A organização ambiental fez o balanço ambiental de 2015.
A Quercus emitiu um relatório anual onde enumera os pontos positivos e negativos em termos ambientais para Portugal. Na lista constam vários pontos onde se destacam pela negativa as descargas poluentes e barreiras no rio Tejo. Os recorrentes episódios de poluição e ameaça ao continuum fluvial, registados ao longo do ano no caudal, um rio internacional de elevado valor ambiental, cultural e económico fazem com que este se apresente ano após ano, progressivamente, mais degradado e ameaçado, tendo no ano de 2014 sido inclusivamente detectadas barreiras que impedem a migração da fauna piscícola ao longo do rio.
As metas de reciclagem estabelecidas através do Plano Estratégico dos Resíduos urbanos (PERSU 2020) são absurdas, segundo esta organzição não gobernamental , porque obrigam as regiões do interior a reciclarem 80% dos resíduos em 2020, enquanto que as grandes metrópoles de Lisboa e do Porto só têm de reciclar entre 42 e 35%. Tudo isto para que se continuem a incinerar resíduos recicláveis.
No ano de 2015 revelaram-se os impactes nefastos da implementação do regime de arborização aprovadoatravés do DL n.º 96/2013, de 19 de Julho. Aumentaram os novos eucaliptais à custa sobretudo da conversão de pinhais-bravos e outras formações da nossa floresta autóctone, associados a uma incorrecta mobilização de solos e às queixas dos agricultores devido à falta de condicionantes à proximidade das culturas agrícolas.
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A entrada em vigor, no início do ano, do Decreto-Lei nº 165/2014 veio criar um regime extraordinário de regularização da atividade de estabelecimentos e explorações sem licença, em geral empresas altamente poluidoras ou negligentes no cumprimento das normas ambientais. Uma iniciativa, que apenas vem confirmar a falta de vontade política para dotar o País de um regime devidamente regulamentado e eficaz de responsabilidade ambiental.
Os incêndios florestais continuam a ser considerados um dos maiores problemas ambientais do nosso País. Segundo o 9.º relatório provisório de incêndios florestais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, entre 1 de Janeiro e 15 de Outubro a área ardida foi de 62 401 hectares. Os distritos mais afetados pelos incêndios foram a Guarda, Viana do Castelo e Braga com11 889 hectares, 9 999 hectares e7 143 hectares, respetivamente, correspondendo a estes três distritos 47% do total da área ardida em Portugal Continental.
A reorganização das atividades agropecuárias e a alteração nos ecossistemas naturais resultou na redução da abundância das presas naturais das aves necrófagas tendo–se estas aves adaptado e passado a encarar os animais domésticos associados às atividades agropecuárias como parte da sua dieta alimentar. Contudo, foi a restrição das regras sanitárias, que ditou a recolha obrigatória das carcaças dos animais mortos dos campos, que criou, e agravou em 2015, o problema de escassez de alimento para estas aves selvagens protegidas.
A Quercus procedeu à suspensão da classificação "Qualidade de Ouro", atribuída à Praia de Dona Ana, no concelho de Lagos, no Algarve, por considerar que as intervenções realizadas em 2015 colocaram em causa o equilíbrio ambiental e paisagístico que deve nortear a atribuição deste galardão.
O Parque Eólico de Torre de Moncorvo, previsto para os concelhos de Torre de Moncorvo e Carrazeda de Ansiães, a ser construído, iria afectar a paisagem na Zona Especial de Proteção do Alto Douro Vinhateiro, classificado como Património Mundial. A instalação de 30 aerogeradores com120 metros de altura é incompatível com a paisagem classificada do Alto Douro Vinhateiro, pelo que a Quercus já fez uma participação à UNESCO para impedir que este projecto avance.
Em Maio de 2015 foram encontrados junto ao Rio Angueira, em Miranda do Douro, quatro Abutres-pretos (Aegypius monachus) e um Abutre-do-Egipto (Neopron pernocopterus) vítimas de envenenamento ilegal. Estas aves estão em perigo de extinção e este caso vem mostrar, mais uma vez, que a ação humana pode ser determinante na sua conservação em Portugal.
É também preocupante o risco de expansão de algumas espécies exóticas, como o jacinto-de-água, já presentes no rio Guadiana, em Espanha, para a área central da Albufeira de Alqueva, tendo em conta os custos ambientais mas também económicos que tal situação irá acarretar. É urgente o reforço das medidas que as autoridades já estão a tomar, com vista a monitorizar e controlar este problema.
Com nota positiva o destaque vai para a legislação que desincentiva o consumo dos sacos de compras descartáveis em plástico, integrada no pacote da “Fiscalidade Verde”, acabou por se revelar uma medida extremamente eficaz para minimizar a produção de resíduos e ajudar a uma maior sustentabilidade ambiental.
Actualmente, algumas populações que estiveram extintas em Portugal durante várias décadas voltaram a ter populações em território nacional, como o abutre-preto, uma espécie extinta durante quase 40 anos e que já conta com onze casais reprodutores este ano. A águia-imperial-ibérica também esta a recuperar, sendo conhecidos actualmente mais de doze casais reprodutores e o lince-ibérico conta já com onze animais em território nacional, fruto do programa de reintrodução em curso.
O surgimento, na área do Ribatejo, de vários movimentos informais de cidadãos, dos quais se destaca o movimento "Vamos Salvar o Rio Almonda, dedicado à luta pela despoluição do Rio Almonda, conseguiu pela sua persistência chamar a atenção das autoridades nacionais em matéria dos recursos hídricos para os graves problemas de poluição provocada por efluentes industriais neste curso de água, o que conduziu à tomada de decisão para a implementação de medidas relativamente às indústrias poluidoras, nomeadamente a suspensão de algumas licenças de descarga.
A legislação sobre a produção de composto a partir de resíduos, esperada desde 2006, vem ajudar a regulamentar o setor, promover a reciclagem dos resíduos biodegradáveis e a reposição de matéria orgânica no solo.
As equipas cinotécnicas de deteção de venenos compostas por binómios de militares da GNR e cães constituem uma ferramenta fundamental na luta pela erradicação do uso de venenos na natureza contra a fauna. Foram criadas três equipas com militares do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente (SEPNA) e sete cães pastores Belga Mallinois que vão trabalhar em conjunto e intervir nas Zonas de Proteção Especial (ZPE) da Rede Natura 2000 de Castro Verde, Vale do Guadiana, Mourão/Moura/Barrancos e Tejo Internacional, Erges e Pônsul.
http://www.quercus.pt/comunicados/2015/dezembro/4533-balanco-ambiental-2015
Bárbara Eugénia é uma cantora psicadélica romântica e tropical, como ela própria se define. Os seus álbuns são reflexo das várias etapas da sua vida e mais uma vez isso fica patente no seu último trabalho, “frou frou”.
Queria começar a falar do teu primeiro trabalho, o “jornal do bad”, já passaram cinco anos, é de 2010, olhando para atrás como vês este álbum?
Bárbara Eugénia: Eu gosto muito do meu primeiro disco. Acho que aprendi a gostar mais dele com o passar do tempo.
Porquê?
BE: A gente tem uma tendência, quem faz disco, tem umas fases de não gostar, de achar ruim, de achar bom e mau de novo. Hoje em dia tenho um profundo respeito pelo meu primeiro álbum, acho que ele é muito bom, porque eu podia fazer o meu momento daquela época e acaba sendo um bom trabalho de estreia. Tenho muito orgulho dele.
O nome, porquê “jornal do bad”?
BE: Era o nome de um email que eu escrevia, porque eu era do Rio de Janeiro e fui morar em São Paulo, tenho também muitos amigos que moram fora do Brasil e na época estava sentindo a necessidade de me expressar além de um oi tudo bem? Eu estou bem e deu tudo certo. Mas, enfim, criei esse email para um grupo de amigos em que contava tudo de uma forma mais literária, de uma forma mais poética, daí eu apelídei de jornal do bad, porque é o meu apelido para os meus amigos mais antigos, eu era meio ranzinza e chata (risos). É o meu diário, da bad, então quando fiz o meu primeiro disco achei que era muito válido, justo nomeá-lo dessa forma, porque era a minha vida naquele momento.
Em relação ao teu segundo trabalho, houve um salto? O que achas que mudou?
BE: Mudou bastante. Ficou mais colorido, isso se pode notar pela própria capa, que era vermelho e preto no primeiro EP e neste segundo trabalho é multicolorida, este é um disco mais solar. Acho que tem também a ver com as fases da minha vida mesmo, eu fui ficando em paz comigo mesma, com o que estava vivendo e isso se reflectiu neste álbum.
É curioso que digas isso, porque muitas destas canções tem um tom nostálgico na mesma, são canções de amor e tem muito à influência dos anos 70.
BE: Sim, muita.
Era música que ouvias, ou que os teus pais ouviam?
BE: Claro que era música que os meus pais ouviam e ainda ouvem, mas é a música de que gosto mais, é uma grande influência essa sonoridadade dos anos 60 e 70.
Mas, pelo que li é um estilo de música meia brega.
BE: Não, o brega já é do Brasil, de um certo tipo de música romântica que existiu no mundo inteiro, mas que no nosso país teve o nome de brega. Eu gosto do rock and roll, do psicadélico e do romântico que abrange todas as formas de ser rockeiro daquela época, desde o mais louco até o romântico fofo.
Definem a tua música como a nova música contemporânea do Brasil. Tu revês-te neste tipo de definição?
BE: Eu já me enfiaram em tantos rótulos que já nem sei. Eu digo que faço música brasileira psicadélica, romântica e tropical.
Tu já andas a cantar alguns temas do novo trabalho discográfico. Fala-me um pouco disso. Qual é o fio condutor deste álbum?
BE: A linha condutora do meu disco é a diversão. Acho que anda tudo mundo muito sério e muito chato, o mundo é muito, muito careta. Vivemos numa ditadura global horrorosa e acho que a gente tem de dar um pouco de risada e dançar os problemas.
Mesmo em termos de voz é mais leve? Porque sempre tens um tom nostálgico.
BE: Aí eu já não sei, eu não posso julgar. Eu estou mais livre.
Em termos de composição?
BE: Mais livre também.
O que mudou?
BE: Eu estou mais sem freio, querendo tirar um sarro dos problemas, em vez de ir a fundo, em vez de ficar sofrendo. Esta muito chata a vida, a gente precisa de se divertir e dançar mais. O mundo esta quase insuportável. Devemos viver mais no amor, estou querendo trazer mais isso junto com a alegria.
Então passámos do teu alter-ego bad para alguém diferente.
BE: É uma outra coisa, o meu novo disco chama-se “frou frou” e frou frou é da da.
São as diversas fases de crescimento da tua vida?
BE: Sim, totalmente. Eu vou fazer 35 anos e sou outra Bárbara Eugénia.
E Bárbara Eugénia como é que para músicos como tu, que não são main stream, no Brasil?
BE: É difícil de viver de música. Eu sou tradutora também. Eu não sei o que leva a alguém a ficar mais bombado, eu sei que é difícil mas apesar disso, existe um núcleo duro de amigos compositores e artistas brasileiros que são muito integrados, como o Tatá aeroplano, Peripane, Anelis Assunção, Andreia Dias e estamos muito unidos a nossa música. A gente não ganha tão bem, não consegue a exposição que precisaria para viver da música, mas todo o mundo esta junto e a gente inventa e cria oportunidades e faz novos projectos conjuntos e é isso, a gente no Brasil tem de rebolar de alguma forma.
É por isso que fostes viver para São Paulo? Há mais oportunidades?
BE: Não eu fui para São Paulo, porque me separei mesmo. Nem era cantora.
Esta cidade tem um grande movimento cultural.
BE: Sim, todo o mundo acha isso, mas eu nem era cantora quando mudei para o São Paulo.
Mas, voltando aos teus amigos músicos e ao facto de serem um núcleo criativo, isso é também porque vocês não se encaixam no movimento da tropicália?
BE: Não, não, da tropicália totalmente nos encaixámos, a gente adora este estilo, mas não na música main stream brasileira de agora, que nada tem a ver com tropicália, nem bossa nova, ou coisas mais tradicionais, ou mesmo vanguardistas. A música do Brasil é outra, que nada tem a ver com a gente.
Em paralelo com este tens um novo projecto?
BE: Sim, tenho. Vou gravar um disco com o Tatá aeroplano para o ano que vêm.
Vais participar só com a voz ou também compões?
BE: Não é um disco nosso, como o Aurora é um disco meu com o Chancas. Este trabalho é um disco composto pelos dois, vai ser lindo e a gente virá para Portugal concerteza para fazer uma tournée linda.
É mais um daqueles textos em que abordo mais uma das tendências deste inverno.
Os anos 70 estão de volta e trouxeram consigo os pelos em casacos, coletes, malas, botas, basicamente em tudo, embora haja uns padrões e texturas que acho deveras interessantes, seja falso ou verdadeiro para mim tudo vai dar ao mesmo, pessoalmente não gosto. A sério, louvo as mulheres e designers de moda mais sensíveis às consequências do comércio das peles de animais que tem constantemente pressionado, ao longo do tempo, as empresas do sector do vestuário para que optem mais pelas congéneres sintéticas. Olhando para os últimos 30 anos da história da moda, neste capítulo em particular tem havido uma clara evolução, as várias campanhas ambientalistas, umas mais polémicas do que outras, foram de facto mudando mentalidades e hoje em dia é recriminável uma mulher usar um casaco de peles verdadeiro em público, o que é bom sinal dos novos costumes. Mas, apesar de tudo isto, continuo a não apreciar esta nova tendência para este outono-inverno, ao meu ver, tudo esta relacionado com um trauma da minha juventude inconsequente. No meu aniversário decidiram oferecer-me um lindíssimo casaco preto em pelo sintético, o problema só surgiu quando o usei pela primeira vez, agora imaginem-me num transporte público, não só não me conseguia quase movimentar (parecia mesmo um daqueles astronautas a andar em câmara lenta em pleno espaço, juro!) como me sentia sufocada, incómoda e ainda foi alvo de inúmeras piadas por parte dos meus amigos. Foi um dia para esquecer, voltei para casa infeliz e com imenso frio, porque tive de tirar o diabo do casaco mais do que uma vez e nunca mais o usei. Até hoje o espécimen esta pendurado no meu armário e quando olho para ele não consigo evitar o longo suspiro, porque é tão bonito, pena é que ainda me faz comichão só em pensar usá-lo de novo! Aí esta, afinal existem os traumas da moda e este é o meu. Qual é o seu?
Marilene Ferraz desenvolve a sua actividade educativa no Centro Cultural Brasil-Cabo Verde, uma instituição que promove a cultura brasileira, através do livros, filmes e do ensino do português do Brasil, no arquipelágo africano. É também autora de literatura infantil com temática cabo-verdiana e contadora de histórias.
Explica-me como é que uma brasileira vai para Cabo Verde dar aulas?
Marilene Ferraz: O que me levou à Cabo Verde foi o coração. Havia um cabo-verdiano no meu curso de jornalismo, casámos e fomos para lá. Estou há 27 anos neste país, a minha formação é jornalismo, mas a minha primeira vocação é o magistério primário. A educação para mim é algo muito importante, em Cabo Verde descobri pelas leituras de Almícar Cabral que estavam muito mais avançados em termos de pensamentos que no Brasil, que só pensa assim agora com o governo Lula, que a educação é o meio mais rápido de ascenção social. Neste país africano isso é uma realidade do quotidiano e parece mesmo uma mágica, é possível ser muito pobre e passados doze anos ser uma pessoa que tem um trabalho, ou estar fazendo um curso superior e estar bem na vida. Eu trabalhei os 10 anos iniciais como jornalista na área do social e da educação, depois passei mais dez dando aulas no segundo maior liceu do país, não em português, mas numa disciplina que pode ser chamada de educação para a cidadania. Foi através dessa experiência do ensino que conheci o país, através dos seus jovens, que são bondosos, respeitadores, trabalhadores e de uma educação que lembra os anos 50, com esse naif da alma. Mais tarde foi trabalhar na direcção do Centro Cultural Brasil-Cabo Verde, que é uma instituição do governo brasileiro, onde sou funcionária local cá. Na altura quando comecei não sabia como trabalhar com cultura, porque não era a minha área e tínhamos poucos recursos, então decidimos investir na educação e foi o que fez a diferença. Hoje, o português esta lá, somos o centro mais actuante, o “Itamaraty” me manda livros e filmes que tem um público cabo-verdiano que os consome, todas as quintas-feiras temos cinema brasileiro, há seis anos sem parar, claro, quando há comédia aparece mais gente, se o filme tem actores da rede globo tenho sala cheia e também levámos os filmes até escolas, ou instituições locais. Ensinámos também português nas cadeias e aos emigrantes, guinenses que nunca aprenderam a língua portuguesa no seu país, para a cabeça do lusofóno aprender português do Brasil é menos arriscado, eles podem errar, então tem menos complexo em falar brasileiro, o português de Portugal gera um compromisso tão sério que eles tem medo.
Mas, apostam sobretudo na infância?
MF: Você quer um consumidor de cultura adulto, mas nunca pensou que tinha de ser formado desde pequeno. Nós estámos fazendo isso, vamos as escolas, temos um projecto chamado mala literária, que abre como uma estante e passámos uma manhã numa escola, primeiro com a contação de história e depois disponibilizámos o livro. É uma loucura, mesmo os meninos que não sabem ler vêem as imagens depois trocam os livros e tem sido uma experiência muito boa. Também recebemos escolas no centro cultural, já virou o nosso cartão de visita, a contação de história e a oficina brincante, que é brincar cantando uma música que também conta um conto. Depois também temos capacitado monitores de jardim de infância, porque em Cabo Verde ainda existem poucos profissionais capazes de trabalhar com criança, então temos apostado nessa formação. Este ano vamos começar dois projectos pilotos, um com o ensino básico e outro com jardim de infância, estámos a trabalhar em três instituições públicas que estão na periféria, onde a contação de história não chega. Vamos iniciar um projecto de escrita criativa com o ensino básico, é algo que temos feito há cinco anos, uma oficina para crianças entre os 6 aos 12 anos e que tem tido um resultado maravilhoso, porque a gente publica internamente “o meu primeiro livro”. A última actividade de uma criança é produzir uma poesia delas, que a gente trabalha com o “limericks”, que é um processo que nasceu na Grã-Bretanha e que no Brasil foi muito trabalhado pela Tatiana Belinky que é uma russa que cresceu no nosso país. Os meninos aprendem, através do limeriques, como isso deu muito resultado a gente tem quatro edições de livros infantis, os meninos levam para a casa ou para escola como forma de melhorar a relação dos alunos cabo-verdianos com a leitura da língua portuguesa e nós ficámos com uma edição.
É bom que foques essa questão, porque em termos educativos, as crianças cabo-verdianas aprendem crioulo em casa, mas quando vão para a escola são alfabetizadas na língua portuguesa e isso cria um fosso em termos de aprendizagem, o que provoca uma taxa negativa de reprovação em termos dos resultados dos exames à português.
MF: Sim. O crioulo é a língua materna que eles ouvem desde que estão na barriga da mães deles, eles constroem toda a sua vida até os seis anos nessa linguagem. Quando chegam na escola primária são alfabetizados no português que muitas crianças nem ouviram falar, sobretudo, as que vivem nas áreas rurais. Eles apenas ouvem o que vêem em novelas brasileiras, inclusivé, o que a gente tem notado é que a criança e o professor não fala bem português, fala em brasileiro, porque eles acham que não é uma língua portuguesa e falando com alunos meus que ajudo para a prova de capacitação de língua portuguesa para se poderem candidatar ao ensino superior no Brasil, descobri que até as meninas ao brincar com as barbies constroem narrativas em brasileiro e eu perguntei porquê? Não é porque esta faltando literatura e contação de história em português deles, mas é porque aprendem narração de história, através de novela brasileira. Até dá para fazer um estudo, porquê é que as crianças lusofónas, não brasileiras, brincam de boneca em brasileiro?
Focaste também a questão dos livros, tem a actividade do bau da leitura, são em crioulo ou português?
MF: São em português, porque não há livros infantis em crioulo, ainda não. Até não havia livros infantis com temática cabo-verdiana até o ano 2000.
Salette Ramalho é uma das responsáveis da Agência de Curtas-Metragens. Uma entidade que ajuda a promover as obras do cinema independente português e que tem uma palavra a dizer sobre o rumo do cinema em Portugal.
Fala-me um pouco sobre a agência para a promoção de curtas-metragens portuguesas, em que âmbito surge?
Salette Ramalho: Vou então começar pela génese da exibição de cinema em Vila do Conde. Por volta dos anos 50 foi criada a secção de cinema do Clube Fluvial Vilacondense, que foi um cineclubes mais antigos do país e que, entretanto, deixou de funcionar, mas nos anos 80 este renovou-se no chamado Cineclube de Vila do Conde, já com uma nova direção que mostrou cinema à cidade durante vários anos. Entretanto, este mesmo núcleo decidiu iniciar um festival de cinema à imagem do festival internacional de curtas-metragens de Clermont-Ferrand que é um dos eventos mais importantes ao nível da curta-metragem em todo o mundo, com cerca de 3000 profissionais do sector, e é então em 1993 que organizam o primeiro festival internacional de curtas-metragens de Vila do Conde. O conceito de curta-metragem, com o passar do tempo, mudou. Na altura, o filme curto era visto como um cartão-de-visita de um realizador, que acabava a escola de cinema e fazia uma curta-metragem para mostrar o seu potencial. Hoje em dia isso modificou-se. Vemos muitos cineastas que já realizaram longas-metragens a voltarem aos filmes curtos para testar novos conceitos, novos formas de filmar, é o caso do João Pedro Rodrigues, do João Nicolau, até do Manoel de Oliveira cuja última obra é um filme de 20 minutos. A curta é então um formato atrativo para este tipo de experiências. A partir do quinto ano do festival decidiu separar-se o Cineclube por uma razão muito simples, esta instituição era uma associação juvenil e eles já não eram muito jovens (risos). Para o efeito decidiram criar uma cooperativa de acção cultural para ser o motor do festival, a Curtas Metragens CRL. Todos os seus braços de início o Curtas Vila do Conde, depois a Agência, a Solar, a Animar ou o Estaleiro, foram sempre iniciados de forma muito espontânea. Na verdade, a cooperativa esteve sempre, desde a sua criação, de olhos bem abertos e atentos às necessidades que surgiam.
A Agência aparece da necessidade de produção?
SR: A Agência nasce da necessidade de mostrar aquilo que já existia a nível de produção em Portugal. Em 1993 não havia quase produção de curtas-metragens nacionais. Existiam pequenas experiências mas nunca a partir de um financiamento seguro do Instituto de Cinema e Audiovisual (ICA). Em 1995, e depois de uma aposta do ICA para a produção regular de curtas, a direcção do festival verificou que existia um número de filmes considerável para poder ser mostrado e assim criaram no festival uma competição dedicada à produção nacional. Isso também ajudou a dinamizar todo este sector, pelo menos é o que gosto de pensar, porque no passado as poucas curtas que eram feitas não tinham um lugar dedicado para serem mostradas. Em 1999, em conversa com os responsáveis do ICA, discutiu-se o problema da internacionalização das curtas-metragens portuguesas que já tinham uma produção considerável e, já que o Curtas Vila do Conde fazia esse trabalho espontâneo e voluntário de entregar, na altura, as fitas de VHS com filmes portugueses a programadores de outros festivais, decidiram oficializar a ação com a criação da Agência da Curta Metragem (ACM), que a princípio tinha como função contactar os produtores portugueses, visualizar os filmes produzidos e fazer a articulação com os outros festivais internacionais de cinema. A Agência inscrevia os filmes nas competições dos festivais e tratava de toda a parte burocrática, deixando para o produtor com a já árdua tarefa de produzir. Hoje em dia, para além desse trabalho estruturante vemos a ACM com um papel mais activo junto dos programadores internacionais, com a realização de retrospectivas ou programas especiais portugueses... Entretanto, por razões que se prendem com o financiamento, a agência foi forçada a também encontrar meios para se auto-financiar, porque o ICA só suporta o seu trabalho 50% sendo necessário encontrar os 50% restantes. Esta receita é, assim, obtida através da venda de filmes para televisão, na distribuição através no aluguer de curtas-metragens para museus ou festivais de cinema que representam o grosso das vendas. Isto acaba por ser benéfico porque ajuda à criação de um pequeno mercado, algo que não é muito óbvio à primeira vista, e porque incute nos programadores a necessidade de reconhecer valor a um formato que tem uma componente artística muito forte.
Sim, porque as longas-metragens sofrem dessa limitação de tempo e financiamento, o que não acontece nas curtas onde há liberdade total.
SR: Mas as curtas-metragens também necessitam de financiamento. E se recordarmos 2012, este foi um ano caótico, foi o chamado ano zero do Cinema Português porque não houve qualquer financiamento do ICA. O que se viu produzido nesse ano em termos de curtas-metragens foram as comissões para “Guimarães Capital da Cultura” e as do “Estaleiro”. Este “Estaleiro”, que entretanto se transformou no projecto “Campus” trata-se de uma iniciativa da Curtas Metragens CRL com uma índole pedagógica muito forte e que se define pela produção de filmes curtos, cuja equipa é composta por um realizador profissional convidado e por estudantes dos vários cursos dedicados à imagem em movimento das várias universidades e escolas técnicas localizadas no Norte de Portugal. A única condição que se impõe é que o tema esteja relacionado com esta zona do país, já que é financiado pela CCDRN. Mas não é possível, nem digno, sob pena de comprometer a sua qualidade, obrigar a produção nacional de curtas a uma estrutura semelhante àquela usada no Campus. Existe um tecido profissional especializado, desde os directores de fotografia a assistentes de produção que é necessário manter. E sim, no final, porque as curtas-metragens têm tempos de produção mais breves, não têm um peso muito forte a nível do financiamento comparando com as longas e consegue-se fazer uma curta com menos dinheiro, enquanto uma longa-metragem exige um outro tipo de meios. Mas foi em 2013 que se verificaram os resultados daquele ano calamitoso...
Desde que assumiste o cargo de directora até hoje, o que notas em termos de conteúdo artístico dos cineastas portugueses?
SR: Atenção que não sou directora da agência, existe uma direcção, que é a da Curtas Metragens CRL, composta por 3 pessoas: o Miguel Dias, o Nuno Rodrigues e o Mário Micaelo. Eles junto com outras pessoas que entretanto embarcaram noutros projectos, o Rui Maia, o Luís Urbano e o Dário Oliveira, são os criadores da ACM. Para responder à questão, sinto que os realizadores necessitam principalmente de suporte financeiro e de apoio de outras estruturas ligadas ao cinema. Na verdade uma pessoa pode ter uma semente e colocá-la na terra, mas se não tiver água, sol e alguém que cuide dela, pode acabar por não brotar. O talento é visto por nós nessa perspectiva. Há realizadores que fazem um primeiro filme que pode não ter a projeção desejada, mas havendo a sensibilidade de perceber que existe nas imagens daqueles realizadores uma visão de cinema, uma promessa, existindo uma aposta na sua continuidade e apoio, muitos talentos podem ser descobertos. O Miguel Gomes é um belo exemplo que começou pelas curtas-metragens e foi acarinhado pela Agência desde o início. Mas uma coisa é certa, sem talento não se consegue fazer nada. Obviamente que o que o ICA também tem aqui um papel muito importante neste apoio continuado e numa visão estratégica para o futuro do cinema. Considero bastante preocupante que, no presente, não seja esta instituição a fazer a nomeação dos júris para avaliar os projetos. Vejo com inquietação que a escolha dos júris integrantes dos painéis avaliação seja feita pelos próprios produtores, distribuidores, televisões ou associações do sector, porque estes são os principais interessados em receber os fundos. Toda a gente concorda que o ICA é a entidade mais equidistante a todas as entidades do cinema e a mais idónea, é por isso que deverá ser o ICA a escolher estes júris.
João Fino foi músico, encenador de teatro, actor e actualmente debruça-se sobre a pintura que é uma das suas grandes paixões. As suas composições debruçam-se sobre a pintura figurativa que se inspiram nas múltiplas experiências de vida.
Pelo que vi pela tua biografia és quase um homem do renascimento, já fostes actor, encenador, músico, criaste cenários para teatro e agora dedicaste à pintura.
João Fino:Fascina-me a aprendizagem, a evolução, o desafio da resolução de problemas. A pintura é talvez a maior e mais bela das equações para mim.
Quando terminei o liceu na área de desenho, o meu percurso desviou-se e manteve-se assim, múltiplo, durante 15 anos. Por curiosidade e por sobrevivência. Por paixão ou teimosia. Mas sempre senti que as artes estão interligadas, antes ainda de perceber esse pensamento. O que se aprende numa transporta para a seguinte. Se sou melhor músico, serei melhor actor, melhor encenador, melhor pintor por consequência. O ritmo as noções de espaço de profundidade, do sentimento, da musicalidade nas palavras, das texturas nos sons ou no óleo, as diferentes camadas de uma personagem de uma musica ou de uma pintura, tudo se move no mesmo sentido. O que a pintura me ensina, é a sintetizar, a simplificar. Mas ainda estou a aprender. No entanto, é sem dúvida, o espaço onde me sinto mais confortável, adoro a solidão que me proporciona o pintar. Faz com que aprecie mais a presença de pessoas depois.
Mas, sempre foi esse teu objectivo, ser pintor a tempo inteiro?
JF: A pintura ainda é recente. Ainda me faz ajoelhar. A cada visita, como uma raínha. Foi um longo percurso mas sinto que nela me encontrei finalmente, cheguei a casa. Surgiu a oportunidade de me focar num só rumo. Mas desde sempre que os meus cadernos de encenação e os apontamentos do tempo da academia estão cheios de desenhos. Sempre desenhei, penso melhor enquanto desenho. A criação de imagens em palco, pelo corpo dos actores ou nas letras de músicas sempre me acompanhou. Rouge, a minha peça musical, o meu barco pirata, era montra disso, todas as minhas peças sempre tiveram uma componente visual muito forte. Hoje graças ao investimento de pessoas que acreditaram no meu trabalho pude finalmente focar-me em ser apenas um. E isso dá-me muito prazer. Hoje aplico tudo o que trago comigo ao meu trabalho. Quero ser conhecido como Fino, o pintor, sim.
As áreas onde te moves acabam por influênciar a tua obra, já que notei que tu fazes muita pintura figurativa.
JF: Sim. Fascina-me muito o dramatismo do rosto e a expressão do olhar e do corpo. Acho que ainda sou encenador nesse sentido. Enceno personagens que crio, moldo-lhes uma voz que transmita sentimento.Também a música é uma presença importante, o ritmo a percussão, a melodia. As cores são notas, as pinceladas ritmam a imagem, dão-lhe uma base para ter voz. No futuro possivelmente o figurativo vai-se diluir, ao não ser que pretenda abordar essa linha de forma muito objectiva. Como seria uma exposição sobre teatro.
Até porque muita das tuas temáticas tem a ver com o teatro.
JF: O teatro é uma presença incontornável, nasci do palco. Os meus trabalhos nesta fase ainda reflectem isso. Adoro máscara, a expressão do rosto, adoro registar o sentimento, a força e a luz que o teatro ensina. A forma como pinto transporta todo o modo como criava em palco. Instinto primeiro, sempre, depois a razão a aprimorar essa base. O início das minhas pinturas é a fase mais pura e honesta do meu trabalho. Mas também sou um fã da estrutura e do primor, por isso gosto de conduzir esse instinto a um resultado mais talhado. Quero no futuro fazer uma exposição inteiramente dedicada a esse universo, ao teatro.
É a mais recente publicação de Alexandra Azevedo médica veterinária e activista ambiental. A autora escreve regularmente artigos de divulgação e de opinião e organiza várias actividades práticas com destaque para o tema da alimentação.
O novo guia sobre frutos silvestes em Portugal de Alexandra Azevedo surge porque “a nossa sociedade industrial e profundamente urbanizada afastou-nos do contacto mais íntimo com a natureza, pelo que a prática da recoleção de alimentos silvestres está praticamente extinta. Estes guias práticos dirigem-se especialmente a quem busca uma alimentação mais natural e procuram recuperar conhecimentos ancestrais, compilar informação útil à luz dos conhecimentos científicos actuais, aliar a tradição à inovação alimentar, por isso a edição destes trabalhos resultam de um percurso ao longo dos últimos anos de pesquisa e sobretudo de muitas experiências gastronómicas”.
A etnobotanista considera ainda que existe "uma considerável diversidade de plantas que de acordo com dados arqueológicos e históricos foram utilizados desde tempos remotos. Pelas excepcionais qualidades nutricionais e abundância, a bolota, fruto das espécies do género Quercus foi dos alimentos que constituiu a base da alimentação das primeiras populações humanas no nosso território, no entanto as suas utilizações gastronómicas são desconhecidas da maioria das pessoas actualmente, por isso valerá a pena reflectir um pouco sobre como chegámos a esta situação, procurando compreender melhor de onde vimos e para onde vamos.
O nosso bosque autóctone está muito ameaçado e será preciso uma ajuda para a sua recuperação, por isso neste guia damos ainda informação adicional para a propagação por semente de algumas espécies.
Esta mais recente obra surge após a publicação de um outro guia práctico intitulado “ervas silvestres comestíveis” que resultou também de uma extensa pesquisa sobre plantas, já que a investigadora refere que, “na sabedoria popular consta uma longa lista de espécies de plantas silvestres usadas para fins alimentares, quer em substituição, ou complemento das plantas hortícolas, quer como condimento, e para fins medicinais. Existem lacunas na bibliografia disponível sobre os usos de plantas espontâneas diretamente comestíveis pelas suas folhas, flores, talos ou rebentos, que este guia prático procura colmatar".
Mafalda Arnauth comemora 20 anos de carreira com um novo trabalho discográfico intitulado “Mafalda Arnauth e os Atlântida”. Um percurso no fado inspirado na aprendizagem constante e na evolução como artista cheia de luz num universo reflecto de grandes talentos.
O teu último disco foi “terra de luz”, de 2013, que é um trabalho curioso, porque voltas quase as origens do teu primeiro álbum, voltas a escrever as letras e a inspiração que nos remete para a portugalidade?
Mafalda Arnauth: Eu gosto muito do depois, porque muitas vezes as coisas são feitas sem essa intenção clara. Quando vou avaliar tudo construído, tudo bate certo, percebo que é um sétimo disco, parece quase um ciclo de uma experiência de álbums que é o tal partir das origens e regressar lá, porque nesta viagem por vezes é necessário retornar a base, para aquilo que realmente nos inspirava de raíz e que me definia enquanto pessoa e artista. Na verdade por muito que esta viagem tenha sido feita em grande parte no fado, as minhas influências e a visão da minha vida nem sempre se resumiu só a esse som e o ir ao que nos inspira enquanto portugueses, ao espírito lusitano orgulhoso de si e com auto-estima que era o que eu queria trazer para este disco. Daí a luminosidade, a necessidade de luz.
Mesmo nos arranjos fizestes coisas diferentes, porque há uns instrumentos muito invulgares e que normalmente não se associam ao fado.
MA: Os arranjos, o mérito é todo do Tiago Machado, porque a única coisa que lhe pedi foi definir ainda mais o som da Mafalda Arnauth, que não se resume no óbvio do fado e da guitarra portuguesa, da viola e do baixo que são geniais e que me tem acompanhado estes anos todos, mas é como se de vez em quando eu gostasse de acrescentar o acordeão, a percurssão e um trabalho muito rítmico que gosto de sentir. É o tentar definir cada vez mais um som meu, em nome próprio e neste próximo projecto em que vou participar isso é ainda mais claro, essa necessidade.
Quando referes que pretendes definir o teu som também falas da tua voz.
MA: Sim, porque voz tem este lado interessante. Um intérprete exprime-se pelo timbre, pela palavra, pela forma como põe a oração cá fora e definitivamente a voz, a sua parte mais física vai-se transformando ao longo dos anos e se há alturas em que é mais fácil ser fiel ao que a voz esta a ser naquele momento, existem outras em que andas à procura e ainda sofres desse processo de transformação. Este disco foi curiosamente sentido para uma região mais grave, mais intensa, muita gente sempre me disse que gostava do meu médio-grave enquanto voz e o que acho que isso se reproduz em termos de som é algo mais envolvente, se calhar não é tão estridente e tão imediato e possante como certas vozes agudas, mas é um estado de alma.
É esse o teu tom agora?
MA: Curiosamente não, no meu próximo projecto discográfico, mas é um dos tons.
Mais uma reflexão sobre uma das tendências mais vistas este ano.
Não pude deixar de notar em muitas revistas da moda o enfâse que se tem dado a uns pseudo-vestidos recortados com tecidos transparentes que deixavam antever todas as curvas e contra-curvas das várias mulheres que os vestem ou despem? Não me interpretem mal gosto de transparências, mas o que não aprecio é esta obsessão que, devo acrescentar se verifica mais nas terras do uncle Sam, por mostrar tudo, desde os braços e as pernas tonificadas, ao contorno do peito, a barriga lisa e dura e claro esta, o rabo, mais valiam que fossem nuas, sinceramente. Não me considero púdica, ou moralista, aprecio a beleza estética de um nu num determinado contexto artístico, agora, esta nova tendência de mostrar tudo de uma forma despudorada é revoltante. Vi recentemente imagens da Rita Ora, da Beyoncé, da Irina Shayk e da Rihanna que me deixaram perplexa, em causa não estão os seus corpos, que são belissímos não haja dúvida, mas o mau gosto de usar uns quantos metros de pano que apenas tapam o essencial. Se abordarmos esta questão apenas do ponto de vista do design essas pseudo peças de vestuário são de vulgaridade sem precedentes. O que aconteceu aos tecidos sumptuosos? Os devorés e as rendas que deixavam mais à imaginação do que mostravam? Onde esta o requinte dos acabamentos, a qualidade dos tecidos e sobretudo os universos de sonho do criadores? O que me consola é que na moda tudo é efémero...até o dia.
São três livros de banda desenhada sobre episódios diferentes da história da ilha da Madeira. Uma parceria entre a Agência de Promoção da Cultura Atlântica (APCA) e Roberto Macedo Alves, da livraria “7a dimensão”, que esteve encarregue da direcção artística dos vários volumes desta colecção, que visou mostrar também o trabalho de jovens desenhadores portugueses.
Como é que surgiu esta ideia inicial de vários livros de banda desenhada (BD) sobre a história da Madeira?
Roberto Macedo Alves: A ideia inicial surgiu dos parceiros do projecto, foi quase espontâneo. Havia uma série de opiniões enquadradas no “aprende da Madeira” estivemos a falar sobre ilustrações, a ideia foi crescendo, o conceito foi evoluíndo, de um volume para uma colecção e no final passou a ser desenhado por várias pessoas.
Foi um brainstorming?
RMA: Chegámos a falar que conteúdo histórico deveria ser representado e acessível a todos os públicos, porque não há nada desse género, o que é existe é maçudo, há volumes de história de Portugal em BD, mas regra geral os jovens mesmo nesse formato, não gostam, porque acham muito pesado, com ilustrações do século XIX. O propósito era aproveitar as histórias fantásticas que a ilha tem e que pouca gente conhece numa obra que fosse interessante para os leitores mais jovens e ao mesmo tempo, que os adultos também pudessem ler, ser divertido para todos e ainda haver espaço para a aprendizagem. Isto é como as histórias do “Astérix e o Obélix” as crianças lêem de uma forma e os adultos descobrem outros pormenores subtis que tornam estes desenhos interessantes, a partir disso queríamos criar uma obra desde um livro para uma colecção e depois que fossem desenhados por vários jovens madeirenses, que não fosse só eu, o que se pretende é abrir portas para desenhadores com talento e podermos mostrar que temos uma geração preparada e que faz trabalho com qualidade.
Porquê escolheste estas três histórias em particular? A história do vinho Madeira e o ataque de um submarino alemão ao Funchal durante a II Guerra Mundial eu entendo, mas e o Curral das Freiras?
RMA: Toda a gente já ouviu falar do Curral, mas perguntar qual a origem de tal nome pouca gente sabe. Como há várias histórias engraçadas associadas a isso, achámos como tal uma das escolhas evidentes, por causa do conteúdo.
Achei curioso a ligação que fizeste entre as várias histórias do Curral das Freiras, a inquisição católica em Lisboa e o fim do universo como o conhecemos.
RMA: Eu não queria que fosse um livro de histórias maçador. Não podia ser tipo documentário “National Geographic”, porque se ao final das primeiras páginas os leitores sentem que lhe estão a “vender” uma história acabam por não achar divertido e ainda vai a meio. Não há um narrador de princípio ao fim da BD, senão os leitores desligam, nestes livros todos os personagens interagem com a história de uma forma muito discreta e o leitor acaba aprender alguma coisa quase sem dar por isso. É, aliás, um dos objectivos principais em todos os volumes desta colecção, daí que a história do submarino que é a mais dramática da série, tem uma moral da história. A do Curral das Freiras é a mais divertida.
O volume sobre o Curral das Freiras é o que achei mais enigmático em termos de história.
RMA: Este volume segue a estrutura correcta do que eram os tribunais da inquisição, aliás, a figura do Gonçalo Bandarra Enes existe, é conhecido como o profeta português.
No final de cada volume fazes sempre referência aos factos históricos e científicos. A informação não é meramente ficcional.
RMS: Sim, todos os factos históricos foram verificados em mais do que uma fonte. As falas do Gonçalo Bandarra são mesmo trechos textualmente das suas profecias e depois cada um interpreta à sua maneira, mas todos os factos que colocámos estão comprovados em livros, como o “elucidário madeirense”, “as saudades da terra” e temos vários documentos que registaram estas situações e que estão pouco esquecidos ou acessíveis, porque muitos destas publicações são fascinantes, mas quem pega naqueles calhamaços? É uma leitura deliciosa, especialmente “o saudades da terra”, de Gaspar Frutuoso, mas esta em português arcaíco.
Outro facto curioso nestes volumes é que algumas das tiras da BD passam a ser apenas linhas são menos rebuscados, quase esboços, sem detalhes, porquê?
RMA: No caso do volume sobre o Curral o objectivo foi transmitir a mudança de época e foi desenhada por um artista diferente. Quissemos também realçar o papel do Gaspar Caldeira que foi um dos responsável pelo ataque, contudo, não há provas concretas da sua traição, porque os relatos que existem falam apenas do corsário francês que atacou o Funchal, contudo, o “elucidário madeirense” aponta este português como um traidor que morreu em Lisboa onde lhe cortaram as mãos, depois foi sufocado e esquartejado, à partida pressume-se que entre os vários crimes que cometeu, um deles fosse esse de facilitar a entrada dos piratas na cidade. Como é um relato que não esta de todo comprovado, os desenhos foram construídos enquadrados na época, mas como cores mais simples, porque a história é vaga. Depois voltámos a um mundo mais concreto que é muito mais elaborado.
Sabes na história do vinho Madeira o que achei mais giro é que usaste um conceito científico, o efeito borboleta, para explicar porque este néctar foi tão importante para a liberdade americana.
RMA: Era só para não ter de dizer que o vinho foi importado para os EUA. Tentei passar o conceito de que esta tudo relacionado que todos fazemos parte deste processo, com um tom quase filosófico. Para um leitor mais jovem pode ser engraçado, mas para a um adulto quase que fica a pensar que existe uma cadeira de acontecimentos que começam nos deuses gregos e inevitalmente foi o vinho que uniu os americanos e foi graças a ele que surgiu o EUA. Esta ideia tinha mais piada do que contar uma história simples e cronológica sobre a importância da vinho, é como o meu narrador diz, o vinho madeira transmitiu ideias, acendeu revoluções e ergueu nações.
Qual dos teus livros é o teu preferidos ou não tens nenhum?
RMA: É difícil perguntar ao pai, qual dos filhos gosta mais (risos). Todos os livros são diferentes, porque foram desenhados por artistas diferentes, tive que rever muitas vezes alguns deles, como por exemplo, o submarino que tem várias opções narrativas muito específicas, o presente esta a preto e branco, o passado esta a cores, digamos que é ponto de vista do protagonista que é o velhote. A medida que vamos vemos os acontecimentos atingir o seu clímax, quando há o ataque dos alemães, o protagonista perde os familiares, a história vai ficando mais pobre, vai perdendo cores e o seu mundo passa a ser a preto e branco, que representa o drama, a tragédia e o horror. Os factos históricos estão num papel quase amarelado, porque é ponto de vista do capitão do submarino, já que ele deixou um relato, na década de 50, precisamente sobre este ataque. O comandante do submarino foi mesmo um herói na Alemanha, porque salvou uma série de marinheiros que estavam presos num submarino-escola, através do código morse.
Porquê decidiste contar essa parte da história?
RMA: No fundo para mostrar que não é tudo preto e branco. O mundo não é só os bons e os maus e que o homem que bombardeou o Funchal era considerado um herói pelo seu povo, recebeu ordens para atacar navios russos, só que entretanto não os atacou, porque tinha um submarino velho e desactualizado e quando lhe foi atribuído um novo modelo topo de gama recebeu novas ordens para atacar submarinos franceses, como militar teve que obedecer e tudo isso desencadeou o ataque à cidade. Ele até tinha estado na ilha que achava encantadora, mas tinha as suas ordens. No fundo ele é mau da fita, no lado deles é um herói. Ironicamente morre de doenças pulmonares causadas pelos gases tóxicos dos motores dos submarinos. Contudo, no final da história a esperança renasce, mostra-se como o perdão é importante e que não se pode odiar uma raça inteira por aquilo que uma pessoa fez.
Quanto tempo levou todo este projecto até a sua publicação?
RMA: Foram cerca de 9 a 10 meses. Escrevemos primeiro os argumentos, depois contactei os artistas, fiz a direcção artística, corrigi, redesenhei alguma cena para obtermos uma consistência mais dramáticas e depois tinha mais piada algumas sequências terem a câmara à frente ou atrás. Os desenhos foram todos feitos a lápis, depois foram passados a tinta e só depois coloridos. Foi um processo engraçado, porque os originais estão em A3.
Qual tem sido o feedback das pessoas, pois já passou algum tempo?
RMA: As pessoas tem gostado imenso. São leitores que compraram os volumes na feira do livro uma vez e depois voltaram para oferecer a outras pessoas. Tem sido muito positivo, porque nunca imagiram a história da Madeira com esta dimensão.
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