Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Yvette Vieira

Yvette Vieira

segunda, 31 dezembro 2012 14:48

O paladino do teatro

joo carv

João de Carvalho vive em função dos palcos. Alimenta-se da adrenalina quando pisa o cenário, bebe das palavras que profere para o público e respira através dos personagens que transpõem para cena, talvez, por tudo isso seja, um dos maiores nomes e defensores do teatro português, para além de encenador, produtor e professor de uma das mais antigas e honradas profissões do mundo.

 

Como é fazer parte de uma família de várias gerações de actores e artistas?

João de Carvalho: De actores, militares e artistas. A minha avó era pianista concertista. Meu pai é o terceiro de cinco irmãos, dos quais três são actores, a minha tia Maria Cristina, o meu tio João de Almeida e claro, o meu pai. Só os outros dois é que não foram, um é militar tal qual o meu avô e o outro é alfaiate. Depois a continuidade veio comigo e tenho um sobrinho que também pretende seguir a carreira artística.

Era inevitável?

JC: Não era inevitável tanto que a minha irmã é jornalista, um dos meus filhos é geólogo e o outro é piloto. A nossa família está muito ligada às artes, porque apesar do meu avô ser militar gostava muito de música, casou em segundas núpcias com uma pianista extraordinária, o que faz com que sejamos um pouco melómanos. Os artistas acabam por gostar de todas as artes. Eu tenho algumas limitações minhas, mas também toco, gosto de música, não de toda, é preciso que tenha alguma qualidade, mas respeito as diferenças.

Para além de actor, é encenador, é produtor e é também professor. De todas estas áreas relacionadas com as artes, qual é a que gosta mais de fazer?

JC: Ser actor. A transformação que acontece em cima do palco é indiscritível. Eu dou o exemplo, eu vou para um espectáculo cheio de dores dos dentes, ou com ciática, ou saindo da unidade dos queimados e quando chego ao palco, nada, ao sair volta tudo outra vez. Essa é a mágica. É o tu estares cá fora e dizeres: não me apetece fazer isto, entras e de repente tudo mudou, tens o público à tua frente, sentes o respirar de uma plateia, sentes as pessoas a apoiarem o teu trabalho e ao princípio até vinhas maldisposto de casa, mas assim que passas as asas laterais do palco, dos bastidores e entras para a luz, tudo desaparece. Não há nada que pague essa sensação. Nem na televisão, nem no cinema, o palco dá-nos tudo.

Nota alguma diferença, como formador, entre as novas gerações de actores e as restantes?

JC: Não noto. Sabes que a uma determinada altura fala-se do conflito de gerações e não sempre isso acontece. As gerações mais antigas percebem que é preciso uma certa continuidade. O meu pai, Rui de Carvalho, já falou sobre isso, é preciso a troca de experiências, nós precisámos dos jovens para provar-nos a nós próprios, transmitimos o conhecimento da técnica, que é o que temos e o passámos isso aos mais novos. E ganhámos todos com isso, porque já não se representa como nos anos 40, mudámos por completo. Há uns anos dizia-se que os actores em Portugal não sabiam fazer televisão, que eram muito teatrais, agora somos tão ou melhor que os brasileiros. Houve uma aprendizagem, na base está sempre o teatro que tem essa pureza de experiências a partir da exuberância dos jovens, do novo e do louco, é tal é qual como dizia Dali, a diferença ente mim e um louco, é que eu não sou louco. A loucura tem de existir sempre. O artista nunca deve perder a criança, perder a fantasia, perder a magia é perder tudo, mais vale fazer outra coisa qualquer.

segunda, 31 dezembro 2012 14:47

O escavador de passados

Élvio Sousa é o rosto da arqueologia na ilha da Madeira e um dos mais reputados investigadores nesta matéria ao nível nacional. Foi um dos impulsionadores da Archais, uma associação que teve como o objectivo principal a divulgação da arqueologia na expansão portuguesa, através de escavações e palestras. Um levantamento com mais de dez anos que também pode ser visitado na unidade museológica da Quinta do Ribeirinho, em Machico e que vai ser alvo de um documentário em 10 episódios que serão emitidos no canal história e na RTP1, já no próximo ano.

Ao longo dos anos criaste a Archais, realizaste um conjunto de escavações por toda a ilha e ergue-se uma unidade museológica em Machico, fala-me um pouco desse percurso.

Élvio Sousa: Foi dez anos a nascer. Não foi? Em 1996 acabei o curso e pensei em criar em parceria com os meus colegas uma estrutura associativa que pudesse divulgar a arqueologia da Madeira. Em 1998 criámos essa instituição com o objectivo de colmatar essas lacunas em termos de património e isso teve um impacto regional, porque alertou as consciências, acima de tudo, era independente e equidistante de alguma militância política o que foi importante. A primeira escavação arqueológica teve lugar em 1999 na junta de freguesia de Machico, que acaba por ser o sítio mais importante ao nível nacional para compreender a arqueologia da expansão portuguesa e ainda, na Quinta do Ribeirinho. Posso dar um salto de mais dez anos e em 2003 foi inaugurado o núcleo museológico que possui uma componente muito forte arqueológica. Portanto em 2006 fizemos 10 anos e estamos a colher os frutos desse trabalho.

A Archais desapareceu?

ES: Não, agora tem uma componente mais pedagógica. Realiza e participa em conferências e acções de formação junto dos alunos. Não tem tanto essa vertente crítica de intervenção na sociedade.

Recentemente apresentaste uma tese de doutoramento sobre arqueologia regional, que teve a nota máxima. Fala-me um pouco da importância desse trabalho?

ES: Havia essa necessidade quando se esta a fazer investigação e no decorrer da minha actividade na associação. Tínhamos que nos deslocar aos sítios para confirmar e fundamentar as denúncias que nos eram encaminhadas. Quando há um alerta é necessário verificar a sua veracidade, senão caímos no descrédito, como acontece com algumas associações. E portanto havia que investir na investigação e para obter essa creditação tive que investir na academia. Fiz o mestrado e o doutoramento com algum sacrifício, mas é importante ter estes graus académicos sobretudo para validar a investigação. Recentemente submetemos uma candidatura para projectos de arqueologia nacional, financiada pela Fundação Gulbenkian, com o objectivo de estudar a expansão da arqueologia portuguesa, através de um documentário e foi aprovado. Foi a única candidatura da Madeira de três que foram apoiadas ao nível nacional. O facto de ter o grau de doutor acaba, modéstia à parte, por validar o trabalho de investigação. Eu fiz tudo com muito gosto e até gostava de ir mais além.

O projecto propriamente dito vai versar sobre os achados arqueológicos na Madeira?

ES: Precisamente, sobre a Madeira e o Porto Santo. É um conjunto de 10 documentários, que serão emitidos pelo canal história, muito interactivos, com reconstituição virtual que irá abranger os cenários históricos sob o prisma da arqueologia da expansão portuguesa, ou seja, como foi povoada e como foi crescendo ao longo do tempo. É um vislumbre do quotidiano, onde poderemos ver o que se comia, quais eram os objectos que faziam parte da casa, qual era o vestuário usado pelas senhoras, encontrámos nas escavações anéis, pentes, alfinetes e todos estes achados ajudam a construir esse passado. O documentário versa várias áreas, mas todas estão interligadas com a história do arquipélago. Depois vai também ser emitido na RTP1. É uma parceria entre o CEAM (centro de estudos da arqueologia moderna), da qual faço parte ao nível nacional, apoiado pela Gulbenkian e pela televisão estatal. O projecto tem o valor de 19 mil euros que dá perfeitamente para construir um documentário, somos bastantes assertivos até porque já fiz alguma consultadoria ao canal história. Vamos criar um registo mas dinâmico, não muito estático, ninguém é um José Hermano de Saraiva, que possuía uma grande capacidade de comunicação. Vamos usar a linguagem multimédia, do tridimensional e os dados históricos para ajudar a captar á atenção dos telespectadores. É um projecto muito interessante, porque dá-nos bastante experiência e penso que vai ter algum impacto para dar a conhecer a arqueologia.

segunda, 31 dezembro 2012 14:46

A colmeia

“Madeira em transição” é um grupo de pessoas que procura mostrar novas possibilidades, novas formas de construir um mundo melhor, mais sustentável e mais amigo do ambiente. São sobretudo olhares de esperança que pretendem reverter a ideia de uma sociedade cada vez mais desumanizada e menos solidária.

Como é que surge o grupo “Madeira em transição”?

Margarida Sousa: O grupo nasce a partir de uma conferência do Álvaro Fonseca, docente na Universidade Nova de Lisboa, sobre “o renascer da cidadania”, no final toda a gente tinha questões e problemas que pretendiam resolver. Então decidimos marcar um encontro, sob o título “construir um novo mundo” e cada pessoa trouxe para a conversa o que achava que era importante para mudar a nossa sociedade e assim surge o “Madeira em transição”. As pessoas reúnem-se e uma delas sugeriu a criação de uma feira de trocas, outra realizar um ciclo de cinema e outra ainda queria trazer danças tradicionais europeias. O nosso lema é partilhar uma ideia e assim há uma maior probabilidade de acontecer. As pessoas trazem esses projectos e quem se identificar e quiser que aconteça, participa.

Outras das vertentes do grupo são os workshops.

MS: Isso surgiu na feira de trocas, para esse evento em particular convidámos o banco de germoplasma da Universidade da Madeira. Eles trouxeram as suas sementes, nós trouxemos as nossas e houve uma troca. Depois achámos por bem, para além das sementes, haver uma formação onde nos ensinavam como recolher as sementes e explicar o funcionamento do banco, isto porque o grupo está muito ligado a permacultura e tudo o que é ecologia e sustentabilidade. Todos os workshops nessas vertentes interessam-nos. Outro dos projectos que emergiu no âmbito “Madeira voluntária” foi a criação de um viveiro de plantas comunitárias e para isso, já entrei em contacto com a direcção regional de agricultura que nos vai dar formação para podermos implementar esta ideia.

Onde começaram os trabalhos?

Maurília Cró: No Ribeiro Francês, em Santa Cruz. Depois da limpeza, após os incêndios, tivemos a fazer a recuperação da zona, do solo. Uma das coisas que ficou totalmente destruída foi a terra, estava preta, queimada. Foi devastador. Como temos alguns conhecimentos na área da permacultura, que fala essencialmente de cuidar do solo e da terra, achámos por bem pôr em prática o que estávamos a aprender. Estivemos a alinhar troncos por causa da chuva que esta para vir e vamos começar a fazer um viveiro de árvores e de plantas para depois replantar, já que estamos nesta primeira fase que é a preparação do terreno. À partida vamos usar hortícolas e árvores de fruto para começar a replantar.

Conta-me um pouco qual foi a reação das pessoas ao chegarem ao local?

MC: Foi muito interessante. As pessoas receberam-nos de braços abertos. Elas perderam tudo, tinham as casas ardidas, mas estavam preocupadas com o seu jardim, já não o tinham. Queriam flores, orquídeas e sapatinhos. Isto demonstra o valor que as pessoas dão as plantas.

segunda, 31 dezembro 2012 14:44

A garouta do calhau

É uma instituição particular de apoio social que visa responder as necessidades dos grupos mais vulneráveis da sociedade actual, em particular das populações mais carenciadas da cidade do Funchal. Ao todo dinamizam seis centros que desenvolvem diversas actividades lúdicas e educacionais junto dos mais jovens e dos mais idosos. Outro dos seus objectivos é desenvolver o projecto da fundação com o intuito de alargar o seu campo de intervenção para outras zonas do mundo.

Quais são as áreas de intervenção da associação garouta do calhau?

Ricardo Silva: O nosso primeiro objectivo, quando nascemos há dez anos, era trabalhar com os idosos, promover o envelhecimento activo, apostar na qualidade de vida da faixa sénior da população. Este extracto social era uma geração que tinha passado grandes dificuldades, tinha passado por guerras coloniais e agora com a reforma tínhamos que ajudar no retardar do envelhecimento. Para esse efeito desenvolvemos várias actividades nos nossos centros comunitários. Depois começámos a trabalhar com as crianças. Passámos a ter um projecto que é o estudo acompanhado, recebemos 120 crianças nas nossas instalações, mas como existe escola a tempo inteiro em todas os estabelecimentos de ensino do Funchal, nós trabalhámos mais no nosso centro das Romeiras, em que temos menores de manhã e de tarde, nos restantes centros é só no final da tarde. Outras das vertentes da associação, que existe desde o seu princípio, é as “férias divertidas”, esta iniciativa retira cerca de 300 crianças das ruas, ou seja, eles ficam os 3 meses de verão connosco. Temos uma série de actividades à disposição dos mais jovens, desde o centro hípico ao aquaparque, etc. Pretendemos dar a miúdos pobres de famílias desestructuradas de zonas carenciadas da cidade umas férias de qualidade. Assim que neste momento os nossos utentes são as crianças, os jovens e os idosos.

Então onde se insere a fundação garota do calhau?

RS: “Garouta do calhau” é essencialmente uma marca, que começámos usar como associação de desenvolvimento comunitário do Funchal, portanto não perdemos a nossa identidade e agora também criámos uma fundação. A associação tem como objectivo trabalhar exclusivamente na capital, a Fundação visa usar a nossa experiência, os nossos conhecimentos para poder participar em outras actividades, outras paragens, diversificar no fundo toda a nossa possibilidade de apoio. Pretendemos trabalhar com a área cultural, a cientifica, saúde e na pobreza em qualquer parte do mundo. A fundação já apoiou uma associação de solidariedade na Colômbia e já anos atrás tínhamos feito um trabalho no Brasil que queremos estender à Madeira, mas a todas as zonas onde seja necessário. Não somos uma instituição rica em fundos, temos é conhecimentos e boa vontade para colocar à disposição das pessoas e motiva-las também na resolução dos seus problemas. Claro, que há dificuldades que só se conseguem ultrapassar com dinheiro, o nosso objectivo também é conseguir angariar fundos através da marca garota do calhau, nomeadamente com a venda de t-shirts e das próprias pedras do calhau.

Como funcionou a parceria com a Colômbia, enviaram técnicos?

RS: Não, foram situações pontuais. No caso da Colômbia foi desenhada uma peça de ourivesaria pela Nini de Andrade, que posteriormente foi leiloada. Toda a receita da venda foi encaminhada para uma associação que trabalha com miúdos carenciados em Bogotá. Esse é o espirito da associação, no fundo não é distribuir o que não temos, mas usar os nossos conhecimentos em prol dos nossos parceiros para apoiar uma determinada causa.

segunda, 31 dezembro 2012 14:43

O major revolucionário

É um das personalidades incontornáveis da revolução de Abril em 1974. Otelo Saraiva de Carvalho afirma que consegue olhar-se ao espelho todos os dias, porque sempre viveu de acordo com a sua consciência e com os seus valores. É também um homem que não teme as palavras, por isso fala sem constrangimentos sobre o que pensa, o que sabe, o que viveu, o que o marcou e o que o desiludiu.

Nas últimas comemorações do 25 de Abril decidiu não comparecer, afirmou que os ideais da revolução tinham morrido, resultado da crise que atravessámos.

Otelo Saraiva de Carvalho: Os ideais do 25 de Abril não desaparecem facilmente. Eles persistem nos corações e na mente dos portugueses que viveram intensamente o processo revolucionário que se seguiu. O que foram é profundamente adulterados pela classe política, que a partir deste período tomou conta dos destinos do país em termos de gestão político-económica. No entanto, todos os dias e já lá vão 38 anos, sou confrontado na rua por gente anónima que me vêm dar uma abraço e um aperto de mão e me pedem para fazer outro 25 de Abril. Os portugueses guardam no coração estes ideais, esta esperança, que estão vivos, por isso refuto a sua afirmação.

Parte da responsabilidade pode ser política, mas os portugueses não são dos povos mais participativos em termos cívicos.

OSC: O povo foi sempre condicionado durante os quase cinquenta anos da ditadura Salazarista que depois continuou com Marcelo Caetano e por isso foi um povo que foi crescendo no medo de dizer mal das coisas, de ser preso e isso continua vivo nos portugueses. Quando surge uma grande manifestação mais audaciosa, que protesta e contesta eu fico admiradíssimo e penso esta aqui qualquer coisa que esta a germinar. Se não fosse o Movimento das Forças Armadas (FMA) fartos de esperar que o governo encontra-se uma política para o fim da guerra colonial que já durava a 13 anos e estava a depauperar o país, 40% do orçamento de Estado em 1973 era destinado ao ministério da defesa, Portugal não seria um espaço geoestratégico europeu, assumindo a responsabilidade de caminhar rapidamente para a recuperação da independência dos povos coloniais. A perspectiva do governo da altura era manter a guerra colonial até a vitoria, que era impensável. O partido comunista bateu-se muito pelos direitos dos trabalhadores, teve centenas de militantes e quadros dirigentes presos ao longo da ditadura que foram até exilados para o Tarrafal, mas os comunistas e os portugueses não iam lá. Só os militares consideraram que estavam ultrapassados todos limites e que era necessário uma intervenção histórica, senão mais ninguém o fazia. Se assim não fosse, a ditadura teria continuado por muitos anos.

Então acha que a ditadura esta presente em termos de mentalidade? Os portugueses reclamam muito, mas depois não fazem nada.

OSC: Há um jogo dos governantes, dos que foram, dos actuais e dos que hão-de de vir. Conhecem essa característica do povo português, quando há um protesto de rua, eles dão-lhes razão, mas continua tudo na mesma. É esse jogo entre o protesto débil e a política arguta, todos sabemos que aquilo tudo não leva a nada. O poder que de facto pode alterar as coisas é o militar. Dou-lhe um exemplo, em Novembro do ano passado, estava a ser preparada uma manifestação de oficias, sargentos e praças das forças armadas promovido pelas respectivas associações, que resulta do que esta acontecer, desta crise, naturalmente, um jornalista da agência lusa questionou-me se eu ia lá estar, eu disse que não, por dois motivos: um, nesse fim-de-semana não ia estar em Portugal, porque ia dar uma conferência. Dois, mesmo que estivesse não ia estar presente, porque sou contra uma manifestação de militares fardados, ou à civil, na rua. É a mesma coisa que estar ao nível dos trabalhadores e dos seus sindicatos. As forças armadas são uma reserva da nação, são o último bastião do poder instituído e estão ao seu lado, podem é recusar actuar contra o povo, isso é com a polícia. Os militares são a defesa da nação, do regime e do Estado. Uma manifestação dos militares só deve acontecer quando vão ao encontro dos anseios populares e estão ultrapassados todos os limites, ou seja, a constituição esta a ser posta na gaveta por interesse dos partidos aí a concentração que devem fazer é uma operação militar para derrubar o governo. O que eu fui dizer! Nas semanas que se seguiram Freitas do Amaral, Mário Soares e camarada Vasco Loureço presidente da “Associação 25 de Abril” disseram coisas muito piores, muitos fortes e parecia que ninguém disse nada. Houve até um grupo de cidadãos que apresentou contra mim uma queixa-crime na procuradoria-geral da república por incentivo à violência e ao golpe de Estado. O maior receio do poder burguês instituído é dos militares. O povo pode protestar, mas há sempre argumentação. Quando as forças armadas entendem que há uma legítima necessidade de tomar uma posição, o poder treme.

Contudo, numa entrevista recente disse que estava arrependido de ter participado no 25 de Abril.

OSC: Isso foi um mal-entendido. O que disse foi, que perante esta a situação do país, depois de 38 anos de processo revolucionário com o 25 de Abril, a situação está tão grave e há mais de dois milhões de portugueses em estado de pobreza. O cenário agrava-se sem grandes perspectivas, o país esta sempre a dar garantias perante as instituições internacionais e financeiras, tudo isso foi insuficiente perante este cenário de desemprego galopante. Se eu adivinhasse que 38 anos depois de porta aberta para a esperança, para aumentar a qualidade de vida económica, social e cultural do povo o panorama é de miséria, talvez não tivesse participado no 25 de Abril, foi um desabafo. Eu e os meus camaradas da revolução considerámo-nos um pouco responsáveis pela situação actual. Nós, forças armadas que entregámo-nos de corpo e alma arriscando família, profissão e vida fizemo-lo com uma generosidade de tal ordem para os libertar das correntes do fascismo e permitir ao povo integrar-se o espaço europeu para ascender ao nível de vida dos outros países e é uma responsabilidade que sentimos cá dentro. Não estou arrependido, houve com o 25 de Abril de 1974, nos dias que se seguiram, uma alegria imensa que invadiu o povo depois de 48 anos de estar oprimidos. Se não tivesse havido uma revolução as pessoas continuavam na miséria, mas o poder é que tinha essa responsabilidade. Há dias li um poema reacionário sobre os militares de Abril, era horrível, disseram-me para não ligar nenhuma, mas acaba por moer. Naquela altura entregámo-nos com uma generosidade tão grande, mas ali somos retratados como traidores da pátria. Portugal esta na míngua e a culpa é dos capitães de Abril! Eu pergunto se isto que é dito por esta gente tem eco no povo? A minha esperança é que não.

Abordando a sua visita à Madeira, para o aniversário dos 50 anos de sacerdócio do padre José Martins Júnior, como é que um padre e um revolucionário se tornam amigos?

OSC: Um padre revolucionário! (risos). Eu e o José Martins Júnior temos muitos pontos em comum, em termos de pensamentos e ideais. Temos também em comum, tendo em conta a sua participação cívica aqui na Madeira, um quê de irreverência que nos une, que é comum aos dois. Gosto muito dele. É uma pessoa de uma grande pureza, de afirmação e de inteligência. Tem uma grande capacidade de resiliência, perante tudo o que lhe aconteceu O José Martins Júnior tem sido perseguido, teve fechos de igreja, a polícia apareceu a mando do governo e das entidades eclesiásticas da Madeira e não deixa de ser quem é e de dizer aquilo que pensa.

Mas, como é que se conheceram?

OSC: Eu conheci-o em 1976 porque participei em uma de duas campanhas presidenciais. Nesse ano o José Martins foi deputado pela UDP no parlamento regional da Madeira e já era o pároco da Ribeira Seca. Quando vim para a ilhas, nos Açores, não consegui sequer abandonar a base aérea, centenas de membros da FLA (Frente de Libertação dos Açores) exigiram a minha saída às autoridades da unidade militar, havia uma ligação entre os oficias e os dirigentes desse movimento, acabei por não sair e decidi vir até á Madeira e estava para acontecer algo semelhante. Logo que sai do avião em Santa Cruz, foi avisado pelo major que estava á minha espera no aeroporto a mando do comandante militar de então, Carlos Azeredo, que não estava autorizado a falar em público, nem sequer sair das imediações aeroportuárias. Mas, não ia fazer o mesmo que aconteceu no Açores e acabei por sair. Partiu-se uma porta de vidro de acesso à sala, porque as pessoas queriam estar comigo. A UDP sendo um dos pequenos partidos que apoiava a minha campanha presidencial pôs o seu aparelho partidário a minha disposição e quem me acompanhou sempre na campanha, foi o José Martins Júnior, o homem-chave. Estive em Machico, foi ele que movimentou as pessoas para o comício que acabámos por fazer sempre com receio que aparecesse a polícia militar com ordem para dispersar a multidão, por isso, fez-se à noite e clandestinamente. Nessa altura, falámos muito de projectos e ideais. Acabei por dormir com medo das represálias numa marquesa num posto de saúde de enfermagem, sei é que dormi bem, embora seja republicano (risos). Foi uma aventura.

Nota que houve uma evolução em termos de mentalidades na Madeira? Desde esse período até agora.

OSC: O povo madeirense talvez mais até. O povo do interior, de Bragança, Trás-os-Montes e das ilhas viviam uma situação de miséria absoluta, no fascismo. No Nordeste do país não havia estradas, nem postos de saúde, nada, daí uma percentagem elevadíssima de emigrantes que conseguiram sair dali. Para ir de carro de Lisboa até Bragança demorava 10 horas. Na Madeira nessa altura era a mesma coisa. Com o 25 de Abril deu-se uma abertura muito grande ao nível social e económico. Com a confirmação da autonomia regional pode-se consolidar essa liberdade, não tão grande como seria o desejado, como ambicionávamos. Em Portugal, vive-se uma democracia burguesa, parlamentarista, pobre, que mantém o seu poder à custa do povo. O programa político do MFA era orientado para os partidos e comecei a contestar isso, porque era crente que o povo não ia beneficiar com esse sistema, porque as claques partidárias apenas lutam em favor dos seus próprios interesses, da classe. Lá se foi dando umas reformas para manter o povo sereno, mas na altura, a ideia era a democracia directa. Disseram-me que não era possível, porque era um salto muito grande de uma ditadura para o voto directo, perguntara-me se conhecia algum país do mundo que o fazia, eu disse que não, mas repliquei: fazemos nós.

38 Anos depois é possível ter uma democracia directa em Portugal?

OSC: Eu julgo que é possível, porque estão dar-se fenómenos importantes, foram-se criando mecanismos que podem permitir pensar numa democracia directa. O que aconteceu na Islândia que pouco ou nada foi referido é importante.  É um país com uma recuperação económica brutal, enorme, porque o povo, são apenas 300 mil habitantes, não permitiu a entrada da crise financeira que estamos a viver, convocou eleições, criou uma equipa de pessoas credenciadas da sociedade civil, elegeu esse governo, alterou a constituição e esta a recuperar de forma impressionante. Na Suécia através dos telemóveis e das redes sociais, um pequeno partido com 11 deputados, pede as pessoas opiniões sobre uma determinada matéria que vai ser debatida no hemiciclo e defende a ideia mais consensual discutida pela maioria, mesmo que os deputados não sejam apologistas dessa tomada de posição. Esses sim são os interesses do povo e não de um partido.

segunda, 31 dezembro 2012 14:42

Sem limites para o sonho

Esta instituição particular de solidariedade social ajuda as pessoas com necessidades especiais. É um projecto que sobrevive das suas actividades, eventos culturais e dos donativos das pessoas anónimas sob a forma de tampinhas de plástico. É acima de tudo um porto de abrigo para todos aqueles necessitam de uma mão amiga, de alguém que os ouça e que os compreenda, tudo sob a direcção de um jovem e muito enérgico director, Filipe Rebelo.

Como é que a associação sem limites começou?

Filipe Rebelo: A associação sem limites (ASL) surge graças a uma lacuna da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), nós viemos corrigir muitos erros ao nível de estatutos, de actividades e concursos e tudo isso transformou-se em algo mais regional. Temos o hábito de ir buscar fora, copiámos sempre o que os outros têm, mas somos tão capazes como os restantes de transmitir ideias, o objectivo é ser criadores. Já tinha este sonho numa gaveta há algum tempo, a cerca de quatro anos tinha sido proposta à antiga direcção da APD a criação desta associação, não acharam apelativo na altura, mas nunca desisti e desde Janeiro de 2012 começou a ser estructurada nos mesmos moldes que as restantes. A ideia é ajudar o próximo e não apenas os que tem necessidades especiais. A palavra deficiente é sempre muito grande, ela engloba muitas pessoas desde as crianças, os adultos, os surdos, os cegos, os mudos, os tetraplégicos, os paraplégicos e até os militares feridos em combate, normalmente associa-se o termo só às pessoas em cadeiras de rodas, no entanto, tem muito por desvendar. Há muito para desmitificar. Nós queremos também abraçar os idosos, porque são o futuro. Eles têm dificuldade de locomoção, de visão e audição e embora compreenda que as pessoas não querem ser rotuladas, eu também não gosto de ser etiquetado como deficiente, mas claramente são pessoas com necessidades especiais. A realidade é essa. A associação tem uma abrangência muito grande, quer em termos sociais, educacionais, culturais e desportivos. Tivemos o cuidado de englobar essas áreas, porque só assim faz sentido. A partir daí temos desenvolvido um conjunto de parcerias, em conjunto com a APD porque seria injusto não inclui-la. Trabalhámos em moldes diferentes, ou seja, uma apoia e a outra reivindica e cada vez mais temos de criar sinergias com os diferentes organismos que existem, porque as pessoas devem perceber qual o seu habitat natural. Muitas associações pensam que podem intervir em tudo, quem tudo quer, nada faz. Se sou especializado numa determinada área, não vou imiscuir-me em outra, mas vou encaminhar os utentes para as especialidades que necessitam. Tenho essa filosofia até morrer, seja qual for a natureza das organizações onde me encontre. As pontes devem ser feitas. As pessoas têm de trabalhar em rede cada vez mais.

É uma das vertentes da ASL, o mudar das mentalidades através da educação dos mais jovens?

FR: Sem dúvida. As crianças são o melhor veículo de comunicação. São virgens em termos de mentalidades, não pagam água, luz e não tem que votar. Temos que implementar estas políticas neles, eles são o futuro. Eles não têm vícios. A classe política está cheia de vícios. Tem de haver um grande homem para mudar isto. Eu não gosto de tratar as pessoas por números, elas tem de ser tratadas como seres humanos. Nós temos 500 associados, mas eu não preocupo com isso. Temos de verificar é se o trabalho esta feito e se a ajuda chega para as necessidades reais dessas pessoas, é um projecto no terreno. Temos que trabalhar, as pessoas tem de ir à luta, nós é que criámos o nosso desemprego. Trabalho aqui na base do voluntariado, embora as pessoas não acreditem, se por um acaso houvesse dinheiro, já me tinham demitido desta associação. As pessoas não sabem o que voluntariado. Tem de ser personalizado? Sim, concordo. Se vamos despender umas horas, não é para ganhar um ordenado, mas podemos receber um montante para o combustível, concordo. O tempo que dão é muito bom, mas não devem perder dinheiro. As mentalidades devem ser mudadas, rapidamente, em particular, nas classes políticas. Estou nesta associação há vários anos e nunca recebemos qualquer apoio da segurança social, inventam sempre motivos para nunca atribuir as verbas, só peço 500 euros por mês, para pagar luz, água e gasolina. Eu concordo que a realidade regional não se coaduna com tão grande número de instituições de cariz social, muitas tem de fechar, são meros lobbies, qual é afinal seu papel interventivo? Temos que reagrupar e deixar no terreno as associações que de facto estão a trabalhar.

Tem demasiadas associações que não fazem nada é isso?

FR: Sim, é um pouco por aí. Há associações dos amigos dos surdos, os familiares das pessoas com deficiência, ou outras que não fazem nada, ou possuem uma actividade muito irregular. A ideia da sua constituição surge a partir de uma experiência familiar, alguém que ficou doente, surdo ou amputado. Actualmente, essas associações sem fins lucrativos foram contactadas para pagar as despesas do quotidiano, a luz, a água, a renda e imposto de selo. A ASL é uma instituição particular de solidariedade social a pensar no futuro, sem nunca esquecer o ontem.

segunda, 31 dezembro 2012 14:40

A mestre da felicidade

Carla Afonso era jornalista e aos 38 anos decidiu mudar de vida e apostar na programação neuro linguística. Uma linguagem que nos permite aceder à nossa estrutura interna e exponenciar as nossas capacidades pessoais de forma a atingir a excelência em termos profissionais e ao mesmo tempo a ser mais felizes.

Teve uma carreira no jornalismo e onde no seu percurso surge a Programação Neuro Linguística?

Carla Afonso: Comecei a cansar-me do meu trabalho. Eu pensei que se podiam fazer reportagens mais interessantes, até porque a parte social nunca me interessou e cada vez mais me pediam mais esse aspecto da vida privada dos artistas em vez da obra. Eu confesso que do ponto vista dos meus valores, esse mundo tornou-se menos atractivo. Então como gosto de trabalhar coloquei-me várias hipóteses, uma era continuar agarrada a uma carreira que deixou de me dar prazer e acabar velha e amarga e outra era mudar de vida e encontrar outro rumo. Estive a dar aulas na escola superior de jornalismo que foi uma experiência muito importante para mim do ponto de vista pessoal, achei que podia continuar a dar formação para adultos e tropecei n programação neuro linguística quando comecei a trabalhar como formadora. Interessei-me por este assunto, comprei livro, li artigos e caiu-me no colo uma certificação que fiz.

Mas, o que é o PNL em termos leigos?

CA: O PNL em termos leigos é uma área que surge nos EUA a meado dos anos 70 e que vai à procura das áreas de excelência das pessoas. Ela estuda questões subjectivas, ou seja como fazemos as coisas? A maioria das acções que projectámos no nosso dia-a-dia fazemo-las em piloto automático e não dá-mos conta que as fazemos sem pensar, mas a forma como o fazemos representa uma escolha inconsciente. A PNL vai beber os seus conhecimentos a outras áreas do saber, a cibernética, a psicologia positiva, as terapias, etc. Vai buscar essas disciplinas que já existem para o seu tronco teórico. A programação neuro linguística vai utilizar todos esses conhecimentos na prática para que as pessoas possam ter resultados de excelência. Na área da comunicação vai em busca dos factores que as tornam especialmente eficazes e procura a estrutura das coisas, para que cada um de nós possa reproduzir comportamentos e desempenhos da melhor forma possível.

Como é que todos esses factores se reflectem na performance profissional? Ou também abrange aspectos da vida pessoal?

CA: Serve para as pessoas reflectirem sobre o que as move por dentro. Depois há um outro aspecto que é saber como é que elas comunicam? O que dizem a si próprias e aos outros. Outra área de aplicação é como é que se estabelecem os objectivos? A maior parte das pessoas por norma sabe  o que não querem, mas não conseguem dizer o que desejam como alternativa. A PNL ajuda-nos a focar-nos naquilo que queremos, promove o autoconhecimento profundo e alinhamento pessoal em torno do que nos caracteriza como indivíduos. É uma disciplina que tem tido grandes resultados ao nível individual, mas também nas organizações porque os ajudam a estabelecer objectivos, criar planos de acção e fase a fase ajuda-os a atingir os resultados que pretendem do ponto de vista prático.

segunda, 31 dezembro 2012 14:38

O guardião da palavra

Urbelino Ferreira é um dos membros da actual direcção da associação de escritores da Madeira e uma figura da actividade cultural na Madeira. Nesta conversa, falámos do organismo do qual faz parte, de escritores e como não podia deixar de ser de livros.

Porque houve a necessidade de criar uma associação de escritores da Madeira (AEM)?

Urbelino Ferreira: Bem, à época, já lá vão dois decénios, (não me recordo da data exacta da fundação da associação) os fundadores sentiram a necessidade de criar uma organização, de raiz cultural, com escritores de diferentes áreas: jornalismo, literatura, professores universitários, e outras, alguns deles, já como livros editados. No pós-25 de Abril, houve essa urgência de estar organizados. Criaram a associação de escritores da Madeira para estarem reunidos e criar planos de desenvolvimento cultural.

Também pesou o facto de sermos ilhéus e estarmos longe dos grandes centros urbanos, ditos mais culturais?

UF: Quanto à questão do isolamento, penso que não: teve mais a ver com o movimento organizativo que a revolução de Abril gerou, através da liberdade de reunião, de expressão, de manifestação, etc. Embora houvesse uma distância territorial – que continua a existir -, criou-se o espírito de associação, uma espécie de onda criativa que impelia à criação de clubes, organizações e associações de diferentes áreas, já que, na ditadura, havia medo de formar esses organismos. Nesse tempo, os participantes da cultura, de todas as áreas, lá iam escrevendo textos e livros, onde não se dizia tudo, por impedimento da censura.

O que mudou nesses vinte anos na associação de escritores da Madeira? O que melhorou e piorou?

UF: O que melhorou, baseado numa análise organizativa, desde há meia dúzia de anos, após a morte do anterior presidente, foi ter havido eleições, o que nunca tinham existido, anteriormente e ter sido criada a sua sede: foi, fundamentalmente, o que mudou. Não obstante, não quero dizer que, no antes e depois pós-morte de José António Gonçalves, houvesse melhorias de âmbito e dinamização cultural. Existiram alterações na concepção organizativa da associação, mas não na participação cultural. José António Gonçalves, independentemente de não ter esse espírito de organização interna, funcionava como que não havia necessidade disso, porque era muito liberal e possessivo; era um mentor da cultura; ele criava, participava, desenvolvia projectos e organizava eventos culturais, ao longo do ano. Por todos esses motivos, ele ultrapassava essa concepção organizativa. Ainda assim, era muito mais produtiva, porque o José António Gonçalves era um actor cultural: dia e noite, fazia cultura. Até na mesa onde se sentava, gerava ambientes de cultura, provocava os convivas para ela, e até oferecia os livros que publicava. Era uma constante da sua vida. Após a sua morte, e depois das eleições e de órgãos eleitos, algumas disfunções e atritos, no seio da direcção, geraram uma descontinuidade. Houve esse início, organizativo, sede própria e um conjunto de participações; houve, até, a ideia de criar um órgão de opinião, para análise de novos livros e autores, o que não chegou a ter efectividade. Houve visibilidade organizativa, reuniões de direcção, mas o plano de actividades sofreu muito, com desavenças internas. Neste segundo mandato, do qual faço parte, a situação agravou-se, completamente, porque nem chegou a haver, no órgão executivo, uma reunião, sequer. Não se aprovou nada: plano de actividades, contas, etc., e extinguiu-se a visibilidade cultural, com excepção do “encontro às quartas-feiras”, que durou poucos meses. Esse encontro era uma reunião com figuras da política, do meio literário ou das artes, e que foram, apenas, uma meia dúzia; além disso, nada mais foi produzido, até hoje.

segunda, 31 dezembro 2012 14:36

A tia lhú

Luísa Nunes nasceu na ilha da Terceira. Dela trouxe as memórias açucaradas, os sabores da terra e do mar e decidiu criar um conceito que nos remete para a culinária açoriana, para a riqueza dos seus paladares mais tradicionais, que pode provar na cidade do Porto, na loja número 27, no centro comercial Bombarda.

Como é que surge a ideia da tia Lhú?

Luísa Nunes: A ideia da tia Lhú surgiu devido ao que se passa hoje em dia, jovens formados sem emprego e tens de criar uma alternativa. Sempre cozinhei desde cedo e os amigos desafiaram-me a faze-lo comercialmente. Comecei com uma brincadeira na internet, um blog, daí passámos para as feiras de ruas, tive imensa aceitação e o último passo foi a loja. Sou arquitecta de profissão, mas inevitavelmente temos uma veia para a culinária, é incrível, não sei porquê. Se calhar porque é um meio artístico também, podes criar na cozinha.

Explica-me o conceito.

LN: A tia Lhú são memórias de infância com base na doçaria tradicional açoriana. Pego nas receitas da minha avó, da minha mãe e das minhas tias e a partir delas vou buscar os sabores que estavam perdidos e dar as pessoas um produto com qualidade. Bom.

Mas, fizestes então uma espécie de pesquisa.

LN: Exactamente foi à procura das receitas que elas tinham guardado em casa, falei com pessoas profissionais, ou seja, que trabalham nesta área e daí que foi buscar a base para trabalhar.


Fonte de inspiração. Luz dos cegos. Porta de abertura. A vida de Maria do Sameiro Álvaro, cega aos sete anos, é uma luta pertinaz contra a diferença. Uma viagem inesquecível.

"Ver? Há muitas maneiras de ver. Ver é contactar, compreender. Não interessa se é com os olhos, com as mãos ou com a explicação de alguém". Esta frase espelha na perfeição a personalidade lutadora e apaixonada de Maria do Sameiro Álvaro. Natural de Monção, onde nasce em 1932, deixa de ver, lentamente, depois dos sete anos.

Quando frequenta a Escola Primária – hoje primeiro Ciclo – já vê muito mal. Impossibilitada de continuar a estudar numa classe de crianças visuais, inicia uma vida de conquistas. Como por exemplo, aprender a correr e andar de bicicleta nas ruas da vila. "Parti três dentes, parti a cabeça. Mas queria viver como as outras crianças. Nunca me convenci de que não era capaz. Lutei sempre!", ressalva, com um sorriso.

A vida pacata da província não lhe diz nada. O que quer é estudar. Mas como? Nem os pais ou mesmo as professoras conhecem o Braille. (Braille – Sistema de leitura e escrita para cegos através de pontos em relevo. Inventado pelo francês Luís Braille, possivelmente em 1825, é hoje utilizado em todo o mundo).

Desiludida por ninguém lhe saber ensinar nada, recorre à cozinheira da casa dos seus pais. É dessa forma que aprende a coser à máquina e restantes costuras. «Eu sentia que não era uma rapariga como as outras. Aquele crescer era diferente. Aquele enfrentar a sociedade era diferente». E acrescenta: «As pessoas viam-me com pena, como coitadinha. Mas eu nunca gostei de que me dissessem que as coisas estavam bem-feitas para me consolarem. A falta de vista não é falta de cabeça».

“O não é para mim um sim”

Até aos 21 anos, tem esperança de recuperar a vista após uma operação. Infrutífera! Sempre determinada, continua a desagradar-lhe o facto de estar “arrumada” numa vila. Muda-se então para o Porto, para casa de uns amigos dos seus pais. Começa a frequentar a Escola de Braille, pagando ela própria o curso.

Com 24 anos, faz a 3º e a 4º classe e aprende, particularmente, solfejo. Novas dificuldades são vencidas. Finalmente é admitida no Conservatório de Música do Porto que frequenta durante três anos.

Mais tarde, abre em Lisboa a "Escola Sain", por iniciativa de um romeno que considera precárias as condições em que os cegos vivem em Portugal. É aí que aprende mais profundamente o Braille, actividades da vida diária e mobilidade. Nesta última, encontra, a princípio, dificuldades. Contudo, após três meses, com a ajuda de um professor que se recusa a aceitar o seu receio, começa a andar sozinha nas ruas da cidade. A partir de então deixa de ter medo. «Quando se quer, pode-se. Cruzar os braços, sentar-se num sofá é angustiante. Afecta a parte intelectual, o convívio com os outros. Não se aprende geografia com os pés no chão».

A vida guerreira prossegue. Aos 27 anos, tem possibilidade de trabalhar como telefonista nos "Portos de Douro e Leixões", no Porto. Todavia, descobre que os cegos em Portugal não podem, por lei, trabalhar na Função Pública. Sem se deixar "acabrunhar", vence mais esta adversidade. "Fui a primeira funcionária pública cega no Porto e uma das primeiras em Portugal", refere.

Apesar de ter um emprego, consegue arranjar tempo para continuar a estudar, o seu principal objectivo. Termina assim, à noite, o 7º ano do Liceu.

Aos 32 anos, regressa a Lisboa. É escolhida para tirar um curso intensivo de ensino especial para cegos, o primeiro realizado no País. É a única cega entre 34 colegas, todas professoras. «Elas estudavam por sebentas e livros. Eu não tinha nenhum material, apenas escutava «.

No final do 1º ano, por acordo entre o Ministério das Comunicações e Educação, fica libertada do seu trabalho como telefonista. Dessa maneira, pode concluir o curso com melhor aproveitamento. Além disso, começa a receber o ordenado como professora.

"Aí vem a luz dos cegos"

Terminado o curso, é colocada numa Escola de Ensino Especial para crianças cegas, no Porto. Um projecto-piloto no ensino e na reabilitação nessa área. Sempre inovadora, utiliza a dactilografia. Os outros cegos escrevem em Braille. Transfere assim para os seus alunos o que tinha aprendido no curso de especialização.

A viagem de luta continua. Aos 37 anos, chamam-na para leccionar na Escola de Reabilitação da Areosa, nos arredores do Porto. Uma instituição criada para a reabilitação tardia dos cegos, iniciativa inovadora que ainda existe. Com emoção, recorda as inúmeras memórias deixadas pelos seus discípulos. "Foi e é gratificante ver que parte deles seguiu carreira universitária. Nas minhas aulas nunca se dizia eu não sou capaz. Jamais criei um ambiente pesado. Queria dar aos alunos estímulo para viver. Uma das minhas grandes alegrias foi quando, ao abrir a porta da sala, ouvi um aluno dizer: Aí vem a luz dos cegos".

Permanece nessa escola até se reformar. Alma eternamente irrequieta, mais uma vez não cruza os braços. Na Universidade Sénior pratica hoje dança criativa, yoga, grupo coral, história, informática. E ainda tem tempo para ajudar os outros.

A reforma como professora permite-lhe concretizar outro sonho. O das viagens. "Para mim viajar não é só ver paisagens e monumentos. O mais importante é o contacto humano, a descoberta de outras culturas", salienta.

Maria do Sameiro Álvaro é sopro de dádiva. Audácia. Inspiração. E de fortaleza. Como ela própria remata: "O ser humano não se pode deixar esmagar por uma sociedade que não o compreende".

 

Caixa

«O essencial é olhar para a diferença com naturalidade»

Um dos maiores desafios que teve de enfrentar foi ser encarada nas ruas como diferente. «Quando era mais jovem, as pessoas não estavam habituadas a verem cegos a andarem sozinhos nas ruas «, refere. E prossegue: «Um dia, sem me aperceber, deixo cair a minha bengala no autocarro. Aparece um senhor na porta de saída e pergunta – quem perdeu um molho de canos? Para ele, uma bengala de cego fechada era um molho de canos».

Outra situação que recorda, divertida, passou-se em Matosinhos, enquanto estava numa fila à espera de entrar para o autocarro. «De repente, alguém diz: Deixem entrar esta menina que é ceguinha. Imediatamente, duas mulheres gritam: Ceguinha? Esta? Esta só se for cega do olho do...»

Maria do Sameiro Álvaro salienta que em tudo existe diferença. «Nas coisas. Nos seres humanos. Mas o essencial é olhar para a diferença com naturalidade».

FaLang translation system by Faboba

Eventos