando era pequeno e por isso é que não se dá com ninguém, por vezes vemos crianças que se isolam, porque será? Porque tem direito de estar sozinha? Ou teve algum problema? Ou não tem irmãos? Portanto, sensibilizámos de uma forma original, inesperada até para nós, através de uma personagem que entra na aventura. Em “ uma aventura na Madeira” o personagem esta apaixonado por uma rapariga e não sabe se os seus sentimentos são recíprocos, não sabe se ela sorri-lhe com um ar caridoso, por ser amiga, ou porque sorri para toda a gente, tem problemas em decifrar o que os outros pensam e sentem e vão conhece-lo neste livro. Há outro sítio que ficou reservado para a aventura que é a casa abrigo que existe na montanha, é pequenina e tem a porta aberta, possui uma lareira com troncos de lenha para poder fazer uma fogueira para aquecer-se e abrigar-se da chuva, não há nada para roubar, nem para comer, mas se levarem uma mochila com víveres pode ser usada e os personagens principais acabam por faze-lo. Neste livro tem uma outra personagem, João Gonçlaves Zarco, vou dizer porquê, eu adorava ter vindo com ele na viagem de descoberta da Madeira. Nem imagino o que terá sido ver esta ilha pela primeira vez, se haveria ou não animais selvagens, ou povos guerreiros que o queriam matar, penetrar no território sem saber o que estava cá dentro.

O que foi mais dificil em termos de escrita nos livros da aventura?
IA: O mais difícil foi deixar alguns dos locais, recantos de parte , porque a ilha é muito inspiradora. Quando aterrámos concordámos que a Madeira é maravilhosa e tem um toque de magia para escrever histórias para os mais novos. Deixamó-nos inspirar e estivemos em locais que não podiam deixar de entrar, como a Casa das Mudas que tem toda aquela atmosfera rodeada de falésias. Noutras histórias, como somos duas, que no nosso caso se entendem bem, gostámos de nos inspirar nos locais, falámos com as pessoas e depois a ideia de uma inspira a outra e escrevemos o livro.

AMM: Em “ uma aventura alarmante” tivemos um assunto que não dominavámos, que foram os micróbios, portanto tivemos de pedir ajuda a um médico e quando tinhámos uma dúvida telefonavámos, mas o que acontecia com frequência era que ou já tinha saído, ou estava em consulta e chegámos a conclusão que envolver uma pessoa de fora complicou muito o nosso trabalho. Por isso, combinámos que aventuras sobre ciências terminaram, porque esse foi o livro mais complicado.

Qual é o vosso livro preferido?
IA: Quando temos filhos gostámos de todos, quando temos netos gostámos de todos, este livro é como se fosse um neto era o mais novo e é o nosso bebé. Alguns livros gostámos mais porque estão ligados as coisas da nossa vida, “uma aventura no bosque”,que se passa em Sintra esta ligada à minha infância e onde costumo passar férias, essa história tem um significado especial para mim.

AMM: Eu tenho dois preferidos, “uma aventura nas férias de natal” passasse na quinta dos meus avôs, todos os locais e todas as pessoas que entram na história existem ou existiram. Aquelas peripécias foram as que eu vivi quando era criança, por isso, esta no meu coração e tenho um carinho muito especial por essa história.

IA:Quando se caminha pelas levadas é uma maravilha, mas também sabemos que as plantas são especiais e fazem parte de um conjunto que é património da humanidade e queríamos falar disso, com o cuidado de não dizer algo errado, então, telefonámos muitas vezes para à Aida Pompo Correia, que estuda especialmente esta floresta. Embora seja uma história de aventura, o que esta lá escrito tem de estar correcto para que os leitores tenham confiança em relação à nossa escrita e vão verificar que as plantas da Laurissilva tem um papel muito importante nesta história.

Como é que essa magia se mantém há mais de duas décadas?
AMM: Por acaso eu e a Isabel viemos de grandes famílias, onde as crianças foram bem tratadas, estimuladas, acarinhadas e quando por acaso fomos para a mesma escola em 1976 descobrimos rapidamente que nos davámos bem, preparámos aulas e testes jutnas, habituamo-nos até a elaborar em conjunto as actas das reuniões de professores, não sabíamos, mas estavámos já a treinar para escrever em parceria. Começámos a escrever pequenas histórias para os nossos alunos, que embora as apreciassem, eram usadas mais pelos nossos colegas que as pediam para as suas aulas. Até que um dia, estavámos em casa, em Janeiro, não sei em que dia e a Isabel desafiou-me e se nos sentassemos e começassemos a escrever livros para publicar? O que achas? E rapidamente descobrimos que era fácil fazer histórias longas, porquê? Isto foi importante, descobrimos que temos o ritmo super acelerado, há muita gente que não aguenta, temos ideias semelhantes, talvez tenhámos a mesma forma de encarar a vida e estámos habituadas a evitar conflitos, porque na qualidade de irmãs mais velhas ajudávamos a resolver conflitos, nunca perdemos tempo a discutir, quando temos um problema parámos e vamos arejar.

Sabem qual é a diferença entre as gémeas?
AMM: Sabemos, mas elas pediram-nos que nunca revelassemos o seu segredo, prometemos que nunca contavámos, porque palavra de professor nunca volta atrás.

Quando focaram o trabalho que desenvolvem em conjunto para os livros, uma das questões que salientaram foi o facto de introduzirem sempre uma novidade nas aventuras para serem todos diferentes. Como é que escolhem essas novidades? Desde biologia, personagens, etc.

IA: Nós escolhemos sempre algo que valha a pena transmitir aos leitores, algo positivo, que seja inspirador para eles, que queiram saber mais. No caso da Madeira falámos da flora, achámos que a floresta da Laurissilva é um lugar misterioso e encantador e depois decidimos ir um bocadinho mais longe revelando as plantas, depende muito das circunstâncias e do lugar onde a história se passa. Por exemplo, tem de haver sempre peripécias com opositores, personagens que ajudem a criar problemas, no caso da Madeira tivemos de encontrar bandidos originais, porque a ilha é um lugar aprazível, simpático e não nos ocorria o tipo de malfeitores.

Em relação aos bandidos anteriormente à Ana Maria Magalhães focou o facto dos leitores adultos terem pedido que os livros da aventura não tivessem bandidos e quando isso sucedeu choveram reclamações.
ANM: O que os leitores pretendiam é que os bandidos não fossem tão maus, que não houvesse violência nenhuma, mas na saga da aventura que é um livro de acção tem de haver sempre um momento de perigo, fizemos uma tentativa “uma aventura da terra e no mar” e o público reagiu mal, portanto, tivemos de criar bandidos mais adequados a história, por exemplo, em “ uma aventura em Espanha” naquele país matam-se touros, comem e deitam-se tarde, é tudo excessivo, arranjámos uma quadrilha que rouba jóias, disposta a tudo. Aqui na Madeira tínhamos um problema, trata-se de uma terra suave, convida a relaxar, como vamos por pessoas a fazer o mal? Demos volta à cabeça, mas não vou dizer como encontrámos uma solução que nunca teriámos utilizado antes.

Quando pensam nos bandidos tem em mente a frase sobre Portugal ser um país de brandos costumes, é isso?
IA: Não, nós tentámos que as nossas histórias sejam positivas e os bandidos entram só para criar perípecias, suspense, mas gostámos que seja muito nitída a diferença entre aquilo que esta certo e errado de fazer, por isso, os nossos bandidos não estão no meio termo, não são simpáticos, são malfeitores que fazem coisas erradas e que os nossos leitores de imediato reconheçam como condenáveis e não lhes apeteça mesmo nada identificarem-se com aquelas personagens. Nós temos como principal objectivo ao escrever as nossas histórias é criar gosto pela leitura, aos leitores que tem estas idades que a quem nos dirigimos, que comecem a ler um livro até o fim e que sintam prazer em fazê-lo, a nossa missão principal é criar leitores. Mas, depois sendo professoras é quase inevitável que haja, se quiser, uma atitude pedagógica, os livros tem uma componente educativa e nesse aspecto gostámos de veícular valores. A equipa de personagens centrais tem uma amizade forte, são diferentes uns dos outros, ajudam-se, são capazes de conjugar esforços, são solidários, não mentem, portanto, há uma série de características daqueles personagens em contraste com aqueles contra os quais eles lutam e que não vivem, não partilham aquela forma de estar no mundo de achar que vale a pena ajudar e não prejudicar os outros.

Já são escritoras há decádas, existem diferenças entre esses primeiros leitores e as novas gerações?
AMM: O que se nota no essencial é que entraram as novas tecnologias, desde os telemóveis e a internet, tudo isso deve fazer parte as histórias. porque faz parte do dia-a-dia. O ritmo da vida acelerou muito e as aventuras também tem de acelerar para que a acção aconteça mais depressa, mas no essencial as pessoas não mudaram, mudou a forma de viver.

Também focaram a vossa relação quase simbiótica, dão-se muito bem, não discutem, mas por vezes em certos capitulos do livro não há uma espécie de branca em que sabem que a narrativa tem de dar um salto e não sabem muito bem como, o que fazem nesses momentos?
AMM: Para já é pouco provável as duas termos uma branca ao mesmo tempo, mas já aconteceu.

IA: Nesses dias parámos, vamos tomar café, mas nunca deixámos de conversar, somos muito comunicativas, falámos até sentir que chegámos a uma altura em encontrámos uma coisa que nos interessa e que achámos que valha a pena escrever nesse dia, quando achámos que não vale, não insisitimos.

AMM: O importante é que estámos ambas a olhar para o obra e não estámos isoladas, ou em competição, isso não existe, o que importa é escrever o livro. Eu posso ter uma ideia, mas se ela tiver uma melhor fico contente, ainda bem, isso tem a ver com a nossa forma de ser e da educação que recebemos.

Quantas horas por dia trabalham juntas para terem a estrutura de uma aventura?
IA: Muitas horas por dia, por exemplo, antes de termos um plano que sintámos que esta certo, vamos visitar os locais, conversámos imenso, tomámos notas, muitas vezes fazemos fotografias dos lugares, é um tipo pesquisa/reportagem para depois escrever os livros e os personagens. Nós também muitas vezes descrevemos muitos aspectos das personagens que não vão vigorar, mas não interessa, já construímos personagens com familiares e que não entraram na história, estão ali para fazer um conjunto. No início, claro que demoravámos muito mais tempo, agora menos, mas a história como “uma aventura na Madeira” em que queríamos necessariamente que entrassem mais locais dá-nos mais trabalho do que uma aventura onde há mais unidade no lugar. Aqui nos quissemos inserir os locais numa construção lógica e numa estrutura narrativa que tenha algum sentido, que o leitor pense que é inevitável, os personagens não vão para as levadas passear é a própria aventura que os leva até lá.

Já chegaram ao ponto em que os miúdos vão crescer?
AMM: Não, não vão. Só cresceram um ano, em “uma aventura na escola” e depois pararam, porque senão 50 livros depois eram adultos, tinham filhos e andavam à procura de emprego (risos). Cada livro vale por si, por exemplo, “uma aventura na Madeira” poderá ser o primeiro que lêem.

Então qualquer leitor pode começar a ler a aventura sem ser logo pelo primeiro?
IA: Sim, todos os livros tem uma unidade, podem conhecer os personagens e compreender a história com o volume 58.

Isso aplica-se a todos os livros da saga?
IA: A todos os livros, não há uma continuação de um para outro da narrativa, as personagens mantém-se para uma colecção desta natureza, mas cada livro é uma unidade.

terça, 08 março 2016 17:44

A defensora

Sofia Branco começou a sua carreira jornalística no Público e actualmente exerce a mesma profissão na agência Lusa desde 2009. É também professora convidada no Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e foi eleita presidente do sindicato dos jornalistas, numa votação inédita, já que há 27 anos não havia duas listas a concorrerem para às eleições deste órgão associativo.

Queria abordar um pouco a evolução do jornalismo em Portugal, nesta últimas duas décadas, tendo em conta que as novas tecnologias veio alterar muito a vida das redações.
Sofia Branco: A culpa não é apenas das novas tecnologias, porque acho que isso é um argumento que se usa muito para justificar uma série de coisas que não são justificáveis. A crise económica provocou alterações profundas nas relações laborais e hoje em dia no jornalismo a precariedade é muito mais extensível do que foi no passado. Os vínculos que existem e o salário que se ganha é muito diferente do que nos últimos anos, essa relação degradou-se substancialmente. O risco de desemprego também esta associados a várias factores, há falta de receitas, há baixa de vendas, escassez de leitores, ouvintes e telespectadores e isso tudo associado a um mercado que é pequeno relativamente e para o qual concorrem imensos licenciados, coisa que não havia no passado, houve um boom de cursos de jornalismos, muito para além da oferta que existe e tudo isto junto gera condições de trabalho muito más.

Mas, isso também não resulta da concentração de vários meios de comunicação num único grupo de económico, gerido por investidores e que são encarados como um investimento?
SB: Sim, essa aglomeração tem efeitos enormes, para já porque possuem várias publicações no mesmo teto e isso para a diversidade não é bom. Depois temos uma fenómemo muito estranho, que no passado não acontecia, que é ter o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias que eram dois jornais distintos em termos históricos e com públicos-alvos também distantes e que hoje em dia tem as mesmas notícias sem tirar nem por e isso antes era impensável. Tudo isto tem a ver com a falta de recursos e com uma palavra que esta muito na moda que é a sinergia, que nunca dá mais dinheiro as pessoas é apenas um profissional a escrever para vários meios de comunicação e a receber exactamente o mesmo. É uma questão algo discutível, mas a concentração não tem sido vantajosa e para além disso absorve muito do mercado que já é pequeno em termos de receitas de publicidade e os pequenos projectos ficam mais limitados, não há espaço para publicações jornalísticas independentes.

Essa precariedade também não tem a ver com o facto de haver pouca legislação para proteger os profissionais da comunicação? O expediente é garantido por freelancers e os estagiários.
SB: Eu não acho que falte legislação, o que falta é fiscalização. A legislação é igual para todos, porque eu não acho que os trabalhadores de comunicação social são um grupo a parte dos outro trabalhadores, tem leis laborais como toda a gente, que no passado já foram muito melhores, já protegeu mais as pessoas do que hoje em dia, existe é pouca fiscalização, mas isso também acontece porque há poucas denúncias. Todos os que trabalham em empresas privadas sabem o que acontece e em que condições estámos a trabalhar. Isso tem de ser denunciado e exigido que haja uma intervenção das autoridade, o que não é fácil, porquê? Porque ao denunciar sabemos do risco que as pessoas passam a ter de perderem o emprego, mesmo sendo precário. Não é fácil gerir estas situações, nós tenho conhecimento dessas irregularidades e pensámos como fazer isto tentando proteger as pessoas? E temos profissionais que nos confessam que preferem ter condições laborais mesmo que precárias do que não ter nenhum emprego.

Em termos da igualdade do género, quando se fala de precariedade as mulheres estão na linha da frente em termos de despedimentos, no entanto, são as que possuem maior nível de formação.
SB: Eu não tenho dados que sustentem esse argumento. Mas, se a comunicação social for um espelho da sociedade e não tenho razões para duvidar que assim seja, sabemos que as mulheres são mais sensíveis ao desemprego, recebem menos em termos de salários e uma progressão na carreira mais difícil, mais lenta até porque são interrompidas por licenças de maternidade algo que os empregadores gostam muito e aqui estou a ser irónica. Contudo, volta a frisar que não há dados concretos, não tenho um estudo que diga taxativamente que as jornalistas recebam menos que os jornalistas, mas é um facto que as portuguesas recebem menos em termos de salários, cerca de 20%, portanto isso é comprovado.

Há outro aspecto que é facto de as mulheres terem dificuldade em chegar aos cargos de chefia, tu és um caso a parte e no teu percurso notaste essa resistência?
SB: Eu por acaso não notei, mas sei que existe. O teto de vidro que existe para outras profissões também se verifica na comunicação social. Hoje em dia o que se acontece é que tens muitas mulheres nas chefias intermédias, foi o que meu caso, eu fui editora, mas nas direcções ainda existem poucas. Acho que isto tem muito a ver com dois aspectos, primeiro é uma questão de mentalidade que é comum a todas as profissões e a todo o país e isso demora muito tempo a alterar-se, mesmo nas sociedades mais progressistas. Outro aspecto tem a ver com uma determinada geração, quando se chega a cargos de chefia, em princípio estámos a falar de uma determinada faixa etária, dos 40 aos 50 anos e a verdade é que há mais homens a fazer jornalismo nessas idades do que mulheres, porque inicialmente era uma profissão mais masculina. Hoje em dia é mais feminina numa nova geração, não nessa faixa etária e neste aspecto há a combinação destes dois factores. Depois há um aspecto discriminador por parte do empregador quando se trata de chefias no feminino, porque preferem que não tenham filhos, conciliar a vida profissional e pessoal não é fácil no jornalismo. Elas, por outro lado, também se calhar prefiram não trabalhar 16 horas por dia, mas essa também não devia ser regra trabalhar tantas horas.

Em relação aos novos meios de comunicação digitais estão a ganhar força porque os leitores mudaram, as novas gerações não abraçam o papel como as anteriores.
SB: Sim, lêem de uma forma diferente que esta pouco estudada, mas de facto não compram jornais e isso é claro, vão até a internet e é preciso saber o que lêem e o porquê e sabemos muito pouco sobre esses hábitos. Isso deixa margem para novos projectos na internet que também tem de ter a sua regulamentação, porque há muita carência de leis nessa matéria, não se sabe em que condições a informação é produzida, a internet é um mundo onde há muita informação disponível, mas também muita desinformação. No entanto há muitos bons projectos jornalísticos digitais, uma coisa é ser um jornal de base nacional, regional ou local e ter um site e outra coisa completamente diferente é pensar um meio de comunicação social em termos digitais e isso até é muito interessante, porque alarga o exprecto de informação disponível. O que é necessário é ter em atenção é de onde vêm as fontes, no caso da Lusa que é o que conheço melhor, a informação é usada e reusada em vários sites sem ser paga e isso é grave, porque não é de acesso livre.

Mas, em Espanha aprovou-se uma lei nesse sentido.
SB: Mas isso tinha que ser o Estado a decidir uma coisa dessas e a financiá-lo. Neste momento não é isso que acontece, a Lusa tem um capital maioritariamente do Estado, mas tem accionistas privados, não é uma empresa pública e tem empregados a manter e não ganha nada com essa proliferação da informação. Na internet há muito disso, tudo pode ser usado e que os direitos de autor parece que desaparecem, é tanto assim no papel como no digital, mas no digital se torna muito mais difícil de fiscalizar.

Então defendes uma regulamentação jurídica específica?
SB: Não, acho que a que existe é suficiente, tem de ser é aplicada, tem de haver uma forma de ela funcionar, mas se ela não funcionava para o papel, muito menos para a internet. Embora, não sei se devido as especificidades que existem na internet não valerá a pena serem estudadas e analisadas, acho que há pouco conhecimento do que existe.

E como encaras o futuro do jornalismo, diz-se que morreu, porque hoje em dia qualquer pessoa com uma câmara fotográfica ou de vídeo faz uma reportagem.
SB: Isso não é jornalismo.

Então achas que é o próximo passo?
SB: Isso que as pessoas fazem de ter um acesso fácil das coisas, fotografar filmar e depois escrever sobre o assunto não é jornalismo. As pessoas tem de saber distinguir esses dois aspectos, para se ser jornalista é necessário estudar e sobretudo obeceder a um código de ética próprio e que é vinculativo como é dos médicos, não é jornalista quem quer é. Ser-se um profissional da comunicação obedece a regras estrictas e quem não as cumprir deve ser penalizado por isso e que tem de ver com uma responsabilidade social que o cidadão não precisa de ter, existe um conjunto de factores como a proximidade, a novidade em termos da informação que o cidadão comum desconhece. Para além disso, o jornalista é um filtro segundo um código e um conjunto de regras que aprendeu e não essa ideia, que é perigosa, e que existe que muito hoje, que qualquer pessoa que faz uma fotografia é fotojornalista. Acho que vamos caminhar para uma realidade em quem se aproximar mais da verdade é que faz jornalismo.

Então o futuro vai passar por redações mais pequenas, ou profissionais credenciados que assumem projectos digitais a solo?
SB: Acho que passa por aí. Não sei se será o futuro. Acho que as pessoas se vão cansar de andar de um sítio para outro, de serem despejadas, ou dos baixos salários e vão criar os seus próprios postos de trabalho, pessoas como tu dizes que são credíveis, estudaram para ser jornalistas, foram profissionais e há um caso desses. O digital acaba por ser um acesso fácil e barato que não tem os custos do papel, não acho que apareçam revistas ou jornais em papel no futuro acho impossível, isso não existe. Acho que há espaço para mais projectos na internet.

terça, 08 março 2016 17:39

A criativa itinerante

 

Catarina Pacheco faz parte de uma nova geração de designers portugueses que se tem vindo a afirmar ao nível nacional, mas sobretudo no panorama internacional, promovendo o conceito de design português. Esta jovem designer procura imprimir aos projectos em que se envolve um cunho pessoal baseado nas suas origens, mas que também assenta numa constante evolução em termos de metódos e materiais.

És quase uma nómada, viajas por diversos países à procura de novas experiências, estagias em muitas empresas. Como é que isso começou? Sempre te sentiste motivada para esse tipo de experiências?
Catarina Pacheco: Começando pelas viagens, sempre tive um enorme gosto por viajar, viajo desde pequenina com a minha família. Quando comecei a estudar design desde logo sabia que queria fazer Erasmus, que é um programa especial para estudar fora por um semestre, foi até à Inglaterra e a partir daí fiquei com o “bichinho” de fazer viagens, trabalhar e ganhar experiência em determinados países. Mais tarde foi estagiar para Suiça e acabei por ficar dois anos, estive em Inglaterra mais uma vez, através da bolsa Leonardo Da Vinci, foi trabalhar para um estúdio de design independente Glithero, mas também tive outras colaborações pontuais, em Paris trabalhei com um grupo chamado Stihl, onde construí mobiliário. Actualmente, trabalho como freelancer e estou entre a Suiça e Portugal, estar fora e dentro faz parte da minha forma de estar.

Como é que isso influência as peças que crias?
CP: Uma coisa interessante que acontece ao estar fora de Portugal percebi como tudo é diferente, o ambiente, o clima, a cultura e quando voltava para o meu país, depois destas estadas eu olhava com muito mais atenção para os materiais, o artesanato e daí ter feito uma da residência artística no Algarve, onde foi trabalhar uma das técnicas artesanais e os materiais locais. A inspiração para cada projecto depende muito, porque isso tem a ver com o meu dia-a-dia, algumas fotografias que tirei, um pormenor num edíficio, ou na natureza e também do sítio onde estou. Mas, tem sempre este olhar de fora para Portugal, tem a ver com as minhas origens.

Então, como imprimes a tua impressão digital como designer? Como é que sabemos que é um produto Catarina Pacheco?
CP: Bem, essa é uma boa questão. Eu acho que estou ainda a construir esta minha identidade em cada projecto que faço, seja pessoal, a partir de uma residência artística, ou de um interesse que tenho, como seja para um cliente, ou uma marca, é uma busca em equipa, através dos materiais ou do público-alvo. Mas, acho que aos poucos essa identidade vai crescendo tem muito na sua origem a ver com os meus interesses, o gosto de usar a cor, as transparências e de trabalhar com as mãos com técnicas artesanais, mas não é algo estanque, vai evoluíndo.

Como tens esta facilidade de estar cá e fora, como encaras o design português em relação ao exterior?
CP: Daquilo que conheço, e comecei a trabalhar na área há cinco anos, eu acho que o design português teve uma evolução muito positiva, ao nível da indústria exportámos cada vez mais e existe já um reconhecimento do que é português, como um produto que é desenhado e fabricado com qualidade. Por outro lado, numa área do design não tão industrial, mas mais ao nível artesanal, de produção própria, o que noto é que há cada vez mais pessoas a fazer colecções muito interessantes e existe uma maior diversidade e isso é muito bom para a área.

Como designer qual é a peça emblemática que te define? Há algum trabalho onde se note que é o design Catarina Pacheco?
CP: Não sei, todos os meus trabalhos me representam e são de uma determinada fase pela qual passei, mas existem uns que são mais marcantes do que outros, por exemplo, foi muito importante para mim o conjunto de máscaras na residência artística no Algarve. O solistice I e II foi um ponto de viragem para o meu design mais de autor. Mas, todos os meus projectos são importantes, porque fazem parte do meu trajecto de transformação e evolução em termos da minha carreira.

Existe algum material mais difícil ou menos apetecível em termos de conceito?
CP: Acho que não. Eu gosto de trabalhar com diferentes materiais, porque cada projecto tem uma história diferente, porque cada material é diferente e trata-se de um novo desafio, mesmo que à partida não o conheça, que tenha de ir a fábrica, ou a um artesão para tentar perceber como funciona.

E há algum destes materias que te surpreendeu?
CP: Sim, um dos que me surpreendeu foi a porcelana, porque quando estive a fazer uma residência na “Vista Alegre” tive uma contacto muito directo com a produção e como nunca tinha trabalhado com este material foi um processo brutal e realmente em termos de forma pode-se fazer quase tudo em termos de porcelana. É incrível.

Em relação aos teus próprios projectos, o que pretendes fazer a médio prazo?
CP: Eu neste momento estou inserida num projecto na Suiça, trata-se de um rebranding de uma marca de produtos biológicos, isto tem mais a ver a parte de design gráfico. Em relação ao design de objectos, estou a preparar uma nova colecção que ainda esta em fase de protótipos, por isso, não posso falar mais.

http://www.catarinapacheco.com/

terça, 08 março 2016 17:36

A ideia solar da inês

O conceito de aldeia solar desenvolvido por Inês Rodrigues, venceu a 7ª edição do Prémio Terre de Femmes. Uma iniciativa ecológica criada há quinze anos pela Fundação Yves Rocher, que visa todos os anos destacar um projecto em curso levado a cabo por uma mulher portuguesa que deixe uma pisada verde positiva no mundo.

Foi no âmbito da sua actividade enquanto professora e formadora e confrontada com as histórias de vida de alguns alunos oriundos de países africanos que Inês Rodrigues idealizou um conceito de aldeia solar onde a iluminação das casas, a confecção das refeições e a conservação dos alimentos dispensasse qualquer tipo de fio eléctrico. Para executar o seu projecto, criou a Educafrica, organização não-governamental (ONG) à qual preside e cujos voluntários estudam e desenvolvem soluções para problemas reais diagnosticados na Guiné-Bissau, país onde posteriormente são implementadas. Através da simples reutilização de garrafas de água, Inês Rodrigues conseguiu iluminar as habitações de duas aldeias da Guiné, como se de lâmpadas de 50W se tratassem. Para evitar acidentes domésticos causados pela utilização de fogo e panelas no chão, bem como o abate diário de árvores para obtenção de madeira, Inês criou também um forno solar que permite confeccionar uma refeição para uma família de cinco pessoas em cerca de uma hora. Com o objectivo de dar resposta à falta de meios de conservação alimentar, o que resulta na escassez de provisões para a população, o projecto de Inês Rodrigues criou ainda um desidratador solar, equipamento que permite a secagem e conservação de frutas e legumes sem que estes percam as suas qualidades e valores proteicos durante o período de dois anos. Recorrendo à energia solar, Inês trabalhou também na criação de um sistema fotovoltaico que permite iluminar centros de saúde e escolas, permitindo a assistência à população durante a noite, bem como a alfabetização após a jornada de trabalho. Para além do reconhecimento nacional e internacional, Inês Rodrigues vai receber um prémio pecuniário no valor de €10.000, entrando na corrida ao Prémio Internacional que disputará com outros oito países, bem como ao Prémio do Público, no valor de €5.000, sujeito a uma votação online entre 9 e 27 de março.
Projecto Cabaz de Peixe assegura menção especial
Em comunicado, a organização do prémio refere ainda que o projecto Cabaz de Peixe, da autoria da bióloga Catarina Grilo, recebeu também uma menção especial no valor de €3.000. Este projecto está a ser desenvolvido em Sesimbra e pretende, através do envolvimento das comunidades piscatórias na comercialização do produto da sua actividade, reduzir o desperdício de peixe ao mesmo tempo que disponibiliza ao consumidor um produto de origem local a um preço mais reduzido. Ao comercializar o peixe sob a forma de cabaz, com a particularidade do consumidor receber regularmente uma quantidade fixa de pescado, o projecto de Catarina Grilo permite que espécies desconhecidas da população e com baixo valor comercial sejam assim aproveitadas de forma ambientalmente eficiente. Recorde-se que as dezenas de projectos submetidos à 7.ª edição do Prémio Terre de Femmes Portugal foram avaliados por um júri nacional independente constituído por representantes da Liga para a Protecção da natureza (LPN); Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território; e Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL).

www.greensavers.sapo.pt

terça, 23 fevereiro 2016 21:20

E já faz cinco anos

E já faz cinco anos!

É mais um períplo pelo mundo dos leitores da revista yvi.

Este ano completo cinco anos de existência e para assinalar a efeméride decidi que gostaria é que você, leitor, onde quer que esteja me diga o pensa sobre a revista. Tudo o que tem de fazer é escrever nos comentários deste texto, quem é, de onde vêm, porquê gosta de ler a minha publicação online e já agora o que acha que deve ser melhorado? Não se preocupem com a linguagem ou a língua, escrevam à vontade e se for necessário eu traduzo. Isto porquê? Sempre que leio as estatísticas no google analytics a minha empolgação aumenta, não apenas pelo número de pessoas que me visitam, mas acima de tudo deixa-me verdadeiramente feliz a grande diversidade de povos que pelo menos se entusiasmam ao ponto de querer ler sobre estes portugueses que entrevisto e a minha visão pessoal deste cantinho do mundo à beira do mar plantado. Ao mesmo tempo não consigo deixar de pensar, mas afinal quem são estes meus leitores? Então chegou o momento de vós conhecer, bem pelo menos alguns, por isso lanço o desafio a quem queira escrever, que o faça agora, ou não, mas deixe o seu testemunho sem medo.

Em baixo deixo os dados do google analytics em relação ao número de pessoas que me visitam diariamente e de onde vêem.

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terça, 23 fevereiro 2016 21:16

A dupla mestiça

Couple Coffee são brasileiros, gostam de café e de acordar tarde. Os álbuns desta banda portuguesa são surpreendentes desconstruções musicais, irreverentes, canções mestiças, retalhos de várias pátrias cantadas pela voz quente de Luanda Cozetti e instrumentadas pelo talentoso Norton Daiello.

Editaram três álbuns musicais em que interpretavam composições de outros autores e só no quarto disco decidiram apresentar originais. Porquê esperaram este tempo todo para o fazer?
Luanda Cozetti: Olha, porque eu tenho uma veia de intérprete muito séria, eu gosto realmente de ser cantora, eu nunca tive essa coisa de apresentar as minhas próprias canções, eu aproprio-me dos temas dos outros e depois ficam minhas. Como tinhámos os três discos e havia um trabalho de fundo ao fazer versões dos originais, que gente transforma, dá uma nova onda, a maioria dos compositores, os mais conhecidos, o Godinho, o Palma e outros começaram-me a cutucar, o Norton como intrumentistas já tinha temas, mas eu não, então, a ideia original foi apresentar um disco de originais que eu cantava, eu falei olha, porquê não? Então começámos uma nova produção, dentro da produção e já temos um próximo álbum, por isso vamos lançar dois discos, saiu um de quarteto que é a releitura de um outro cantautor e depois preparámos de “baixa voz”, como o primeiro de inéditos, só letras minhas e melodias do Norton, embora já tenha começado a compor com outras pessoas, foi interessante e esta engraçado o trabalho.

O que te inspirou na composição das letras?
LC: Eu confesso que não sou o tipo de pessoa que compõem na primeira pessoa, tanto assim que uma das canções que a gente mais toca, do “quarto grão”, eu sou um personagem masculino, talvez seja uma forma de eu construir uma linguagem de composição. O dia-a-dia, as pessoas inspiram-me, eu sou coloquial nas letras, por tudo o que passei, pela própria vida. O Júlio Pereira, no disco “Grafite”, pediu uma canção ao Tiago escrita só para mim, tudo isso vai criando uma nova forma de intérpretar. Nós, somos músicos brasileiros, somos uma banda portuguesa e para além das diversas influências do jazz, do rock e mais ainda, já estámos impregnados de uma forma de ver a música, através de uma construção muito mais mestiça do que se eu vivesse no Brasil e começasse a compor. Eu acho que foi o momento certo, vim fazer música em outros lugares e usei a minha visão brasileira, guinense e portuguesa com aquela misturada que toda a gente sabe, mas já com uma linguagem de intérprete muito bem estabelecida, então faz um pouco de diferença. Eu compus devargazinho, estes últimos anos foram dedicados a isso, voltei a tocar violão, só não tenho mais unhas decentes (risos), acabaram! Às vezes, há um plano na vida e a gente vai-se apercebendo, achei que o momento de ser compositora era agora. É um outro repertório, mas com mais ansiedade. Como intérprete, ou músico a gente sabe o que esta entregando, fica à apreciação dos outros, quando se é compositor muda tudo, e muito subjectivo, você não sabe o que o outro vai perceber da sua música. Como cantora, eu peço vários temas, mas nem todos entram no disco. Quando você manda uma canção para um cantautor para ele gravar acontece o mesmo, será que aquela minha canção vai entrar ou não? Eu dentro da minha profissão acabei descobrindo outra, isso faz renovar a diálectica das coisas.

Gravaram três álbum com temas de compositores consagrados de músicos brasileiros e portugueses, sendo um deles Zeca Afonso, alguém com que tinham uma relação quase familiar, pelas tuas origens portuguesas, por parte do teu pai.
LC: Mais português impossível com um pai revolucionário (risos). Com a música do Zeca eu tive um contacto desde muito gúria mesmo, a partir do momento em que o disco “Co' as tamanquinhas do Zeca” entrou na minha vida, que tem uma canção do meu pai, Elípio de Freitas, eu acho que foi o certo. Eu era uma menina dos anos 70, muito dissecada por aquelas sonoridades sul americanas e esse ábum do Zeca, muito particularmente tem uma sonoridade muito latina e isso de repente entrou pela minha orelha muito fácil, se tivesse sido um outro disco, talvez, não tivesse tido essa facilidade. E a partir dali eu criei essa relação, a minha música preferida do álbum era “o homem da gaita”, porque eu achava que era música para criança, o disco era cor-de-rosa e nas fichas técnicas do Zeca eu fui vendo outras pessoas e aquilo foi abrindo um caminho para os outros compositores que entraram na minha vida, como o Fausto, o Sérgio Godinho, o Janita Salomé, o Júlio Pereira, enfim, tanto que com o Júlio esta em todos os discos. Eu digo que foi o Zeca Afonso que me abriu todo um mundo sobre música contemporânea portuguesa, porque quando os meus pais estiveram presos eu fui criada pela minha família emigrante transmontana que ouviam essas canções e outras como o Roberto Leal que divertia muito a comunidade portuguesa, porque era ele que chegava, não havia mais nada. Depois havia os ranchos, as tamanquinhas, as saias rodadas e coloridas e a Amália, claro. Eu falo muito do meu tio avô, um português típico dos anos 50, conservador, mestre de obras, que acreditava que mulher só servia para cozinhar e procriar e estava abaixo da escala social, com a Amália era diferente, ele dizia para mim, vamos ouvir a deusa. Então quando fui para a Guiné Bissau com toda a música portuguesa que entra na minha orelha e mais toda a música contemporânea que se começa a fazer em Portugal, os “rádio macau”, “as doce” de quem sou fã, sei até coreógrafias e tudo e pronto é tudo uma relação e isso vai abrir a novas técnicas. Eu leio todas as fichas técnicas, porque abrem um universo para você novo, o CD perdeu muito isso, porque é tudo tão pequenino (risos). Eu acho que deveríamos manter os “long plays” para ir atrás das fichas técnicas, descobrir quem toca o quê.

Também tem um disco sobre bossa nova, que também é uma grande influência na vossa vida.
LC: O disco de bossa nova foi uma encomenda, na época trabalhavámos com a editora Guru e fazia 50 anos desse estilo musical, já tinha envelhecido coitada. Então a gente nem se lembrou de fazer esse disco, porque eu sou meia desligada de datas. Mas, como tinhámos chegado do Brasil, nem pensar em fazer um álbum de bossa nova! (risos). Depois a editora disse que podíamos fazer o que a gente queria, para o Norton e para mim a bossa nova, para a nova geração de músicos brasileiros, é uma forma de comunicação instantânea, tudo o mundo pode tocar o trabalho uns dos outros, eu podia substituir uma cantora, porque o repertório é de todos, era inevitável que não quiséssemos fazer um disco, mas por outro lado, também era inevitável fazê-lo. Decidimos gravar um concerto ao vivo, foram 40 dias, uma maratona e foi um barato, porque uma coisa é ouvir, ou ouvir cantar normalmente, fazer uma participação, outra coisa é você se debruçar sobre as canções e adaptá-la à sua linguagem. É uma maneira bacana de fazer um disco e talvez tenha ajudado para depois fazer um trabalho com inéditos. No álbum do Zeca a gente queria que tivesse essa linguagem tropical e que no Brasil ninguém precisasse de um glosário para entender o que se estava passando e mais uma vez falámos todos a mesma língua. Foi mesmo uma intenção nossa, foi engraçado, porque todo o mundo tem as suas elações sobre o Zeca Afonso, eu moro numa freguesia muito simpática em Lisboa e notava que quando se falava dele, as suas canções tinham mudado muito as vidas das pessoas, a linguagem que criara, aquilo teve impacto. Então, construímos o disco com todo o universo dele, mais ideal, começou com uma “historinha” mesmo, do “tenho um primo convexo”, pegámos no “comboio descendente”, vamos até ao final com as tamanquinhas e por aí afora, sobre Afonso, o gajo porreiro, que foi morar no Rio de Janeiro. Agora, reeditámos o disco, embora a gente não se tenha lembrado dos 40 anos da revolução, o disco foi muito acarinhado pela crítica e com isso cantar a canção do meu pai com o Júlio Pereira, o “traz outra vez” foi uma canção que também tinha deixado propositadamente de fora e que aparece na reedição, é um tema que me conmove muito mesmo, porque fala dos que ficaram pelo caminho, “já não tinham força para continuar, nós temos de continuar o caminho também por aqueles que ficaram”. Não direi que é uma dívida, mas é um gesto de carinho pelos que lutaram e por isso chamámos o papai, que em 40 minutos gravou a pauta, foi profissionalíssimo, com dois canais de voz, achei muito querido e até mostrei para a Susana Félix que nasceu muito depois de tudo isso, ela mesmo diz que “já nasceu com o passaporte carimbado para a liberdade e num universo mais pobre” e quando ela ouviu me disse que o meu pai tinha feito da canção uma oração e é. É uma oração de reencontro, do religar.

Tu falas do Zeca com um tal carinho.
LC: Olha, eu acho que é a minha pessoa preferida, talvez seja por isso, porque o Zeca ...como dizer isso sem desmerecer ninguém? O Zeca Afonso além das músicas e das composições, era um cantor extraordinário que ele era. Eu como cantora que carrego comigo a técnica, sei tudo o que ele colocava ali, nada era de graça, não era nada intuitivo, era tudo muito estudado e colocado e nele parecia tudo tão amoroso, mesmo a canção do meu pai eu tinha uma encrenca cantar aquilo, porque a parte mais alegre é pesadissíma, fala de milhares que morreram no Brasil torturados e toda a gente bate palminhas e eu não entendia, levei oito anos a entender como é que é. O Zeca que é muito mais inteligente sabia que com a alegria a pessoa vai mais contente a cantar o refrão, chega em casa e pensa. A alegria faz reflectir mais do que a tristeza, não se a deve renegar, porque as coisas andam pesadas no mundo, você deve encontrar alegria até nas pequenas coisas e isso faz muito mais por nós e olhe que eu conheço o tamanho da tristeza, mas isso, não é campeonato, sofrimento não é torneio, as pessoas tinham que levar mais isso em conta. O Zeca foi um homem de grande coragem até o final precoce da vida dele, ele foi embora demasiado cedo e faz falta.

http://nortondaiellobass.wix.com/couplecoffee#!blank/cq11

terça, 23 fevereiro 2016 21:09

Culotes a mostra

São uma das peças-chave desta primavera que tarda em chegar.

Este estação primaveril que parece ainda muito longínqua fica marcada pelo regresso das culotes, nas colecções das grandes marcas. Vou ser franca mais uma vez, para variar, não gosto. É um tipo de peça de vestuário femenino que nem é carne, nem é peixe, percebem o que quero dizer? Não? Eu passo a explicar, não é um calção, mas também não é uma calça, é mais ou menos um meio termo, que só se torna aceitável na sua versão desportiva. Quando vejo os coordenados acompanhados de sandálias, ou saltos altos já acho que tudo aquilo esquisito, com aquele aspecto de balão semi-insuflado que não beneficia nenhuma silhueta femenina, acreditem, quem quer ver uma mulher que parece que não tem cintura, semi-grávida e que por algum acidente bizarro parece que lhe retiraram uma secção das pernas? Pior, pior mesmo é um culote com botas, só consigo imaginar que se trata do guarda-roupa preferido do Capitão Gancho de Peter Pan, faltando mesmo para completar este quadro mental alucinado, a espada, o chápeu e claro esta o famoso gancho acompanhado pelo respectivo crocodilo de estimação! Não interessa a cor, o tecido, ou a forma como é moldado, não existe nenhum formato corporal que saia beneficiado com esta peça de roupa, em particular, as mulheres mais baixas, fujam das culotes como o diabo foge da cruz, vai tudo dar ao mesmo, acreditem, fica horrível! E não pensem que faço estas afirmações contundentes de ânimo leve, eu infelizmente, nos meus teens tinha um exemplar de cor verde, que coordenava com uma camisa as riscas brancas e verdes, as provas fotográficas deste atentado ao bom gosto, contudo, misteriosamente desapareceram, por isso não as posso mostrar, mas todas cometemos erros na moda que mais tarde lamentámos amargamente, este foi um deles. Fica então o apelo, não comprem, não usem e pensem nisto se nos debruçarmos mesmo sobre o porquê da sua existência, não fazem sentido, não me parece que a questão passe pela comodidade e muito menos pela estética, é uma daquelas peças de vestuário dos anos 70 que simplesmente deviam ser banidas sempre e sempre infinitamente, perdoem-me a redundâcia.

terça, 23 fevereiro 2016 21:06

Planisfério pessoal

Em Dezembro de 2002 Gonçalo Cadilhe inicia uma viagem à volta do mundo sem transporte aéreo que irá durar 19 meses, onde percorrerá 38 países.

Sempre gostei de ler crónicas de viagens, porque me transportam para outras culturas e outras formas de interpretar a humanidade, através do olhar muito pessoal do cronista. Quando Gonçalo Cadilhe deu início a este períplo pelo globo um dos aspectos que mais chamou à atenção nas suas crónicas de viagem publicadas pelo semanário Expresso, foi o facto propositado do autor nunca se ter deixado fotografar ao longo desta aventura audaciosa, foi inusitado pelo facto não sermos “contaminados” de certa forma pela sua imagem real e pouco a pouco fomos descobrindo a personalidade do viajante ao longo dos diversos textos. Devo confessar que o mistério em muito contribuiu para manter à minha fidelidade a leitura semanal. No fim da viagem quando finalmente sou confrontada com a identidade do escritor fiquei agradavelmente surpreendida, a ideia que tinha criado era outra completamente diferente, a minha imaginação fértil tinha “pintado” a imagem de um homem latino, mais velho, baixo, maciço, de óculos, com barba rija e cabelo crespo, só faltava quase a pala no olho esquerdo e uma perna de pau!
Outro aspecto de que gostei muito nos textos foram os meios de transporte utilizados, como foi o caso das embarcações mercantes e outros afins, na altura na pude deixar de pensar como é bom ser do sexo masculino em determinadas situações, já que uma mulher aventureira solitária para levar à cabo uma aventura desta mesma natureza teria de disfarçar-se de homem, ou no mínimo andar armada. Mas, nenhum destes aspectos que salientei retiram o mérito das crónicas que descrevem as idiossincrasias dos vários povos com os quais contactou e sua forma peculiar de olhar para esses novos mundos. Se ainda não conhece a obra de Gonçalo Cadilhe sugiro que comece a sua leitura por este primeiro livro e depois parta para uma grande aventura imaginária, através das restantes publicações. Boa leitura.

terça, 23 fevereiro 2016 20:53

Lobbies da caça atacam fauna ibérica

A permissão de actividades cinegéticas em áreas protegidas da Península Ibérica tem sido motivo de discórdia entre ambientalistas e governos.

Recentemente, o governo português permitiu a caça do coelho-bravo na zona sul da reserva natural da Malcata, uma área protegida para o lince-ibérico. Embora, não tenham sido avistados especiméns do felino em perigo extinção há vários anos, existe já um plano de conservação em que está previsto a reintrodução nesta área do lince-ibérico e por esse motivo a União Europeia investiu milhares de euros, através de programas de recuperação de habitats da população do coelho-bravo, que é o seu alimento preferido.
A “Quercus” contesta esta opção do governo, porque como refere no seu comunicado, “a mesma pode colocar em causa a recuperação de várias espécies-presa que se encontram a recuperar na zona como o corço, o veado e o coelho, e ainda de espécies em perigo como o Lince, o Lobo ou o Abutre-preto. Na maioria do território português é possível exercer a actividade cinegética, sendo muito poucas as áreas no território nacional onde não se caça. Uma decisão, que ao ver da organização não governamental ambientalista, “carece de qualquer fundamentação científica, não se conhecendo até à data nenhum estudo sobre as populações de espécies que possam vir a ser exploradas cinegeticamente. Acresce o facto da Reserva Natural da Serra da Malcata, à semelhança de muitas outras áreas protegidas, encontrar-se com graves lacunas de funcionamento devido a falta de recursos humanos e financeiros, o que se reflete nas ações de vigilância e fiscalização realizadas. A Reserva Natural da Serra da Malcata já enfrenta graves problemas de caça furtiva, pelo que a opção de agora permitir a caça nesta área protegida só vai agravar os problemas de fiscalização na reserva".

Na vizinha Espanha, por estes dias, o tema da caça ao lobo voltou a ser assunto do dia, depois de os pastores exigirem o seu “controlo”, através da actividade cinegética selectiva desta espécie. Em 2014, os governos de Espanha e França enviaram para Bruxelas uma petição a pedir a modificação da Directiva de Habitats que, mantendo a proibição da caça ao lobo a sul do rio Douro, permite a sua “gestão” a norte do rio. O grupo espanhol “Ecológias em acción” também é contra esta medida que na sua perspectiva, segundo declarações Theo Oberhuber, coordenador deste movimento ecológico ao jornal ABC, “caçar os lobos não soluciona nenhum problema, pelo contrário e cita mesmo um estudo do biólogo Alberto Fernández Gil que assegura que “mais lobos mortos levarão a mais danos”, devido ao carácter social do animal: quando o macho ou fêmea alfa morrem, o grupo desfaz-se e ataca o gado. A convivência não é fácil. mas é possível com os métodos tradicionais de pastoreio: com mastins e gado recolhido à noite”. O que não deixa de ser irónico e lamentável ao mesmo tempo é que em ambos os lados da fronteira gastaram-se milhões em fundos comunitários para preservação destas várias espécies raras da Península Iberica e são os caçadores que “lucram” com os programas de protecção ambiental.

http://www.quercus.pt/comunicados/2016-col-150/fevereiro/4582-reserva-natural-da-serra-malcata-licenca-para-matar

quarta, 03 fevereiro 2016 13:59

PZ é um ET?

 

Começou a fazer música no seu quarto com um computador, um sampler, e um ou dois sintetizadores quando tinha 16 anos. Á medida que foi aprendendo a mexer em máquinas e a tocar vários instrumentos, num modo auto-didata, foi desenvolvendo uma sonoridade própria. A fama surge com o tema “cara de chewbacca” , que se torna um sucesso viral e lança o alter-ego de Paulo Pimenta para as luzes da ribalta nacional. As “mensagens da nave-mãe” é o seu mais recente álbum, uma viagem electrónica salpicada de letras irónicas e de um certo non-sense que já se tornou a imagem de marca de PZ.

És um artista inconformado ou um ET vanguardista?
PZ: Inconformado com algumas coisas, mas não me levo muito a sério, por isso, as minhas músicas tem alguns aspectos irónicos, humorísticos e de algum cinismo perante a sociedade em que vivemos. Eu tento dar uma visão muito diferente, mas relacionada com a nossa cultura, sobre certos aspectos que são relevantes para mim, usando lá esta, a ironia e algum “non sense”, mas sempre com elementos portugueses.

Ao meu ver alguns dos temas do último álbum reflecte o que acabas de dizer, esse inconformismo.
PZ: Alguns.

Nota-se na canção “censura”, abordas mesmo os problemas em que se debate actualmente na sociedade portuguesa.
PZ: Acho que sim, eu gosto de trabalhar numa perspectiva moderna em termos das letras e da música. Actualmente em Portugal estámos a passar momentos difícies, mas ao mesmo tempo é um país que tem coisas boas, gosto de misturar tudo isso e não ter aquela atitude depressiva em relação ao que se esta a passar, mas tentar através da música mostrar um lado não tão cinzento, mas com laívos de humor negro. As letras surgem por tudo o que influencia à minha volta, na cidade em que vivo, o tempo em que estámos a viver. Eu gosto de explorar esses temas simples, do dia-a-dia na minha música.

Este disco é mais electrónico que o teu anterior trabalho com uma sonoridade mais do anos 70, este tem um som mais sofisticado.
PZ: É por isso que se chama “rude sofisticado” porque essa sonoridade dos anos 70 e 80 provém dos drum machines e sintetizadores que uso dessa época, eu gosto muito desse tipo de sons. Neste novo álbum uso a guitarra, o baixo, mas é puramente o mais electrónico, usei mais os sintetizadores, com programação de bits, às vezes eu próprio tocava os bits, é mais programático e mecânico este “mensagens da nave-mãe”. A base electrónica é a assinatura de PZ, dá-me a liberdade de ter o que quiser a minha maneira e de expôr as minhas influências do tecno, da electrónica e do hip-hop que sempre estiveram presentes.

No “rude sofisticado” houve uma certa polémica com algumas das canções, nomeadamente, a cara de chewbacca.
PZ: “A cara de chewbacca” não é do “rude sofisticado”, foi uma colaboração que fiz com o músico DB, que é um músico de Gaia que faz bits, por isso é que se chama DB mais PZ, fiz duas músicas com ele, a “cara de chewbacca” e “tu és a minha gaja”. Foi um projecto interessante, porque lá esta hoje em dia com as redes sociais surgem essas colaborações, através do email ele deu-me a conhecer as suas músicas, ele tinha uma base instrumental que é a da canção da “cara de chewbacca”, num álbum de bits que se chama “retroactivo”, eu ouvi a melodia e lembrei-me de um refrão sobre uma gaja que tinha cara de chewbacca, parti-me logo a rir e tentei fazer uma história em volta disso. A partir daí conhecemo-nos, demo-nos muito bem e ele acompanha-me nos concertos. Depois fiz uma música para ele cantar por cima, “tu és a minha gaja”. A polémica em torno da música “cara de chewbacca” surgiu com a provedora da RTP.

Que acusa-a de ser sexista.
PZ: Sim, no início o problema eram os palavrões, depois foi mais longe e disse que era imoral, que denegria o papel da mulher na sociedade actual. Eu acho que é uma interpretação muito séria da música e não teve o sentido de humor. A maior parte das pessoas percebem que a música é uma paródia e nunca tive o objectivo de ofender ninguém. É uma canção para as pessoas sentirem uma música diferente, que tem piada, mas que obviamente não é para ser levada a sério. Acho que tem a ver com as conversas normais machistas que temos entre amigos, as mulheres também tem esse tipo de conversas, tentei explorar um bocadinho, não criar tabus e explorá-los de uma forma engraçada e divertida.

Consideraste um músico do cocooning? Porque tu crias a tua música individualmente, no teu mundo que é o teu quarto, onde dispões de todo o tipo de novas tecnologias, quase agorafóbico. Achas que geracional ou surge por és uma pessoa introvertida, mais intimista?
PZ: Acho que é uma mistura. Como eu digo em “100% natural”, que é quase o mote para o disco, “é uma mistura essencial para a minha postura superficial”. Também é algo geracional, porque as pessoas, dos anos 90 e 2000, podem fazer os seus bits e as suas músicas no seu espaço privado, podem criar um tema composto a solo no seu conforto caseiro, mas eu não sou agorafóbico, gosto também de estar com outras pessoas obviamente. De facto, não sou muito expansivo, sou-o através da música que me dá essa liberdade para fazer o que quiser dentro da minha estética musical. Sim, também sou uma pessoa que gosta de fazer música intimista, diferente, explorar o meu interior através de coisas que me vêm do exterior, mas acho que isso é a base para qualquer pessoa que faz música, não só apenas nas letras, mas também para as partes instrumentais. Eu já tive outros projectos, por exemplo, com o meu irmão, em 2008, que lancei através da minha editora” meifumado”, ele toca nos dixieland band que é um grupo de improviso onde também toco, tenho várias facetas diferentes, mas o PZ é uma viagem mais interior e intimista.

O teu alter-ego é também uma visão muito personalizada, porque achas que não cabe lá mais ninguém.
PZ: Cabe mais hoje em dia nos concertos ao vivo. Tenho dois amigos que gostam e sabem tocar a minha música, que é o Fernado Sousa e o André Simão. No Porto já temos uma comunidade de músicos que tocámos uns com os outros para apresentar ao vivo os nossos projectos pessoais, depois tornam-se parte da equipa. Ao princípio eu comecei a tocar sozinho na minha máquina e de pijama, depois trouxe os meus músicos para tocar os sintetizadores, o baixo e as guitarras. Agora temos uma nave-mãe que foi um projecto de video desenvolvido por um grupo de amigos meus, para o PZ, e lá esta a minha música, parte de mim e a minha maneira de fazer as coisas, depois para a mostrar ao exterior gosto de envolver mais pessoas e incluo todos esses elementos no espectáculo ao vivo.

Tens também uma imagem muito própria, foi por isso que também criaste uma editora?
PZ: Foi inconscientemente, quando criei a editora ainda não existia o projecto PZ. O meu primeiro disco, o “anti-corpos”, que lançei em 2005 foi se calhar o mais importante porque foi muito intimista, estava a sair de uma depressão clínica e então comecei a fazer música e quase foi uma terapia, daí o nome. Depois isso deu-nos liberdade para editar, fazer as coisas à nossa maneira. Não temos timings, não temos prazos e quando queremos lançar um videoclip lançámos, contactámos com outras bandas, neste momento a editora cresceu temos os “mind da gap” os “expeão” e editámos o primeiro álbum do “we trust” que foi gravado nos estúdios da “meifumado”. Também já gravámos trabalhos para outras pessoas, meu irmão, o Zé Pimenta já trabalhou com a “Capicua”, os “mão morta” e muitos mais. Foi inconsciente, mas o “meifumado” dá-nos a liberdade de fazer o que nos dá na cabeça, mas sempre com um cunho muito pessoal e cuidado.

Isso extende-se aos videoclipes? Porque embora pareçam ser muito caseiros, parecem cuidados e que não são feitos ao acaso.
PZ: Por acaso surgem ao acaso, “o que me vale és tu” e “passeio” foram ideias que me surgiram no momento, até tentei fazer uns takes a seguir que não sairam tão bem. No “passeio”, as riscas que aparecem na garagem foram feitas por um primo meu que usa esse espaço para os seus projectos artísticos, que é o David Gonçalves. Eu cheguei lá um dia para fazer outro videoclip e resolvi fazer sobre o passeio. Portanto, são coisas que surgem naturalmente, eram três da manhã e estava com uma insónia, coloquei a câmara e pus-me a dançar e esses auto-produzidos acabam por ter um cunho muito pessoal e espero que especial também.

Também és do Porto. É muito importante mostrar a cidade?
PZ: Não é muito importante. Apenas é a cidade em que eu vivo, é a minha cidade, onde vivem os meus amigos, a minha família embora seja de Famalicão, eu estudei no Porto e gosto de viver nesta cidade. A minha cultura mais próxima dentro da portugalidade é a do Porto, do Norte e tento mostrá-la e também como uso expressóes do norte e isso transparece na música, mas não faço questão de o dizer. Tanto é assim que acho que Portugal tem sítios fantásticos, é um privilégio tocar como PZ em sítios como Lisboa, nos Açores ou na Madeira, são sítios que devido a minha preguiça seriam improváveis de conhecer, mas que foi possível, através da minha música.

Eu sei que és um músico intimista, mas os concertos não te causam uma certa ansiedade, mesmo tendo a nave-mãe e toda a máquina musical por detrás?
PZ: Bem, tu nunca sabes quantas pessoas vão aparecer nos concertos, mas ultimamente tem-me corrido tão bem os espectáculos que eu divirto-me mesmo em palco, para mim são experiências únicas e eu gosto cada vez mais de tocar ao vivo.

Dos três álbuns, em especial os anteriores, haveria alguma coisa que mudarias?
PZ: Penso que não, as coisas são assim, são fotografias musicais do momento, não mudaria nada. Quando quero fazer coisas novas faço um novo álbum.

Qual te reflecte melhor como artista?
PZ: Acho que é sempre o último, são as reflexões mais recentes e é sempre difícil para mim ver de fora. O “anti-corpos” foi especial porque é o primeiro e define um pouco a minha linha, o “efervescente” é um hino pessoal e foi das primeiras músicas que fiz como PZ . O “rude sofisticado” também porque comecei a notar que a minha música chegou a mais pessoas, desenvolvi os meus videoclipes, comecei a dar mais concertos e foi um marco, mesmo o nome gosto muito e o último, “mensagens da nave-mãe” por isso mesmo. Não tenho nenhum favorito depende do momento, da altura.

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